Crise no Líbano: Entenda a ligação entre a explosão e a queda do governo

País do Oriente Médio já enfrentava crise política e econômica antes de acontecer o incidente na zona portuária de Beirute, que culminou em mais protestos; população acusa governo libanês de negligência

  • Por Monique Alves
  • 13/08/2020 16h30 - Atualizado em 13/08/2020 18h24
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EFE/EPA/WAEL HAMZEH Beirute Megaexplosão na zona portuária de Beirute deixou cerca de 6.000 feridos

Na segunda-feira, 10, o primeiro-ministro do Líbano, Hassan Diab, renunciou ao cargo e demitiu toda a equipe do governo em meio ao terceiro dia consecutivo de protestos em Beirute, capital do país. As manifestações começaram no sábado, no chamado “Dia da Ira”, e se estenderam pelos dias seguintes. A população acusa o governo libanês de negligência após a megaexplosão na zona portuária da capital que matou mais de 170 pessoas e deixou 6.000 feridos, além de centenas de desabrigados. As causas do incidente ainda não foram esclarecidas, mas o presidente do Líbano, Michel Aoun, prometeu investigar o que aconteceu e disse que “ninguém está acima da lei”. Até o momento, 16 pessoas foram presas, incluindo o presidente da alfândega libanesa. O armazenamento de 2.750 toneladas de nitrato de amônio por seis anos sem a segurança necessária pode ter provocado a explosão. A substância é usada para fazer fertilizantes e é altamente explosiva. Ainda não se sabe por que esta carga estava guardada no porto. O governo estima que o prejuízo após a explosão seja de US$ 15 bilhões.

Nesta quarta-feira, 12, a presidência do Líbano se manifestou pelo Twitter e reconheceu que Aoun já havia sido informado sobre a quantidade de nitrato de amônio no porto de Beirute em julho de 2020, por meio de um relatório de Segurança do Estado, e que comunicou o Conselho Supremo de Defesa imediatamente. A presidência ainda informou que zela para que a investigação judicial se desenrole em toda a sua extensão, usando o que achar necessário para esclarecer toda a verdade sobre a explosão.

Antes da renúncia de Diab, outros três ministros já haviam deixado seus cargos. No domingo, a titular da pasta da Informação, Manal Abdel Samad, e o ministro do Meio Ambiente, Damianos Kattar, pediram demissão também em meio aos protestos na cidade. E na segunda-feira, 10, pela manhã, a ministra da Justiça, Marie Claude Najm, entregou uma carta formal em que anunciava sua saída. Ela chegou a ser hostilizada nas ruas durante as manifestações e, em sua carta de demissão, disse que “a profunda crise e a situação excepcional que presencia a pátria nos impõe a recorrer à vontade do povo”. Além disso, um dia antes da explosão, o então ministro das Relações Exteriores, Nassif Hitti, renunciou ao cargo alegando discordâncias com a atuação do governo de Michel Aoun, e ainda disse que o país está caminhando para se tornar um “estado falido”. 

O primeiro dia de protestos na capital libanesa deixou um policial morto e pelo menos 250 feridos, de acordo com dados da Cruz Vermelha do país. O Líbano vem enfrentando uma crise política e econômica e teme que a megaexplosão agrave ainda mais a situação do país, já que 85% do que a população consome é importado por via marítima e o país pode enfrentar um desabastecimento. Também no Twitter, a presidência do Líbano disse que Michel Aoun reforçou com o Ministério da Economia libanês sobre a necessidade de garantir o fornecimento de comida à população e também afirmou que vai punir quem se aproveitar da situação para obter ganhos ilegais.

Hassan Diab tinha formado sua equipe em dezembro, após onda de protestos que começaram contra o aumento dos impostos, mas ganharam força e viraram uma forma de oposição ao governo sectário, à corrupção e à falta de desenvolvimento econômico. Os atos que começaram em outubro de 2019 levaram à renúncia do então primeiro-ministro Saad Hariri, filho de Rafiq Hariri, que também foi premiê do país e foi assassinado em 2005 em um atentado terrorista. Em seu discurso de renúncia, Hassan Diab relembrou os atos: “Alguns não leram bem a revolução dos libaneses do dia 17 de outubro. Era contra eles, mas não entenderam”. Ele também disse que o governo que liderou fez o possível para ajudar a salvar o país, mas teve dificuldades para realizar mudanças. “Eles deveriam ter vergonha, porque a corrupção deles acontece há sete anos”, completou. Dias antes, Diab chegou a dizer que a melhor saída para os problemas do país seria antecipar as eleições e que iria convocar uma reunião do governo para debater a proposta na segunda-feira, dia que acabou sendo o da sua renúncia. O presidente do Líbano aceitou o pedido de Diab, mas pediu para que ele ficasse interinamente no cargo, até que seus sucessores fossem escolhidos.

O que se sabe sobre a megaexplosão

A hipótese da megaexplosão ter sido um atentado terrorista ainda não foi descartada, principalmente em razão do julgamento dos organizadores do ataque com explosivos que matou o ex-primeiro-ministro libanês Rafiq Hariri, em fevereiro de 2005, e que também deixou outros 21 mortos. A sessão estava marcada para a última sexta-feira, 7, mas foi adiada para o dia 18 de agosto em respeito às vítimas da explosão no porto. Quatro homens ligados ao movimento xiita Hezbollah são réus no caso analisado pelo Tribunal Especial para o Líbano, criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para julgar os responsáveis pelo atentado que matou Hariri e localizado em Haia, na Holanda. Dois dos homens são acusados de convidar a imprensa logo após o atentado, a fim de despistar a investigação sobre os verdadeiros criminosos. Os outros dois homens teriam coordenado e controlado todo o ataque.

O Hezbollah negou qualquer relação com a megaexplosão do dia 4 de agosto. “Negamos completa e categoricamente que o Hezbollah tenha qualquer coisa a ver com o porto. Sem armazém de armas, sem mísseis, sem rifles, sem bombas, sem nitrato de amônio”, disse Hassan Nasrallah, líder do movimento. Nasrallah fez um pronunciamento transmitido pela televisão após jornalistas árabes vincularem o grupo pró-iraniano à substância contida no armazém que explodiu.

A pandemia e o incidente 

Até a tarde desta quarta-feira, 12, o Líbano registrou um total 7.121 casos confirmados do novo coronavírus e 87 mortes, além de 2.377 pacientes recuperados. De acordo com informações divulgadas pela emissora Al Jazeera, o ministro da Saúde libanês, Hamad Hassan, disse que o país bateu recorde de casos e mortes, com sete óbitos e 309 novas ocorrências nas últimas 24 horas. Na última quinta-feira, 6, Hassan afirmou que o governo temia um agravamento da pandemia após a explosão por causa da necessidade de priorizar o atendimento aos 6.000 feridos após a explosão.

A ajuda do Brasil ao Líbano

No último domingo, o presidente da República, Jair Bolsonaro, anunciou ajuda humanitária ao Líbano. O comunicado foi feito durante videoconferência com outros chefes de Estado organizada pelo presidente da França, Emmanuel Macron, e apoiada pela ONU. Bolsonaro convidou o ex-presidente Michel Temer, filho de libaneses, para chefiar a missão. Nesta quarta-feira, 12, a aeronave da Força Aérea Brasileira (FAB) partiu em direção ao país carregada com medicamentos, equipamentos de saúde e alimentos doados pelo governo federal e pela comunidade libanesa no Brasil.

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