Derrota de candidato de Maduro em ‘feudo’ de Chávez anima oposição na Venezuela

Para especialistas, derrota de Jorge Arreaza, ex-vice do país, mostra que vias democráticas ainda podem ser resposta contra autoritarismo do governo venezuelano

  • Por Lorena Barros
  • 15/01/2022 10h00
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Federico PARRA / AFP sergio garrido Sergio Garrido, candidato da oposição venezuelana, foi eleito no estado de Barinas

O estado de Barinas, berço de Hugo Chávez e antro do Partido Socialista Unido da Venezuela, elegeu na última semana o seu primeiro governador fora do eixo chavista desde 1998. Sergio Garrido, que conquistou 55,3% dos votos, derrubou o adversário Jorge Arreaza, um dos maiores nomes pró-governo da atualidade, e teve a vitória reconhecida pelos canais oficiais do país latino. A trajetória ascendente da oposição ainda é tímida e por enquanto nos municípios, cerca de 100 prefeituras foram “perdidas” para a oposição, e somente quatro dos 23 Estados do país terão governadores que não são ligados a Nicolás Maduro. Para especialistas, a vitória de Garrido sinaliza um estremecimento de Nicolás Maduro, mas tem um papel ainda mais importante: mostrar que as vias democráticas ainda são uma forma possível de derrubar a política autoritária que manda no país.

Democracia nebulosa e intimidações marcaram pleito

Para a professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Regiane Bressan, é difícil encarar a democracia na Venezuela como uma situação de “preto no branco” e taxar o país, que ainda sedia eleições, como uma ditadura sem levantar outros questionamentos. “Prefiro dizer que a Venezuela tem rompido com a democracia, rompido constantemente com o legado democrático, com as regras democráticas, com as normas democráticas, com as instituições democráticas, mas ela não deixa de ser totalmente um estado com certa democracia a partir do momento em que ainda existe eleição, por exemplo. Temos várias nuances, porque nenhum estado de fato, sobretudo na América Latina, vivencia a democracia plena”, analisa. A docente explica que em muitos países, inclusive no Brasil, é possível notar chefes de Estado tentando e conseguindo alterar a Constituição para garantir mais um mandato.

O professor adjunto de Política Internacional da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) Paulo Velasco, lembrou que as últimas eleições foram monitoradas por entidades internacionais e, aos olhos dos mediadores, pareceram ser mais tranquilas do que as anteriores. Ainda assim, um caminho tortuoso foi traçado até que a vitória fosse reconhecida. Primeiro, o Supremo Tribunal de Justiça cancelou a vitória de Freddy Superlano, outro candidato opositor que já tinha ganhado nas urnas o governo de Barinas em novembro, alegando que ele tinha sido “previamente desqualificado”. Com uma nova eleição marcada para janeiro, intimidações pouco sutis do governo de Maduro marcaram presença no distrito. “Há relato do deslocamento de forças militares para o estado, com cerca de 25 mil oficiais na região e da distribuição de benefícios para aqueles que se comprometessem a votar no candidato do governo. A vitória da oposição em Barinas é muito simbólica, mas não é suficiente para dizermos que ela é uma retomada das franquias democráticas na Venezuela”, explica o docente.

Para ele, tanto o governo de Maduro, que age na base da intimidação para tentar moldar resultados a seu favor, quanto a oposição guiada pelo autoproclamado presidente Juan Guaidó, que se recusa a aparecer nas urnas, contribuem para a instabilidade democrática do país. Os dois professores concordam que a vitória diante de adversidades do tipo comprovam que a oposição pregada pelo candidato Henrique Capriles, que segue uma linha diferente da de Guaidó, é um meio viável. “Ele [Capriles] é um nome muito forte na oposição, participou de eleições presidenciais em 2012 contra o Chávez, em 2013 contra Maduro. Ele foi a voz da oposição que garantiu a participação dos opositores nas eleições de novembro, porque se dependesse de Juan Guaidó, a oposição não teria participado. Nos últimos anos, o boicote tem sido a marca da oposição, muito por força do Guaidó, que tenta deslegitimar qualquer pleito e busca outros atalhos e caminhos, o que não ajuda na democracia do país”, analisa Velasco, sinalizando que o “golpismo” não é a melhor forma de garantir a legitimidade de um governo. “A partir do momento em que a oposição ganha nesse estado, ela mostra que pela democracia é possível que a oposição vença, e isso abre um precedente enorme para a gente pensar em uma troca de governo, em uma alternância de poder, que é muito importante para oxigenação da própria democracia”, reforça Bressan.

O peso do nome derrotado nas urnas também é apontado como sinal de enfraquecimento do chavismo no Estado. Arreaza, que já foi vice-presidente da Venezuela e chanceler do país, também tinha laços pessoais com Chávez, já que foi genro do ex-presidente bolivariano. A incerteza que paira no país é qual vai ser a força que Sergio Garrido terá para governar Barinas diante de uma Venezuela afundada na pobreza. “Se houve essas manobras todas para tentar garantir a vitória no estado de Barinas, certamente o governo do Garrido sofrerá oposições pesadas e boicotes de todo tipo. Barinas é um Estado agropecuário, é um Estado que depende menos da renda do petróleo, por exemplo, mas é um Estado que tem uma fragilidade econômica, de um modo geral, e depende de recursos centrais, então a vida do Garrido não será fácil, podemos ter certeza”, afirma Velasco. “Acho que há um simbolismo muito forte do enfraquecimento do chavismo, algo que mostra também uma certa exaustão da sociedade venezuelana com o governo que aí está, mas demonstra-se sobretudo que o caminho não é a abstenção, não é o boicote, é a participação nas eleições”, pontua.

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