Eleições na Venezuela devem deixar Parlamento sob o controle de Maduro

A oposição e a comunidade internacional estão acusando o sucessor de Hugo Chávez de orquestrar o resultado da votação para tirar seus opositores da Assembleia Nacional

  • Por Bárbara Ligero
  • 06/12/2020 08h00
EFE/ PRENSA MIRAFLORES Sob o governo de Nicolás Maduro, a Venezuela tem vivido alta na inflação, escassez de produtos e dolarização da economia

Neste domingo, 6, o povo da Venezuela irá às urnas para escolher os 277 deputados que deverão compor a Assembleia Nacional a partir de janeiro de 2021. Nicolás Maduro aguarda ansiosamente essas eleições desde 2015, quando o último pleito fez com que os seus opositores conseguissem conquistar a maioria dos assentos do Parlamento. Na ocasião, o presidente aceitou a sua derrota, mas desta vez ele espera – e deve conseguir – reconquistar o seu poder no Legislativo. Com base em argumentos consistentes, a oposição e a comunidade internacional estão acusando o sucessor de Hugo Chávez de orquestrar o resultado da votação. Isso porque, ao longo dos últimos meses, o Tribunal Supremo de Justiça fez “ajustes” em vários partidos de oposição, que foram entregues a diretores mais favoráveis ao governo do atual presidente. A isso soma-se a compra de novas máquinas eleitorais, cuja licitação e auditoria são um mistério, e a ausência de variedade de observadores internacionais no pleito, que será acompanhado apenas por agentes russos. Na visão do especialista em relações internacionais Marcus Vinicius de Freitas, as ações de Nicolás Maduro estão causando uma “grave inexistência da viabilidade de uma oposição”.

Apesar do governo de Maduro ser uma continuação do de Hugo Chávez, que permaneceu no poder de 1999 até a sua morte em 2013, a situação venezuelana não poderia ser mais diferente em cada mandato. Nos 14 anos em que foi presidente, Chávez se beneficiou da valorização internacional do preço do petróleo, o que lhe dava uma maior capacidade de distribuição de renda. Consequentemente, a população tinha a sensação de que o país caminhava bem e que as reformas sociais estavam tendo um impacto positivo em suas vidas. No entanto, a situação já estava se transformando completamente quando Maduro ascendeu à presidência. A queda no preço do petróleo, juntamente com as novas sanções impostas pelos Estados Unidos, levaram o país a um cenário de inflação altíssima e falta de recursos. Quem mais sofre com as consequências disso é a população: atualmente, o salário mínimo é de 800 mil bolívares, valor que compra apenas um quilo de arroz ou um pacote de macarrão. Também foi noticiado recentemente que, devido à crise vivida pela empresa estatal de petróleo PDVSA, os venezuelanos começaram a roubar o produto para refiná-lo e transformá-lo em gasolina de forma artesanal. Como o objetivo de Donald Trump com os embargos era “restabelecer a democracia” no país, pode-se dizer que a medida não surtiu o efeito esperado, já que Maduro deve continuar no poder. O professor de relações internacionais Marcus Vinicius Freitas esclarece que “as sanções, historicamente, funcionam se forem aplicadas de maneira cirúrgica e a curto prazo”. Com o embargo mais longo, a Venezuela pode seguir o exemplo de Cuba, cuja família Castro sobreviveu a décadas de sanções dos Estados Unidos. O especialista alerta, ainda, que o fato das restrições levarem à dolarização da economia pode fazer com que o país se torne mais propício à passagem de recursos do narcotráfico.

No entanto, para Marcus Vinicius Freitas a relação entre Estados Unidos e Venezuela dificilmente mudará com a chegada de Joe Biden à Casa Branca. O especialista justifica que, nos últimos anos, a potência norte-americana tem optado por uma postura não intervencionista nos países estrangeiros, independentemente do seu mandatário ser um democrata ou um republicano. A falta de um interesse econômico na Venezuela faz com que uma intervenção dos Estados Unidos se torne ainda menos provável. Enquanto isso, o país sul-americano tem ao seu lado a Rússia, sua grande fornecedora de equipamentos militares. A China, por sua vez, se apresenta mais como uma parceira comercial cautelosa, que não demonstra um apoio escancarado ao governo de Nicolás Maduro, mas está preocupada com a segurança dos seus investimentos na indústria petroleira do país. De uma maneira geral, a comunidade internacional deve se limitar a negar o reconhecimento do resultado das eleições desse domingo, 3. De certa forma, a pandemia de coronavírus fez com que os países estrangeiros se concentrassem muito mais em seus problemas internos do que na questão venezuelana. Coincidência ou não, Maduro fez questão de flexibilizar a quarentena no país para que as eleições pudessem acontecer nesse final de semana.

Dessa forma, resta à própria população manifestar o seu descontentamento com as circunstâncias em que o pleito acontecerá. A oposição pede que os eleitores se manifestem através da abstenção de votos, mas Marcus Vinicius de Freitas, que já morou na Venezuela, opina que o povo deve demonstrar uma maior resignação. “Como a pressão externa não veio, o venezuelano começa a ver que a oposição não tem força para derrubar o governo de Nicolás Maduro. Ele entende que não tem para onde correr”, afirma. O especialista argumenta que, assim como em outras culturas latino-americanas, os venezuelanos possuem uma tendência a se conformarem e a se adaptarem para sobreviver em meio ao colapso econômico e, por isso, podem demorar a forçar o governo a fazer mudanças. Para ele, a situação só terá fim através de uma guerra civil ou de uma negociação que envolva anistia, já que os que estão no poder não deixarão os seus cargos sem a garantia de que não serão perseguidos no futuro.

Brasil x Venezuela

Segundo a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), atualmente os venezuelanos representam 90% de toda a população de refugiados no Brasil. Até agosto, o governo brasileiro já tinha reconhecido 46 mil venezuelanos como refugiados, sendo que no mês anterior haviam outras 130 mil solicitações pendentes. O fluxo é tido pela entidade como o maior êxodo da história recente da América Latina e está diretamente ligado com a crise na Venezuela. Assim como muitos outros países do mundo, o Brasil não reconhece Nicolás Maduro como presidente, mas não tem exercido um papel de liderança regional no sentido de fomentar o diálogo interno ou estimular o país vizinho a fazer mudanças para melhorar a sua situação.

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