Entenda por que a Etiópia está prestes a entrar em uma guerra civil
Enquanto o mundo se voltava para a cobertura das eleições norte-americanas, os etíopes iniciaram um grave conflito armado na região de Tigray, no norte do país
Quase exatamente um ano depois de receber o Prêmio Nobel da Paz, o primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, ordenou um ataque a Tigray que pode dar início a uma guerra civil no país. Colocado no poder em 2019, Ahmed foi premiado por estabelecer a paz com a vizinha Eritreia após dois anos de guerra, além de ter implementado mudanças significativas no seu primeiro ano de governo. Entre elas está o fim de medidas repressivas, que eram comuns no governo etíope até então. O descontentamento com o governante só começou em 2020, depois que as eleições previstas para acontecer em agosto foram adiadas por tempo indeterminado sob a alegação de elas representariam um risco para o aumento de casos de coronavírus. A votação serviria para eleger um novo parlamento que, por sua vez, apontaria um novo primeiro-ministro. Entre os partidos que desaprovam a decisão está a Frente de Libertação do Povo Tigré, grupo étnico que compõe a maior parte da população do país e dá nome à região de Tigray ao norte. Descontentes com a prolongação do mandato de Abiy Ahmed, autoridades locais decidiram realizar as suas próprias eleições em setembro, que tiveram a participação de mais de dois milhões de pessoas. O governo federal não reconheceu a votação como legítima e, em retaliação, reteve os financiamentos do partido opositor. A tensão entre as partes aumentou até que, na segunda-feira, 2, o principal líder local, Debretsion Fremeichael, alertou que um conflito sangrento poderia ter início.
Nesta quarta, quando a mídia internacional acompanhava a apuração das eleições nos Estados Unidos, o primeiro-ministro cortou as comunicações da região e afirmou que os tigrés tinham atacado uma base militar, motivo pelo qual ele teria enviado tropas de todo o país para atacar o local. Tigray, por sua vez, afirma que essas acusações são falsas e que foi o governo federal quem começou a briga, mas que os tigrés estavam prontos para se tornarem mártires. Por ficar muito próxima da Eritreia, a região tem experiência em conflitos e conta com cerca de 250 mil soldados, conforme estima o International Crisis Group. Além disso, a Etiópia é considerada uma das nações mais bem armadas da África. Nesta sexta, a situação se agravou com o anúncio de que Abiy Ahmed havia ordenado ataques aéreos. Apesar dos números ainda serem incertos por causa da falta de comunicação com Tigray, mortes foram reportadas dos dois lados do campo de batalha. Como a Frente de Libertação do Povo Tigré afirmou que não tem interesse em negociar com o governo, a principal preocupação no momento é que o conflito se espalhe pelo país, visto que outras regiões tem pedido por mais autonomia nos últimos tempos. Casa de 80 grupos étnicos diferentes e a segunda maior população do continente, a Etiópia também tem visto a violência entre grupos crescer, o que levou o governo a restaurar algumas medidas repressivas que Abiy Ahmed foi premiado por ter deixado de lado.
Assim como muitos outros países da África, a Etiópia possui uma democracia frágil e recente. Ainda que se diferencie dos demais por ter sido continuadamente independente ao longo do tempo, sua democracia só se consolidou mesmo em 1995. Além disso, o país ainda sofre com a fome, apesar de ter 90% do PIB composto pela agricultura e ser uma das economias que mais crescem em todo continente, segundo o Fundo Monetário Internacional. O país superou a crise dos anos 1980 que levou milhões à morte, mas metade da sua população ainda tem subnutrição crônica. Uma guerra civil etíope também pode reverberar pelo continente, visto que o país é sede de várias organizações internacionais voltadas para a África, como é o caso da União Africana e da Comissão Econômica das Nações Unidas para a África.
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