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Israel pode virar vilão na guerra contra o Hamas se não agir de forma cirúrgica

Apoiadores dos movimentos Fatah e Hamas marcham em solidariedade a Gaza após as orações semanais muçulmanas das sextas-feiras na cidade de Hebron, na Cisjordânia ocupada

Em guerra há mais de uma semana, após ter sido atacado no dia 7 de outubro pelo grupo terrorista Hamas, Israel tem adotado estratégias de combate que podem fazer com que o país saia como o vilão da história, mesmo tendo, neste caso, sido a vítima. Durante a semana, o governo israelense impôs um cerco total à Faixa de Gaza, impedindo a entrada de comida, luz, água e gás, ou seja, itens básicos na região — são eles que controlam o que entra e sai deste espaço —, criou um gabinete de guerra e ameaça colocar em prática uma ofensiva terrestre, que preocupa a comunidade internacional, uma vez que pode ocasionar um verdadeiro banho de sangue, caso os moradores de Gaza não sejam retirados. A crise humanitária já é uma realidade no enclave, e o número de refugiados internos se aproxima de 500 mil.

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Durante seus ataques à Faixa de Gaza, os bombardeios israelenses já deixaram mais de 1.500 mortos e destruiu escolas utilizadas como abrigo pela ONU (Organização das Nações Unidas), deixando vários funcionários da organização mortos. Especialistas ouvidos pelo site da Jovem Pan alertam que situações como essa não são boas para a imagem de Israel que, na guerra de narrativas, sempre perde para o Hamas. Historicamente, na maior parte das vezes em que o Estado judeu ataca Gaza (mesmo em forma de retaliação) ou interrompe um ataque, deixa dezenas de civis mortos. Esse acontecimento fortalece o discurso de que o vilão é Israel, de que os “monstros” são eles, não o Hamas.

Karina Calandrin, colaboradora do Instituto Brasil-Israel e doutora em relações internacionais, com foco em Oriente Médio, diz que essa reversão já começou. “A notícia de que um dos contra-ataques israelenses atingiu o prédio da ONU e que houve morte de funcionário já começa a levantar o questionamento da ação de Israel e começa a levar a uma visão negativa”, diz. Isso faz com que o país perca a luta contra o Hamas e que este conflito seja entendido como uma luta anticolonial. “Mesmo Israel tendo sido atacado — e termos visto os atos brutais que foram cometidos pelo Hamas nesses últimos dias —, pessoas defendem a ação como uma luta anticolonial.” A especialista enfatiza que o principal objetivo do Hamas neste momento — e com este ataque, o mais bem elaborado de sua história — é exatamente esse, o contra-ataque israelense. Dessa forma, o grupo consegue ganhar o debate da narrativa internacional.

Uma bola de fogo irrompe de um ataque aéreo israelense na cidade de Gaza │MAHMUD HAMS / AFP

“Eles sabem que não conseguem ganhar na guerra militar, que Israel tem muito mais poder militar. Então, se prepararam, fizeram um ataque muito grande, pensando em uma retaliação israelense à altura: dura e muito forte”, explica Calandrin, pontuando que, com isso, o Hamas passa a se utilizar desta ação para manchar a imagem de Israel. Vitélio Brustolin, professor de Relações Internacionais da UFF e pesquisador de Harvard, analisa que o Hamas planejou esse ataque durante meses, o que fez com que conseguisse reunir toda a quantidade de foguetes que possuem no momento para além de atacar o território israelense. Também está pronto para as possíveis respostas do governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. “O que o Hamas quer com essa resposta? Ele quer exatamente o que está acontecendo agora, que as pessoas questionem, que a resposta é desproporcional”, diz, acrescentando que o grupo não quer negociar a paz, porque eles não reconhecem a existência do Estado de Israel.

“Hamas quer gerar essa polarização e atrair apoiadores de outras organizações que também não queiram a existência de Israel. Portanto, a resposta de Israel precisa ser cirúrgica”, destaca Brustolin. Para ele, o ideal é que se retire o máximo possível de civis daquela região, que se negocie a retirar dos reféns, para que depois disso as forças israelenses atuem cirurgicamente contra as lideranças do Hamas. “Muita gente que está ali na faixa de Gaza, crianças, mulheres, idosos, até jovens em geral, não têm nenhum envolvimento direto com o Hamas”, destaca o professor. O especialista lembra que a estratégia de Israel foi repensada ou adiada porque, desde o começo da semana, Netanyahu fala em impor uma ofensiva terrestre, o que ainda não aconteceu.

“Os Estados Unidos têm estado em contato direto com Israel, o que pode significar que houve um ajuste nessa estratégia e que antes de uma incursão terrestre, se é que ela realmente será feita, deve haver uma negociação para tentar gerar o mínimo possível de efeitos colaterais. Porque essa pausa seria uma forma de não atender à estratégia do Hamas, e por mais que a população israelense clame por ato de justiça, é preciso poupar o máximo de vidas inocente, para que a justiça seja feita de forma inteligente. Caso contrário, o grupo terrorista acaba conseguindo agregar justamente o que ele quer: aumentar a divisão, o ódio no contexto dessa guerra”, finaliza Burstolin.

Christopher Mendonça, cientista politico e professor de relações internacional do Ibmec Belo Horizonte, complementa a fala do pesquisador de Harvard lembrando que ter uma ação cirurgia é importante, até porque, assim como apontado por um jornal israelense, o premiê Netanyahu tem sua parcela de culpa neste ataque radicalização do Hamas. “Nesses últimos tempos, quando estava no cargo e primeiro-ministro, os ataques feitos contra a faixa de Gaza foram intensificados, e isso criou um ambiente adequado para que o Hamas se tornasse ainda mais efusivo, ainda mais forte na questão de lutar contra Israel”, aponta o professor. Ele também recorda que Netanyahu foi uma pessoa que teve ampla carreira no setor militar.

Riscos da ofensiva terrestre

Casa destruída após um ataque aéreo israelense no campo de refugiados ocidental de Shati, oeste da Faixa de Gaza │HAITHAM IMAD/EFE/EPA

No terceiro dia da guerra no Oriente Médio, Israel prometeu lançar uma ofensiva terrestre com objetivo de “mudar a realidade em Gaza para evitar que aconteça de novo, dure o tempo que durar”, disse o general Dan Goldfus, da 98ª Divisão da Infantaria do Exército israelense, acrescentando que o enclave “nunca mais seria o mesmo”. Esse comunicado gerou tensão na comunidade internacional devido aos riscos que pode causar. Segundo os especialistas, o problema desse método de ação de Israel é o banho de sangue que pode deixar, o que deixaram a imagem do país ainda mais manchado e o Hamas mais próximo do seu objetivo. “Uma incursão terrestre, nessa situação, tem que ser coberta por bombas de fumaça, por conta dos civis, porque se fosse um ambiente sem reféns ou civis, poderia ser feita uma cobertura aérea com bombardeio para abrir caminho para a infantaria”, explica Brustolin. Karina Calandrin lembra que, historicamente, “toda vez que Israel invadiu Gaza por via terrestre, o número de mortos civis palestinos sempre foi muito alto”.

Esse saldo faz com que acenda essa alerta e faz as pessoas se questionarem. “Essa invasão terrestre pode levar a um número muito grande de mortes de palestinos civis. Então, já gera essa preocupação, não só, obviamente, pelo que isso vai ocasionar, na imagem de Israel, como também a morte de palestinos civis, que muitos não têm ligação com o Hamas e sofrem, inclusive, sob o governo do Hamas, que é um governo autoritário ditatorial”, finaliza a professora. O número de mortos em Gaza e Israel subiu para mais de 2.800. Em Israel, chegou agora a 1.300, segundo fontes médicas citadas pela imprensa local, enquanto o total de mortes causadas pelos bombardeios israelenses na Faixa de Gaza é de 1.537, de acordo com dados do Ministério da Saúde de Gaza, acrescentando 500 crianças e 276 mulheres.

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