Brexit, Trump, Greta Thunberg: os principais acontecimentos de 2019

  • Por Camila Corsini
  • 29/12/2019 07h00
montagem mundo retrospectiva A ativista Greta, a novela do Brexit e o possível impeachment do presidente Donald Trump foram alguns dos assuntos mais falados pelo mundo

O ano de 2019 foi marcado por diversos acontecimentos políticos conturbados — e não só no Brasil e na América Latina. No Reino Unido, por exemplo, a novela do Brexit se estendeu e ainda deve ser prolongada até o início de 2020. Já nos Estados Unidos, a possibilidade de impeachment do presidente Donald Trump pode mudar totalmente o rumo das próximas eleições. E as declarações da jovem ativista Greta Thunberg, que confrontou líderes mundiais sobre as questões climáticas, dominaram as manchetes.

A Jovem Pan elencou esses e outros assuntos que movimentaram a política mundial e conversou com o professor de direito internacional da FMU Manuel Furriela para ter uma ideia do que deve acontecer em um futuro próximo. Confira:

Brexit

Brexit, Reino Unido, União Europeia

Se no início do ano a previsão dos britânicos era de que o Reino Unido estaria separado da União Europeia em 29 de março (mesmo com as resistências ao acordo proposto por Theresa May em 2018), 2019 trouxe muitas reviravoltas e ainda mais incertezas para os arredores de Westminster.

Em janeiro, o acordo de separação amigável proposto pela então premiê foi rejeitado pela primeira vez. Ao longo do primeiro semestre, outras três tentativas de alinhar os interesses britânicos com os do bloco econômico falharam. Apesar de todas as articulações governistas, o Parlamento foi resistente e não aprovou o Brexit. Diante da pressão, May optou pelo adiamento da separação para o dia 31 de outubro. 

Os trabalhistas, principais opositores aos conservadores, apoiaram a votação de um novo referendo — que, apesar da pressão popular, acabou não acontecendo. Em vez disso, May não resistiu às pressões e acabou renunciando ao cargo. Boris Johnson se destacou e acabou levando o pleito, assumindo o cargo em 24 de julho. Johnson defendeu o Brexit “a qualquer custo” durante todo o mandato. Isso incluiu até o que a oposição chamou de “golpe constitucional”, a decisão de suspender o Parlamento como estratégia política. 

A menos de um mês da data final, 31 de outubro, Boris Johnson propôs um acordo ao bloco econômico. Mas, assim como as tentativas de Theresa May, ele foi recusado. Após constantes pressões, o primeiro-ministro adiou novamente o Brexit, agora para o dia 31 de janeiro, e convocou novas eleições para o dia 12 de dezembro.

Ele mesmo venceu as eleições com uma esmagadora porcentagem — o que lhe rendeu a maioria no Parlamento. Na sexta-feira (20), a Câmara dos Comuns aprovou por 358 votos a 234 o texto de acordo elaborado pelo primeiro-ministro. Em recesso, os trâmites de desfiliação do Reino Unido da União Europeia nas duas casas continuará em janeiro.

Para o professor de direito internacional da FMU Manuel Furriela, com isso, a novela do Brexit finalmente deve chegar ao fim. Porém, as preocupações agora se viram para as consequências da separação. “A saída tem sido consolidada, apesar dos grandes problemas, mas as consequências dela serão um desafio em um futuro próximo.”

De acordo com ele, a tendência é que os países pertencentes à União Europeia manifestem movimentos internos separatistas, como os bascos na Espanha. “Isso já esta sendo desenhado dentro do próprio Reino Unido, como a questão dos escoceses, que já têm se colocado em uma posição de tentar sair do Reino Unido. Dessa forma, a Escócia seria membro da UE e a Inglaterra não.”

Impeachment de Donald Trump

Quem também não teve um ano tranquilo foi o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. No fim de setembro, a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, abriu um pedido de impeachment contra ele baseado em supostas conversas telefônicas com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky.

Na ocasião, 25 de julho, o líder dos EUA teria pedido, por telefone, para Zelensky investigar o filho de Joe Biden, possível principal rival de Trump na corrida ao pleito que acontece em 2020, Hunter Biden. Ele foi membro do conselho de administração da Burisma, uma empresa de energia ucraniana.

As principais acusações apontam que Trump usou o poder do cargo para pedir interferência estrangeira em investigações de um adversário político, o que pode influenciar no processo e resultado das eleições norte-americanas, além de violar a Constituição.

Além disso, os democratas — principal oposição de Trump — descobriram que o governo norte-americano suspendeu uma ajuda militar de US$ 319 bilhões antes mesmo do telefonema. Depois, o dinheiro foi liberado. As suspeitas são de que o mandatário tenha usado a verba como “moeda de troca”.

Desde então, o Comitê de Inteligência colhe depoimentos privados e realiza audiências públicas a fim de comprovar ou não as irregularidades, todas negadas pelo presidente. Gordon Sondland, ex-embaixador dos EUA no Reino Unido, testemunha-chave da acusação, mudou o seu depoimento corroborando a tese de que a Casa Branca realmente pressionou a Ucrânia para benefícios próprios.

No dia 18 de dezembro, o processo de impeachment foi aprovado na Câmara com 230 votos a favor e 197 contrários. Se as acusações forem comprovadas e o processo for aprovado também no Senado, Trump será o terceiro presidente norte-americano impichado na história republicana e democrática dos EUA.

De acordo com Furriela, no entanto, o processo não deve avançar muito mais. “As questões ainda não estão tão claras, depende de uma apuração mais profunda e não há tempo hábil para isso, porque eles terão eleições em breve. De qualquer forma, também por conta da maioria dos republicanos no Senado, provavelmente essa questão não deve prosseguir.”

O professor de direito internacional lembra que, mesmo assim, os processos de impeachment trazem um enorme desgaste eleitoral. “Aconteceu com Bill Clinton, que não conseguiu eleger Al Gore diante de George W. Bush. Esse processo, no minimo, vai trazer grande desgaste — o que pode talvez comprometer a reeleição de Trump.”

Imigrantes

No assunto é imigração, as políticas impostas pelos Estados Unidos deram o que falar em 2019. Em julho, o presidente Donald Trump deu início a uma operação contra imigrantes ilegais que previu deportar cerca de duas mil pessoas.

Um pouco mais distante dali, diariamente, dezenas de estrangeiros tentam fugir de crises e atravessar o Mar Mediterrâneo rumo a Europa. Em uma dessas travessias foi configurada a pior tragédia do ano na região: quando pelo menos 105 imigrantes ficaram desaparecidos após naufrágio na Líbia.

Já em outubro, na travessia das fronteiras por terra, um caminhão frigorífico foi encontrado com 39 corpos no Waterglade Industrial Park, na cidade de Grays, no condado de Essex, localizado ao leste de Londres, na Inglaterra. Investigações confirmaram que os 38 adultos e um adolescente eram vietnamitas.

Pouco menos de um mês depois, outro caminhão frigorífico foi encontrado na Grécia, dessa vez com 41 imigrantes escondidos. De origem afegã, a maioria era de homens de 20 e 30 anos — embora um pequeno grupo de menores de idade também estivesse no veículo, que havia cruzado a fronteira com a Turquia.

Greta Thunberg

A ativista sueca foi um dos principais assuntos do ano em diversos momentos. Com apenas 16 anos, ela ficou conhecida por iniciar ainda em 2018 uma onda de protestos de estudantes em prol do meio ambiente.

Em setembro deste ano, Greta Thunberg apelou para que Donald Trump “acreditasse nos cientistas” e completou dizendo que não será ela, entre todas as pessoas, que o fará mudar de ideia. Ele a chamou de “histérica”. Em outra ocasião, na Cúpula de Ação Climática da ONU, a ativista gritou que roubaram seus sonhos e a sua infância com “palavras vazias”. As declarações a tornaram mundialmente conhecida e dividiram o mundo entre críticos e apoiadores.

Já em dezembro, o presidente Jair Bolsonaro chegou a chamá-la de pirralha após ela opinar sobre a morte de índios da etnia Guajajara, no Maranhão.

A popularidade rendeu a Greta a possibilidade de levar o Nobel da Paz de 2019. Apesar de não ter ganhado o título, ela foi considerada a personalidade do ano pela revista Time. Sua vida também deve virar documentário nos próximos meses.

Eleições recorrentes na Espanha 

Protestos Catalunha

Segundo Manuel Furriela, pode-se dizer que a situação de instabilidade na Espanha já é reflexo do Brexit — que estaria estimulando movimentos separatistas.

A Espanha enfrentou em 2019 sua terceira e quarta eleição em apenas 4 anos. Além da tradicional divisão da esquerda e direita, comum em praticamente todas as nações, ela enfrenta movimentos separatistas dentro do próprio território, como os bascos e os catalães. Esses movimentos se distanciam cada vez mais do bipartidarismo — latente desde a Guerra Civil — e acabam promovendo “fraturas internas”.

Pedro Sánchez, que governava o país nesta mesma época do ano passado após ganhar uma monção de censura contra Mariano Rajoy e tomar seu posto, quase não tinha apoio, e as coisas se agravaram quando sua proposta de orçamento não teve apoio do Congresso. Sem dinheiro e sem apoio não se governa.

Obrigado a convocar novas eleições, os espanhóis foram às urnas pela primeira vez neste ano em abril. Porém, o resultado do pleito configurou novamente a vitória do PSOE, partido do qual Sánchez era secretário-geral, e isso manteve uma divisão no Parlamento.

Após seis meses de tentativa, conquistar a maioria ainda era um desafio. Isso fez com que as quartas eleições (segundas de 2019) fossem convocadas. Mais uma vez, o Partido Socialista Obrero Español foi o vencedor, agora com 120 deputados. Ainda assim, toda essa divisão que se perpetua tende a deixar a Espanha ainda ingovernável.

O caos político é encarado como consequência da grande recessão econômica enfrentada pela região em 2008 e da fragmentação partidária que surgiu no país, gerando uma maior divisão do Parlamento e, consequentemente, dificultando a formação de maiorias políticas.

Furriela chama essas cicatrizes de “problemas de manutenção” que são enfrentados até os dias atuais. “A União Europeia foi criada no final dos anos 50 e se tornou um grande objeto comum das grandes potencias – como a França, Alemanha, Espanha e Inglaterra. A partir do momento que esse objeto perde o sentido, é natural que movimentos surjam e desafiem os governos centrais”, explica.

Eleições em Israel

Já em Israel, são os conflitos internos, de disputa de território, que movimentam as urnas. Ainda sem perspectivas de acordo com a Palestina, principalmente após a vitória de Donald Trump, foi o impasse com a Cisjordânia que ocasionou três eleições em apenas em um ano. O próximo pleito deve ser definido em março de 2020.

Uma questão, nesse momento, é a falta de confiança entre Benjamin Netanyahu e Benny Gantz. Envolvido em pelo menos três casos de corrupção, o atual primeiro-ministro é visto como um político radical. De acordo com o professor, “Netanyahu defende uma posição mais à direita e radical de que, se não tem acordo, não precisa discutir desocupação de território. Outros políticos dentro do país tem um posicionamento mais moderado, no sentido de que essa radicalização pode favorecer ataques terroristas e uma perda de crédito internacional”.

O atual primeiro-ministro está à frente do Governo de Israel há 13 anos e é o primeiro chefe do Poder Executivo a se envolver em casos de corrupção. Recentemente, ele alegou estar sendo algo de uma “caça às bruxas” por parte do Ministério Público.

Guerra Comercial entre EUA x China

A partir do momento em que a China começou a se desenvolver economicamente, ela se tornou o maior país exportador de produtos manufaturados do mundo. Esse fornecimento sempre foi muito forte, principalmente para os Estados Unidos.

Porém, a balança comercial sempre foi muito favorável à China, já que o país asiático vende muito mais para os EUA do que compra do parceiro. Isso nunca foi um problema muito grande durante antigos governos, mas, após a vitória de Donald Trump nas últimas eleições, o debate sobre o descompasso veio à tona. Com um perfil muito mais assertivo, o presidente norte-americano até buscou uma negociação, mas a China se mostrou refratária.

Com isso, os Estados Unidos resolveram endurecer de forma unilateral, ou seja, não levando para a Organização Mundial do Comércio, colocando uma sobretaxa na importação de grandes quantidades de produtos chineses. Após essa medida, no entanto, a China recuou e resolveu conversar com o parceiro comercial. A medida foi suspensa depois que o país asiático aceitou ceder em alguns pontos, como em importar mais produtos.

Para Furriela, essa decisão equilibra a questão do descompasso. “Os EUA sinalizaram favoravelmente, então há uma grande chance de construção de um acordo nesse sentido.”

Porém, o especialista afirmou que o Brasil precisa ficar de olho nessa disputa e em seus prováveis desfechos. “Se a China começar a importar certos itens em maior escala dos EUA, provavelmente vai importar menos de outros lugares – como do Brasil. Esse é um ponto de atenção porque podemos perder o mercado da soja, por exemplo.”

O mundo todo está atento à guerra comercial porque, dependendo da radicalidade dos acordos, todos os países podem ser afetados, levando, inclusive, grandes potências a enfrentarem uma recessão global. Entretanto, um consenso entre as negociações pode elevar as bolsas de valores dos quatro cantos do mundo. Essa é uma briga que já dura quase dois e deve se estender, pelo menos, até o início de 2020.

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