Vitória de candidato da centro-esquerda alemã deve piorar relação do país com o Brasil; entenda

Segundo especialistas, eleição de Olaf Scholz pode impactar de forma negativa a forma como alemães veem governo de Jair Bolsonaro e distanciar União Europeia do Mercosul

  • Por Lorena Barros
  • 29/09/2021 18h27
EFE/EPA/FOCKE STRANGMANN e José Dias/PR montagem com foto do candidato Olaf Scholz e do presidente Jair Bolsonaro Eleição de Scholz pode significar piora das relações entre Alemanha e Brasil

A população alemã foi às urnas em uma eleição nacional no último domingo, 26, e deu vantagem ao candidato do Partido Social-Democrata, Olaf Scholz, que teve 0,6% de votos a mais do que Armin Laschet, o representante da União Democrata Cristã, partido da atual chanceler Angela Merkel. A vitória dá prioridade para que Scholz faça coalizões e forme um novo governo, mas ele só será anunciado oficialmente como substituto de Merkel se tiver maioria no Bundestag, o parlamento local. O horizonte vitorioso do candidato que pode se tornar o representante do quarto país mais rico do mundo tem potencial de mudar as relações da Alemanha e da União Europeia com o Brasil. Segundo especialistas, algumas das bandeiras defendidas pelo partido de Olaf podem distanciar ainda mais as duas nações.

O real significado de uma possível eleição de Olaf Scholz deverá ser sentido nos meses seguintes à sua nomeação. Especialistas consultados pela Jovem Pan, porém, não acreditam que um governo com tendências à esquerda vá fazer com que a relação entre Brasil e Alemanha melhore. “Se o governo Social-Democrata for o vencedor, a gente tem uma tendência natural de afastamento do Brasil, primeiro pelo discurso do presidente brasileiro, que é um discuso de direita, conservador, cujas pautas políticas são totalmente distintas das pautas políticas do partido”, explica o professor de Relações Internacionais da ESPM de Porto Alegre, Roberto Uebel. Ele lembra que a eleição da União Democrata-Cristã, bloco de Angela Merkel, que ganhou a segunda maior quantidade de votos, também não representaria grandes acenos aos brasileiros, já que a chanceler sempre foi crítica a Jair Bolsonaro e chegou a ser erroneamente classificada como “esquerdista” por apoiadores do governo brasileiro.

“A manutenção de um governo Democrata-Cristão manteria essa relação pragmática e comercial”, aponta. O professor do curso de Ciências Econômicas da Universidade Anhembi Morumbi, Marcelo Balotti Monteiro, lembra que a coalizão a ser formada pelo novo governante da Alemanha deverá contar com o Partido Verde, terceiro mais votado nas urnas do país, que tem como uma das principais bandeiras a questão ambiental. “Considerando a questão ambiental do Brasil no governo [de Jair Bolsonaro], é muito difícil que as conversas entre Brasil e Alemanha melhorem. No ano de 2019, a Alemanha congelou um fundo de investimentos para a Amazônia, isso deve se manter”, afirma. O fundo ao qual o especialista se refere tem valor de € 35 milhões (equivalente a R$ 220 milhões) e é voltado para projetos de preservação ambiental no país. Ele foi bloqueado em agosto de 2019 com a justificativa de que a Alemanha “tinha dúvidas” sobre o compromisso do Brasil com a redução do desmatamento.

Para Balotti, a apatia das relações entre os dois países deve se estender a todo o bloco sul-americano, pelo menos nos primeiros momentos do novo governo. “Qualquer tipo de negociação do Mercosul com União Europeia não deve avançar de maneira decisiva e com relação ao Brasil, independente da coalizão que se formar, acho que a probabilidade é de que o governo alemão seja menos receptivo ao governo brasileiro”, pontua. Um consenso entre os dois especialistas é de que o tempo levado para formar um novo governo na Alemanha pode fazer com que o eleito, independente de quem seja, aguarde para ver se o presidente Jair Bolsonaro será reeleito ou dará espaço a outro candidato em 2022, já que tradicionalmente o nome de um novo governante é divulgado antes do Natal, mas o período de negociações em torno das coalizões pode levar mais tempo do que isso.

“Se eles demorarem os sete meses que demoraram nas últimas eleições para fazer a coalizão, só terão um governo alemão a partir de março do ano que vem. A gente tem eleições em outubro. Talvez as relações entre Brasil e Alemanha fiquem em ‘banho maria’ à espera de um novo presidente ou da continuação do atual presidente, mas a minha percepção é de que, de maneira geral, a tendência é de se manter pelo menos a mesma relação, uma relação bastante distante, pelo menos de ‘não avanço’”, aponta o docente da Anhembi Morumbi. “Seja qual for o governo formado, não consigo ver uma aproximação com o governo de Jair Bolsonaro. Acho que a expectativa dos alemães está nas eleições do ano que vem aqui no Brasil”, afirma Uebel. Nesta quarta-feira, 29, a líder alemã Angela Merkel parabenizou Olaf pela vitória nominalmente em sua primeira manifestação após o dia das eleições no país. Até o momento, nem o Itamaraty nem o presidente Jair Bolsonaro sinalizaram uma parabenização ao partido. Por outro lado, uma mensagem assinada pelo ex-presidente Lula e pela presidente do Partido dos Trabalhadores, Gleisi Hoffmann, acenou ao social-democrata o congratulando pela vitória e dizendo esperar que a escolha do povo alemão contribua “para um mundo mais equilibrado, multipolar e solidário”. Não há até o momento uma definição de data para que a formação do novo governo seja anunciada.

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