Em quase dois mil dias, Lula vai de presidiário a presidente da República

Preso por 580 dias, presidente empossado foi solto após mudança do STF sobre prisão após condenação em 2ª instância e elegeu-se para inédito terceiro mandato presidencial

  • Por Jovem Pan
  • 01/01/2023 16h59
Reprodução/Twitter/@RafaelFonteles_/Ricardo Stuckert Lula pede voto antes do período permitido no Piauí De maneira inédita em sua trajetória política, Lula foi eleito presidente da República no primeiro turno com XX% dos votos

Um total de 1.730 dias separam o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de sua ruína política, ao se entregar para a Polícia Federal (PF) e passar a viver na carceragem da instituição em Curitiba, em 7 de abril de 2018, condenado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, à cerimônia de posse do cargo de presidente da República Federativa do Brasil em sua terceira vitória nas urnas eletrônicas. Com mais de 60 milhões de votos em sua sexta corrida à presidência, o ex-metalúrgico voltará a ocupar a cadeira de chefe do Executivo federal e enfrentará um país rachado pela frente, já que seu adversário no segundo turno, Jair Bolsonaro (PL), teve expressivos 58 milhões de votos e perdeu por menos de 1% sua tentativa de reeleição. Muitos capítulos com diversos personagens explicam a história desses mais de dois anos e dez meses em que Lula foi de presidiário à Presidente. O ex-juiz Sergio Moro e o ex-procurador Deltan Dallagnol, a Operação Lava Jato, o Supremo Tribunal Federal (STF), o antigo adversário Geraldo Alckmin (PSB) e o recém-derrotado Bolsonaro participam das páginas de uma das maiores reviravoltas políticas na história do país. O site da Jovem Pan elenca nesta reportagens os principais da trajetória que tirou Lula de uma cela da Polícia Federal, em Curitiba, e o levou a um inédito terceiro mandato à frente do Brasil.

Prisão do ex-presidente

Primeiro presidente da história a ser detido após uma condenação criminal, a entrega do ex-sindicalista foi o último momento de uma trajetória jurídica que se estendeu durante meses. Acusado pelo Ministério Público Federal (MPF) de ter recebido R$ 3,7 milhões em propina de maneira dissimulada, através de um apartamento triplex no Guarujá, no litoral Sul de São Paulo, após a construtora OAS assinar contratos com a Petrobrás, Lula depôs a Moro no dia 10 de maio de 2017 como réu e negou que o imóvel fosse seu e possíveis ordens para Leo Pinheiro, ex-presidente da OAS, de ter destruído possíveis provas. “Eu não solicitei, não recebi, não paguei nenhum triplex”, afirmou o então investigado, que também rechaçou a intenção de comprar o bem. Durante quase cinco horas de depoimento, o petista admitiu, porém, que realizou uma visita ao imóvel pois a empreiteira tinha a intenção de vender o triplex a sua família. “O que eu sei é que, no dia que eu fui, houve muitos defeitos mostrados no prédio, defeitos de escada, defeitos de cozinha. (…) Ele [Ministério Público] deve ter pelo menos algum documento que prova o direito jurídico de propriedade para poder dizer que é meu o apartamento”, disse Lula. Em suas declarações finais, também afirmou ser vítima da “maior caçada jurídica que um político brasileiro já teve”.

Quase dois meses depois do encontro entre Lula e Moro, em julho de 2017, a sentença foi dada pelo então juiz da 13ª Vara Criminal de Curitiba: condenação por 9 anos e 6 meses e a argumentação de que havia “provas documentais” contra petista, além dele ter “faltado com a verdade” no depoimento. No documento de 218 páginas, o agora presidente da República é acusado de tentativa de intimidação da Justiça se torna impedido de exercer cargo ou função pública. No dia 6 de abril de 2018, Moro determinou a prisão de Lula. O petista buscou abrigo no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, onde iniciou sua trajetória política, e por lá permaneceu durante dois dias. Cercado por apoiadores que formavam um cinturão impossibilitando a entrada de oficiais, Lula negociou sua rendição por 26 horas e optou por ir de encontro à Polícia Federal às 18h40 do dia 8 de abril de 2018. Antes da entrega, o petista discursou aos milhares de ouvintes no local e declarou que se entregaria para “fazer a transferência de responsabilidade” à Operação Lava Jato. “Quanto mais dias me deixarem lá [na prisão], mais Lulas vão nascer no país”, bradou o político, que passaria os próximos 580 dias em uma cela de cinco por três metros quadrados que continha uma cama de solteiro, uma mesa e um banheiro privativo.

Soltura e recuperação dos direitos políticos

Em novembro de 2019, em uma polêmica sessão do Supremo Tribunal Federal, os ministros alteraram o entendimento da Corte sobre a prisão após condenação em segunda instância que prevalecia desde 2016. Com um placar apertado (6 votos a 5), o STF decidiu que os réus no país poderiam apenas ser presos após o trânsito em julgado no processo, ou seja, quando os recursos se esgotarem. Votaram neste sentido os ministros Marco Aurélio, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli. Com isso, o caminho para a soltura de Lula estava traçado. No dia 8 do mesmo mês, o juiz Danilo Pereira Júnior, da 12ª Vara Federal de Curitiba, determinou a soltura do ex-presidente. Ao deixar a carceragem da PF, Lula criticou o “lado podre da Justiça, do Ministério Público e da Receita Federal” que trabalharam, em suas palavras, para “criminalizar a esquerda, o PT e ele mesmo”. “As portas do Brasil estarão abertas para que eu possa percorrer esse país”, declarou Lula, que ainda encontrava-se inelegível.

Na esteira das mudanças no Supremo Tribunal Federal e com as revelações de que Moro teria atuado de maneira parcial durante o julgamento do ex-presidente Lula, o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF, determinou, em 8 de março de 2021, a anulação de todas as condenações impostas pela Justiça Federal do Paraná. O entendimento do magistrado foi o de que não havia relações entre os desvios realizados na Petrobras – fato determinado e objeto de investigação da Lava Jato – com as irregularidades e possíveis esquemas atribuídos ao petista. Com isso, os processos que já haviam sido julgados em Curitiba passariam a ser analisados pela Justiça Federal do Distrito Federal. A decisão monocrática, que afetava os casos do tríplex do Guarujá e do sítio de Atibaia, foi referendada pelo plenário do tribunal no mês seguinte por 8 votos contra 3 – Fachin, Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Luís Roberto Barroso. A Segunda turma do STF também votou pela parcialidade de Moro como juiz e o entendimento foi referendado pelo plenário da Corte com a concordância de Gilmar Mendes, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Rosa Weber. Com as decisões, o principal líder do Partido dos Trabalhadores retomou os seus direitos políticos e poderia se candidatar a cargos eletivos. Dias após as decisões da Suprema Corte, o petista retornou ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC para realizar um discurso e passou a mirar o governo federal e a gestão Jair Bolsonaro.

Redenção política

Nas eleições de 2018, Lula lançou-se como candidato sem ter a certeza de que seria o nome do Partido dos Trabalhadores para a presidência da República. Com as sucessivas condenações e a perda de seus direitos políticos, seu então vice Fernando Haddad (PT) foi alçado ao posto de sucessor do ex-líder sindicalista. Em uma eleição marcada pela disseminação de notícias falsas, Haddad até chegou ao segundo turno, mas foi derrotado pelo então deputado federal Jair Bolsonaro, que impôs ao PT a primeira derrota em uma eleição presidencial no século 21. Lula, então, buscou uma saída inesperada: convidou o ex-governador Geraldo Alckmin, adversário histórico dos petistas, para ser o vice em sua chapa. Um dos fundadores do PSDB e recém-filiado ao PSB, Alckmin simboliza o movimento feito pelo agora presidente da República na direção do centro, na tentativa de criar uma chamada frente ampla contra Bolsonaro.

Ao longo da campanha, Lula recebeu o apoio da deputada federal eleita Marina Silva (Rede), com que o PT havia rompido, da senadora Simone Tebet (MDB), do ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles (União Brasil), de cinco ex-ministros do STF – Carlos Ayres Britto, Carlos Velloso, Celso de Mello, Joaquim Barbosa e Nelson Jobim – e de economistas conhecidas como “pais do Plano Real”, como Armínio Fraga, Pedro Malan e Pérsio Arida. Neste dia 1º de janeiro, Lula é empossado como presidente da República pela terceira vez e encerra um ciclo de 34 meses em que o petista foi de uma prisão ao Palácio do Planalto.

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