Em depoimento contraditório, reverendo blinda governo e se diz ‘usado de maneira ardilosa’
Integrantes da CPI da Covid-19 se disseram ‘espantados’ com o fácil acesso de Amilton Gomes de Paula à cúpula do Ministério da Saúde; ele admitiu que omitiu informações, mas não recebeu ordem de prisão
Em um depoimento repleto de contradições, o reverendo Amilton Gomes de Paula blindou o governo do presidente Jair Bolsonaro e se disse “usado de maneira ardilosa para fins espúrios”. Na sessão de abertura do segundo trimestre de trabalhos da CPI da Covid-19, o religioso, apontado como intermediador para a compra de 400 milhões de doses de vacinas da AstraZeneca, chorou, admitiu sua culpa e pediu “desculpas ao Brasil”. O depoente também admitiu que omitiu informações aos senadores, mas não recebeu ordem de prisão – ele estava amparado por uma decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, que lhe deu o direito de não ser submetido “a qualquer medida privativa de liberdade ou restritiva de direitos”.
Apesar de afirmar que não tem relação com nenhum integrante do governo federal, o reverendo admitiu que foi o responsável por abrir as portas do Ministério da Saúde ao policial militar de Minas Gerais Luiz Paulo Dominguetti, que se apresentou como representante da Davati Medical Supply e disse ter a condição de entregar 400 milhões de doses da vacina da AstraZeneca. Amilton Gomes de Paula foi autorizado pelo ex-diretor de Imunização da pasta Laurício Cruz a negociar a aquisição dos imunizantes – o servidor foi exonerado após o caso ganhar publicidade. Logo no início da sessão, os senadores pediram que o depoente explicasse como ele conseguiu ser recebido pela cúpula da Saúde de maneira tão célere, especificamente em um intervalo de quatro horas – no dia 22 de fevereiro deste ano, ele enviou um e-mail, por volta das 12h30, solicitando agenda para tratar sobre a venda de vacinas. De acordo com a sua versão, o pedido não foi respondido mas a reunião ocorreu mesmo assim, às 16h30 do mesmo dia.
O fato gerou revolta dos senadores. “Isso daí não cola. Isso não está no script de ministério nenhum. Só se a pessoa tiver livre acesso a hora que quiser, mas o senhor diz que não tem relação”, disse o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM). “É muito furada essa história”, acrescentou. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente do colegiado, também ironizou: “Queria essa eficiência com a Pfizer”. A farmacêutica enviou 81 e-mails ao governo, mas não obteve resposta. A versão do reverendo não convenceu sequer os parlamentares governistas. O senador Marcos Rogério (DEM-RO), aliado do presidente Jair Bolsonaro no Congresso, disse que o depoimento de Gomes de Paula o deixou com “uma dúvida muito cruel”. “Eu não sei se Vossa Senhoria foi enganado, ludibriado, ou se é parte de uma tríade de golpistas, porque eu defendo o governo, mas não defendo qualquer prática que passe perto de algumas suspeita de irregularidade”, afirmou. Rogério também perguntou se o religioso se arrependia. Neste momento, Amilton passou a chorar. “Tenho culpa, sim. Hoje, antes de vir aqui, dobrei os meus joelhos e chorei. Peço desculpas ao Brasil, o que eu cometi não agradou, primeiramente, os olhos de Deus”.
Outro momento tenso do depoimento ocorreu quando o senador Humberto Costa (PT-PE) questionou o reverendo sobre mensagens trocadas entre ele e Dominguetti – elas foram obtidas a partir da perícia feita no celular do cabo da PM. Em uma conversa, ele diz ao policial que havia conversado “com quem manda”. Os membros da comissão acreditam que ele estava se referindo ao presidente Jair Bolsonaro. “Bravata minha”, se limitou a dizer Amilton. Omar Aziz, então, subiu o tom: “O senhor tem a missão de levar a palavra de Deus, como pode dizer que é bravateiro? Se o senhor não mudar seu depoimento, a partir de hoje, isso vai afetar a sua credibilidade junto ao seu rebanho. Quem vai lhe ver agora vai dizer ‘não sei se ele está sendo bravateiro ou não’. Vossa excelência está jogando fora todo o seu trabalho com duas respostas que tiram a sua credibilidade para falar qualquer coisa a partir de hoje”. O presidente da CPI da Covid-19 também afirmou que o depoente está “protegendo alguém”. O entendimento é compartilhado por outros integrantes da comissão.
Diante da inconsistência do depoimento, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) afirmou que não havia “nada de humanitário” no processo, classificado pelo suplente da comissão como “malandragem”. “Não tem nada de humanitário nessa malandragem. Nada. O objetivo era financeiro, escamoteado com o nome de doação. O senhor é um consultor que não tem um projeto apresentando. Um missionário que se apresenta como representante de várias instituições, mas nenhuma reconhece a sua participação. O mais absurdo não é estar aqui para inquirir uma figura como o senhor. O mais absurdo é o governo dar espaço para gente como o senhor, como o Dominguetti e o Cristiano Carvalho [representantes da Davati no Brasil]. Enquanto as pessoas estavam morrendo, vocês estavam atrás de vantagem financeira”, disse. “A oferta é mentirosa, a conversa fiada de apoio humanitário também. Tudo atrás de dinheiro no pior momento da vida do Brasil. Se em algum momento o senhor teve na sua conduta o princípio cristão, já passou da hora do arrependimento. É hora de punição. O documento que o senhor encaminha ao Ministério da saúde é eivado de mentiras, do cabeçalho ao rodapé”, acrescentou.
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