Intolerância política cresce, ameaça democracia e estimula uso de coletes à prova de bala na corrida eleitoral

Em dois anos, houve aumento de 17,4% no número de casos de violência contra políticos; Polícia Federal está preocupada com segurança de presidenciáveis

  • Por Eduardo Morgado
  • 17/07/2022 10h30 - Atualizado em 17/07/2022 10h32
Rahel Patrasso/Reuters - 30/05/2020 Manifestantes são vistos entre gás lacrimogêneo durante um protesto contra o presidente brasileiro Jair Bolsonaro na avenida Paulista Manifestantes se locomovem em meio ao gás lacrimogêneo durante um protesto contra o presidente Jair Bolsonaro na Avenida Paulista

Em meio à escalada do autoritarismo vivida em algumas regiões do mundo, a democracia é um dos regimes políticos que mais perderam força e espaço no cenário global. De maneira gradual e sem que haja uma ruptura, é possível destacar meios para que este sistema perca força. Censura, descredibilização do sistema eleitoral e ataque às instituições são algumas das formas de colocar em xeque a ideologia que prega a participação igualitária e soberana da sociedade civil. Entre as diversas ameaças, destacam-se os crimes de ódio.

O temor é tão grande que a Polícia Federal decidiu antecipar o programa de segurança dos candidatos à Presidência. Os partidos não precisarão esperar até 16 de agosto para pedir proteção policial. Será possível fazê-lo a partir da convenção partidária. Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), os dois favoritos à corrida presidencial, já usam coletes à prova de balas em eventos públicos. O atual presidente, aliás, chega à campanha traumatizado por um atentado que quase lhe tirou a vida há quatro anos. Em 9 de setembro de 2018, em Juiz de Fora, o então postulante ao Palácio do Planalto foi esfaqueado por Adélio Bispo e passou 23 dias internado. Segundo a PF, o autor do ataque agiu isoladamente. Bolsonaro pede que a investigação seja reaberta.

Quem é responsável pela violência política?

Já no último pleito presidencial, no qual o Partido dos Trabalhadores (PT) rivalizou a disputa com o então candidato Jair Bolsonaro — que se sagrou vencedor na disputa —, houve alguns crimes de ódio que abalaram o sistema democrático. Em 14 de março de 2018, a vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco (Psol) foi morta em uma emboscada no centro da capital fluminense. No período em que ocorreu seu assassinato, o Estado do Rio vivia sob intervenção federal na segurança pública. Menos de duas semanas depois, no dia 27, um ônibus da caravana do então pré-candidato Lula foi atingido por tiros na cidade de Quedas do Iguaçu, no Paraná. Mesmo sem feridos, o delegado Hélder Lauria, que capitaneou as investigações, afirmou que o ataque havia sido planejado. Meses depois, Bolsonaro foi esfaqueado na região do abdômen enquanto participava de um evento de campanha na cidade de Juiz de Fora, em Minas Gerais.

No entanto, o cientista político Alberto Carlos Almeida ressalta que o processo de agressividade e violência passou a vigorar no ambiente político a partir da última disputa presidencial. “Importante ressaltar que isso nunca aconteceu quando a disputa era entre PT e PSDB. Eles disputaram em 1994, 1998, 2002, 2006, 2010, 2014. Seis eleições em que ninguém falou em crime de ódio e campanha violenta”, avalia. Segundo o especialista, caso o problema fosse o Partido dos Trabalhadores, esta escalada na violência teria acontecido em pleitos anteriores. “O atual presidente simboliza uma certa agressividade”, afirma Almeida. É o que o advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro enxerga em relação ao comportamento do presidente. Na visão de Kakay, as ações de Jair Bolsonaro podem ser consideradas um tipo de política que fez “desmoronar” o país. “Éramos um Brasil perto do cordial, hoje vivemos em um país dividido e perigoso”, argumentou.

Por outro lado, alguns analistas afirmam que não vêm do Executivo os ataques mais virulentos à democracia. O Judiciário é acusado de “esticar a corda” para provocar cisões e jogar no colo do bolsonarismo o acirramento ali produzido. Um exemplo, segundo Marco Antônio Costa, comentarista do 3 em 1, seria o discurso de Luís Roberto Barroso, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de que as Forças Armadas são usadas para atacar o processo eleitoral. “O TSE tem ministros que fazem discurso político atacando as Forças Armadas, subjugando as Forças Armadas, insinuando que as Forças Armadas participam de algum tipo de projeto maligno para atacar a democracia. A hora que você vê isso em entrevista do ministro aqui no Brasil e palestra no exterior, fica com a pulga atrás da orelha. Para mim, é o efeito contrário. Se o ministro fala isso das Forças Armadas, do presidente da República, qual é a agenda dele? O que ele quer com esse discurso? É o mesmo discurso da esquerda que a grande mídia tem aplaudido: Bolsonaro promove discurso de ódio que leva a atos violentos de seus seguidores, que a qualquer momento podem gritar por aí ‘Bolsonaro mito’ e atirar nas pessoas. A gente está neste nível de delinquência jornalística”, disse Costa, no programa da última quinta-feira, 14.

Barroso não é único membro do Supremo acusado de instigar manifestações contra Bolsonaro. O presidente chamou de “covardia” a atitude do ministro Alexandre de Moraes, que presidirá o TSE durante as eleições, após ser estipulado um prazo de 48 horas para o governo federal se manifestar sobre discurso de ódio. “Esse pedido é um absurdo. Depois que houve esse incidente lamentável contra o tesoureiro do PT, alguém vai lá no Supremo e diz: ‘Está vendo o que aconteceu aqui? Foi porque o presidente fez um gesto há quatro anos’. Tenha dó!”, exclamou o jornalista Miguel Daoud durante sua participação no Jornal Jovem Pan desta sexta-feira, 15.

Autoritarismo civil e político

Na última semana, Marcelo Aloizio de Arruda comemorava seu aniversário de 50 anos com seus familiares em uma festa particular na cidade de Foz do Iguaçu, no Paraná. No local, o evento tinha como tema principal o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Um policial penal federal chamado Jorge José da Rocha Guaranho foi o autor dos disparos que assassinou o petista. No confronto a tiros, o aniversariante também tirou uma arma e disparou contra o opositor. Em suas redes sociais, Guaranho — que encontra-se sob cuidados hospitalares na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) — realizava publicações favoráveis ao atual presidente da República. A esposa de Marcelo, inclusive, afirmou que o atirador gritou palavras de ordem em exaltação a Jair Bolsonaro. A Polícia Civil do Paraná afirmou que irá indiciar o agente de segurança Jorge Guaranho por homicídio qualificado por motivo torpe e perigo comum, mas ressaltou que não se trata de um crime político.

Dados divulgados pelo Centro de Ciências Jurídicas e Políticas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro mostram que, de abril a junho deste ano, houve um aumento de 17,4% no número de violência política em comparação com o mesmo período em 2020, período que antecedeu as eleições municipais. Foram 101 casos de agressões contra líderes políticos. São Paulo é o Estado com maior número de ocorrências, sendo 17 delas no principal reduto do país. Os tipos de violência contabilizados pelo Observatório da Violência Política e Eleitoral da UFRJ envolvem ameaças, agressões físicas, atentados, homicídios e sequestros. Em relação aos partidos que mais tiveram vítimas de agressores, destaca-se o PSD, com 12 casos de violência. Já o PL, partido do presidente Jair Bolsonaro, encontra-se na segunda colocação, com 10 casos envolvendo membros do partido. Principal partido de esquerda, o PT tem sete casos e é a quinta sigla com maior número de vítimas. “Precisamos ter estabilidade, o Brasil chegou a um esgarçamento das instituições”, argumenta Kakay.

Explicação literária

Famoso livro que trata sobre a derrocada do atual regime brasileiro, o exemplar “Como as Democracias Morrem”, de Steven Levitsky, explica que o momento em que os regimes democráticos começam a ruir coincide com o aumento do autoritarismo na política local. “Que tipo de candidato tende a dar positivo no teste do autoritarismo? Com grande frequência, os outsiders populistas”, argumenta. O autor explica a base dos políticos que atuam de acordo com o apelo popular e argumenta que estes “tendem a negar a legitimidade dos partidos estabelecidos, atacando-os como antidemocráticos e mesmo antipatrióticos”, procuram dizer ao eleitor “que o sistema não e uma democracia de verdade”, prometem “devolver o poder ao povo” e “toleram ou encorajam a violência”. Por fim, Steven afirma que os ataques às instituições democráticas são ações frequentes após a vitória eleitoral de políticos populistas.

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