Na CPI da Covid-19, empresário admite financiamento a site negacionista e defende posição antivacina

Em depoimento, Otávio Fakhoury foi questionado sobre disseminação de notícias falsas sobre a pandemia e sua relação com instituto que tentou vender imunizantes ao Ministério da Saúde

  • Por Jovem Pan
  • 30/09/2021 17h03
Leopoldo Silva/Agência Senado Senadores, depoente e advogados de máscara em sessão Mesa da CPI da Covid-19 durante oitiva do empresário Otávio Fakhoury

Em mais um depoimento marcado por tumultos e troca de acusações entre senadores, o empresário Otávio Fakhoury admitiu que financiava o site do Instituto Força Brasil (IFB), conhecido por propagar teses negacionistas e que entrou na mira da CPI da Covid-19 pela tentativa de vender imunizantes ao Ministério da Saúde, e defendeu uma posição antivacina, contrária ao uso de máscaras e a favor de medicamentos do chamado “kit-Covid”. O depoente é investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito dos inquéritos dos atos antidemocráticos e das fake news. Ele chegou ao Senado amparado por um habeas corpus que lhe garantiu o direito ao silêncio, mas respondeu a todos os questionamentos. Fakhoury também é vice-presidente do IFB.

Ao longo da sessão, os senadores exibiram vídeos nos quais Fakhoury ataca a eficácia dos imunizantes, sobretudo a CoronaVac, e prega contra o uso de máscaras. O empresário também aparece na gravação de uma campanha em defesa do chamado “tratamento precoce”, composto por medicamentos comprovadamente ineficazes para o combate à Covid-19. Questionado pelos senadores, ele afirmou que trata-se da sua “opinião”. “As pessoas pegaram o vírus usando a máscara do mesmo jeito. Cada um pode usar o que se sente protegido. Se a pessoa se sente protegida com máscara, pode usar. A minha opinião é que ela não protege”, disse. Fakhoury também afirmou que não se vacinou contra a Covid-19 porque, segundo o seu médico, ele possui “imunidade alta” – argumento semelhante foi apresentado na quarta-feira, 29, pelo empresário Luciano Hang. “Isso não é liberdade, é crime. Liberdade de opinião é eu torcer para o Flamengo, o senador Tasso torcer para o Ceará. Quando a sua opinião compromete a vida de todos, isso não é liberdade não”, rebateu o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP). “A todos os brasileiros: não façam como o senhor Fakhoury. Se vacinem”, acrescentou o senador da Rede. “Estou sendo julgado aqui pelas minhas opiniões”, insistiu o depoente.

Fakhoury também admitiu que financiava o Instituto Força Brasil, do qual ele é vice-presidente. Um documento exibido pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL) aponta que o último aporte feito pelo empresário, aproximadamente no valor de R$ 80 mil, ocorreu em junho deste ano, quando os trabalhos da CPI da Covid-19 já ocorriam. “Eu prometi fazer um aporte para custear o instituto até que ele tivesse operando, com captação e com membros”, disse. Mesmo não tendo nenhuma relação com o setor farmacêutico, o IFB tentou vender vacinas ao Ministério da Saúde por meio da Davati Medical Supply. A empresa se dizia representante da AstraZeneca e prometia entregar 400 milhões de doses do imunizante à pasta. Militar da reserva e presidente do instituto, o coronel Helcio Bruno de Almeida é apontado como o responsável por aproximar Luiz Paulo Dominguetti e Cristiano Carvalho, que se apresentavam como representantes da Davati, do secretário-executivo da Saúde na gestão de Eduardo Pazuello, Elcio Franco Filho.

Os senadores, inclusive, ironizaram o fato de Fakhoury criticar o que chama de “vacinas experimentais”, mas ser vice-presidente de um instituto que tentou intermediar a venda de imunizantes. “O senhor continua no instituto mesmo sabendo que o presidente quis vender vacina que você é contra?”, questionou o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM). “O presidente desse instituto tentou vender vacina. O senhor não se vacinou e disse que sua família não vai se vacinar”, seguiu o parlamentar do Amazonas. O empresário disse que só soube do caso Davati “depois que aconteceu” e que não conhece “nenhuma das pessoas” envolvidas na tentativa de negociação. Ele também ressaltou que o cargo que ocupa no IFB é “figurativo”, não tendo “poderes deliberativos”. A vacina da Pfizer possui registro definitivo na Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora dos Estados Unidos; os imunizantes da AstraZeneca, da Janssen e do Instituto Butantan são aprovados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Durante a sessão, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) enviou aos senadores um parecer ressaltando que todas as vacinas foram devidamente testadas – o texto foi lido por Randolfe.

Ataque homofóbico e ‘respostas contextualizadas’ 

No início da sessão, o senador Fabiano Contarato (Rede-ES) assumiu momentaneamente a presidência da CPI da Covid-19 para denunciar um ataque homofóbico proferido por Fakhoury em seu perfil no Twitter. No dia 12 de maio de 2021, quando o ex-chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom) Fábio Wajngarten depôs à comissão, Contarato foi ao Twitter justificar por que havia pedido a prisão do depoente. “Fábio Wajngarten tem que sair preso da CPI. Há estado flagrancial configurado. Cúmplice de Bolsonaro, ele mentiu e omitiu a verdade sobre a criminosa gestão que tem no Planalto o principal aliado do coronavírus”, escreveu o senador. Por um erro de digitação, a palavra flagrancial foi substituída por “fragrancial”. Fakhoury replicou a postagem com um ataque de cunho homofóbico. “O delegado, homossexual assumido, talvez estivesse pensando no perfume de alguma pessoa ali daquele plenário. Quem seria o ‘perfumado’ que lhe cativou?”, escreveu o empresário.

Emocionado, Contarato fez um duro pronunciamento. “Qual imagem o senhor vai deixar para os seus filhos? O senhor pode ter todo o dinheiro do mundo. Eu tenho uma vida modesta, com muito orgulho. Mas quero que eles [meus filhos e minha família] tenham a certeza de que eu lutei e vou continuar lutando para reduzir a desigualdade. Eu não poderia deixar de me pronunciar. Se o senhor faz isso comigo enquanto senador, imagina em um Brasil que mais mata a população LGBTQIA+. O mínimo que deveria fazer era pedir desculpas, não só a mim, mas a toda a população LGBTQIA+. Assim como Martin Luther King tinha um sonho, eu também tenho um sonho. Sonho com o dia em que eu não vou ser julgado pela minha orientação sexual, com o dia em que meus filhos não serão julgados por serem negros, com o dia em que minha irmã não será julgado por ser mulher e com o dia em que meu pai não será julgado por ser idoso. O senhor é a típica pessoa que retrata o presidente da República, que fala em família tradicional. Mas a minha família não é pior do que a sua. A mesma certidão de casamento que o senhor tem, eu tenho. O senhor fala na pátria, na legalidade, na moralidade, mas é o principal violador desses princípios”, disse Contarato. Fakhoury disse que fez um comentário “infeliz” em tom de “brincadeira”. O empresário pediu desculpas ao parlamentar e “a todos que se sentiram ofendidos”. Posteriormente, Randolfe Rodrigues exibiu um tuíte no qual Fakhoury o chama de “gazela”.

Em algumas das perguntas do senador Renan Calheiros (MDB-AL), Fakhoury pediu para “contextualizar” o assunto antes de responder de maneira objetiva. A postura irritou o senador Omar Aziz. “O senhor já está com ‘raimundagem’ para cima da gente. Responda sim ou não, mas a elegância tem limites aqui. O senhor tem o direito de ficar calado, mas não venha justificar tudo. Não vem com ‘lambe-lambe’, ‘lenga-lenga’. Não tem idiota aqui. Você é negacionista, induziu a morte de brasileiros. Acaba com esse negócio. Não quer responder, não responda, mas não vem choramingar”, disse o presidente da CPI.

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