STF forma maioria e anula indulto de Bolsonaro a Daniel Silveira

Ministros consideraram que benefício concedido representou ‘desvio de finalidade’ para beneficiar um aliado; ex-deputado foi condenado a 8 anos e 9 meses de prisão por ameaça ao Estado Democrático de Direito

  • Por Jovem Pan
  • 04/05/2023 18h03 - Atualizado em 04/05/2023 21h08
EVARISTO SA / AFP Daniel Silveira Em 2022, Daniel Silveira foi condenado pela Corte, no julgamento da Ação Penal (AP) 1044, a oito anos e nove meses de reclusão

O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria nesta quinta-feira, 4, e anulou o decreto de indulto individual concedido em 2022 pelo ex-presidente Jair Bolsonaro ao então deputado federal Daniel Silveira. Os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Dias Toffoli e Cármen Lúcia acompanharam a ministra Rosa Weber, presidente da Casa, e votaram pela inconstitucionalidade do decreto. Já os ministros André Mendonça e Nunes Marques divergiram. Até o momento, o placar está em 6 a 2. O julgamento foi interrompido e será retomado na próxima quarta-feira, 10, com os votos dos ministros Gilmar Mendes e Luiz Fux. A análise do caso teve início na quarta-feira, 3, com o voto inaugural da relatora, ministra Rosa Weber. A magistrada criticou à medida concedida por Bolsonaro ao ex-deputado, afirmando que o decreto de indulto editado pelo ex-presidente estaria “absolutamente desconectado do interesse público para beneficiar aliado político de primeira hora legitimamente condenado por este Supremo Tribunal Federal”.

Como a Jovem Pan mostrou, o plenário do Supremo analisa quatro arguições de descumprimento de preceito fundamental (ADPFs) apresentadas pela Rede Sustentabilidade, pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), pelo Cidadania e pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Em 20 de abril do ano passado, Daniel Silveira foi condenado pela Corte, no julgamento da Ação Penal (AP) 1044, a oito anos e nove meses de reclusão, em regime inicial fechado, por crimes de ameaça ao Estado Democrático de Direito e coação no curso do processo. Porém, no dia seguinte, o então presidente da República concedeu o indulto fundamentando que a sociedade estaria em comoção pela condenação de Silveira que “somente fez uso de sua liberdade de expressão”.

O ministro André Mendonça foi o primeiro a votar após o julgamento ser retomado nesta quinta-feira. Em sua justificativa, o magistrado argumentou que entende, “até pelo contexto daquele momento, que a concessão da graça teve também um efeito de pacificação. Não excluo eventuais finalidades que possamos questionar, mas também não posso excluir razões políticas que, em tese, justificariam e autorizariam à luz do texto constitucional a concessão do indulto”, disse Mendonça. O ministro Nunes Marques acompanhou o voto de Mendonça, argumentando que o Poder Judiciário pode analisar se o decreto atendeu a requisitos legais, mas não pode discutir o mérito. “As alegações de ocorrência de desvio de finalidade, de violação dos princípios da impessoalidade e da moralidade constituem, na verdade, tentativa de exame do mérito do ato de governo de concessão do indulto, o que se demonstra claramente inadmissível à luz da Constituição Federal de 1988, tendo em vista a observância dos limites impostos pelo texto constitucional”.

Já o ministro Alexandre de Moraes, terceiro a votar, acompanhou o voto da relatora. De acordo com o magistrado, houve desvio de finalidade, já que as justificativas para a medida “não correspondem à realidade”. “O Supremo Tribunal Federal nunca disse que o indulto não poderia sofrer uma revisão judicial”, iniciou. “Não é possível indulto cuja finalidade seja atacar outro Poder do Estado, não é possível indulto cuja finalidade seja atentar contra a independência do Poder Judiciário”, afirmou. “O indulto que pretende atentar e insuflar e incentivar a desobediência às decisões do Poder Judiciário é um indulto atentatório a uma cláusula pétrea”, acrescentou.

Na sequência, foram proferidos outros quatro votos que acompanharam Rosa Weber. Para o ministro Edson Fachin, a graça concedida por Bolsonaro a Daniel Silveira foi inconstitucional. O magistrado comentou que o ato é discricionário do presidente e um ato político. No entanto, Fachin ressaltou que existem filtros para avaliar a constitucionalidade do ato, como os princípios da moralidade e impessoalidade. “O indulto há de prestar contas as suas finalidades, de ter corpo de coerência e desbordando disso estamos diante de desobediência da Constituição, que leva à inconstitucionalidade e que leva à nulidade. Estamos diante de um ato inconstitucional e, portanto, nulo”, disse. Já o ministro Luís Roberto Barroso, que também acompanhou a relatora, considerou que o presidente “de forma inusitada, editou decreto de indulto no dia seguinte à decisão condenatória do Supremo Tribunal Federal, deixando claro a afronta que pretendeu fazer ao tribunal”. De acordo com ele, o então presidente “se arvorou na condição de juiz dos juízes”. O ministro Dias Toffoli também votou inconstitucional o indulto de Bolsonaro ao ex-deputado. O magistrado comentou que crimes que atentam contra o Estado Democrático de Direito não são suscetíveis de graça. “Na verdade, aqui, o que está em jogo é o Estado Democrático de Direito”. As considerações da ministra Cármen Lúcia seguiram o da maioria. “Para mim, indulto não é prêmio ao criminoso, não é tolerância, não é complacência com o delito. Mas é um perdão para reconciliação da ordem jurídica, por situação específica”.

Além dos ministros, na sessão da Corte na última quinta-feira, 27, o procurador-geral da República, Augusto Aras, também defendeu o ato de Bolsonaro. Para ele, a motivação para a edição de indultos pelo então presidente da República foi política e não administrativa. O procurador-geral da República ainda disse que a própria PGR pediu a condenação de Silveira e pretendia a ver a execução da pena, porém, segundo o procurador, o indulto está previsto na Constituição. “O ato impugnado não violou os limites materiais expressamente influenciados e lançados pelo Constituinte. Não perdoou crime de tortura, tráfico de entorpecentes, terrorismo e os definidos como hediondos”, argumentou.

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