‘Sistema não consegue oferecer resposta à violência’, diz procurador

  • Por Estadão Conteúdo
  • 01/12/2016 13h32
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Fernando Fazão/Agência Brasil PM Rio de Janeiro Cidade de Deus

Começa nesta quinta-feira (1) no Rio, a segunda edição do evento “Diálogos Públicos: Polícia Democrática e Direito à Segurança”. Sob a coordenação do Ministério Público Federal, pesquisadores da área de segurança pública, procuradores de Justiça e integrantes das polícias participam de uma série de debates cujo objetivo é a discussão de estratégias para “compatibilizar um modelo de polícia democrática”.

Ou, em outras palavras, encontrar formas de melhorar a atividade policial, ao mesmo tempo em que se analisa o funcionamento do próprio sistema de Justiça brasileiro. Em entrevista, o procurador Marlon Alberto Weichert falou sobre o tema. Ele criticou o funcionamento atual das polícias, enquanto também ponderou a responsabilidade de outros serviços da sociedade.

Disse ainda que a mídia contribui para as dificuldades de percepção sobre o problema da violência e convocou uma mobilização “sem moralismo” pelo fim do atual modelo do combate às drogas. Leia a seguir a entrevista:

No que consiste o modelo de polícia democrática?

A polícia democrática é um conceito de uma polícia que se enquadra nos parâmetros do estado democrático de direito, cujas principais características são de responsividade aos interesses da sociedade. Ou seja, uma polícia que não age de acordo com interesses de grupos políticos ou interesses econômicos nem funciona para a repressão social e política. É ter como “cliente” toda a sociedade, sem discriminação.

Como isso é atingido?

Para isso, as polícias precisam ser transparentes, agir a partir de protocolos conhecidos, públicos e discutidos com a sociedade civil, não apenas formatados a partir de decisões de governo. É necessário também prestar contas, e isso não se resume a apresentar estatísticas dos crimes. É dizer como o dinheiro está sendo gasto, quanta munição está sendo usada, para permitir que a sociedade possa fazer a crítica construtiva a partir da percepção de quanto a polícia está custando e quais despesas são as maiores. Em terceiro lugar, precisamos falar de responsabilização, quebrando uma ideia de corporativismo e impunidade para abusos cometidos pelos agentes. Apenas um grande diálogo com os vários atores envolvidos é que pode começar a resolver a situação. Não há solução fácil e nenhuma saída baseada em corporativismo. Uma discussão contaminada por corporativismo não vai alcançar qualquer solução mais abrangente As alternativas precisam ser buscadas a partir da análise que estamos tendo cada vez mais homicídios, cada vez mais violência, cada vez mais policiais mortos. Mesmo diante de mais investimentos, terminamos com esse cenário.

Em que medida as polícias brasileiras conseguem cumprir os três fatores descritos como característicos de uma polícia democrática?

Há algumas iniciativas que caminham para atingir esses parâmetros nos Estados, mas com certeza somos deficientes em todos eles.

Por que mesmo diante de cerca de 60 mil homicídios anuais, não assistimos a uma mobilização nacional sobre o tema?

São 60 mil crimes cujo tipo de violência me parece bem diferente do que se imagina, no que está no imaginário da sociedade, realidade para a qual a mídia contribui enormemente. Se vende a maioria dessa criminalidade como fruto exclusivo do banditismo, esquecendo-se das recorrentes brigas de trânsito, discussões no bar, gente armada na rua que causam mortes. Isso acaba passando uma necessidade de repressão muito forte, revelando que a gente está no caminho errado. Por outro lado, esse cenário grave incide bastante sobre a juventude negra masculina da periferia, o que acaba levando a imagem de não ser uma situação relevante só porque acontece contra eles. A banalização é retroalimentada pela própria mídia. 

Pesquisas que buscaram constatar as causas de homicídios em diferentes regiões do País retornaram com o mesmo diagnóstico: a maioria dos crimes têm ligação com o tráfico. Mesmo assim, a alteração na legislação de uso e venda de drogas é algo visto como tabu social. Por quê?

Porque ainda há muito moralismo, a discussão fica no campo dogmático até por influência religiosa. Por outro lado, há muitos interesses em manter a guerra do jeito que está. Isso permite, por exemplo, que a venda de armamentos se mantenha no mesmo patamar ou cresça. É para que interessa a criminalização da pobreza e também para que esse uso intensivo das forças policiais sempre justifiquem a necessidade por mais poder e dinheiro. O mundo já reconhece que os danos causados por uma descriminalização são menores do que a dessa “guerra”. É uma visão bastante pragmática, em uma abordagem no campo da saúde pública. Não há nenhum coitadismo. Gastamos muito mais com violência do que gastaríamos tratando de pessoas que consomem drogas. Essa forma de atuação claramente não deu certo. É hora de rever o que não funciona. 

O primeiro encontro promovido pelo Ministério Público trouxe como uma das recomendações a elaboração de um indicador nacional de elucidação de homicídios. Qual a necessidade disso?

Não resolver os homicídios está na raiz dos problemas.O primeiro passo é ter a informação qualitativa. Entender porque não se consegue resolver e porque isso acaba gerando no policial militar, na ponta, a execução sumária, como há depoimentos comprovando essa relação. O problema de segurança não é apenas uma questão de polícia. É um fracasso que inclui o sistema de Justiça, que também não consegue oferecer resposta satisfatória ao fenômeno da violência, o que, em última instância, alimenta aquele que se acha justiceiro porque não acredita que o suspeito será responsabilizado no devido processo legal. A autocrítica é importante tendo à luz o próprio funcionamento do Ministério Público e do Poder Judiciário. Por que a Justiça não consegue dar respostas?

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