No Brasil, doutrinação de grupos extremistas ensina a odiar jornalistas

México e Afeganistão são os países mais perigosos para se exercer a profissão; no Brasil, o assassinato de jornalistas é algo mais pontual, mas já há muita ameaça em torno da categoria

  • Por Álvaro Alves de Faria
  • 28/12/2020 12h17
03/05/2020 - Ueslei Marcelino/Reuters Em maio, jornalistas foram agredidos em Brasília durante manifestação

A imprensa é culpada de tudo. Sempre foi a culpada. Não é fácil ser jornalista. Mesmo no Brasil. Ou principalmente no Brasil. Pelo menos agora. O jornalista está se tornando um alvo fácil para os radicais, sejam de esquerda, de direita, do centro, do alto, do lado. Qualquer radical. E, de alguma maneira, esse quadro perigoso é alimentado até mesmo pelo governo que trata o jornalismo com uma matéria nefasta. É uma espécie de doutrinação de ódio. Sempre repetida como uma ladainha. Os tiranos odeiam a imprensa, o jornalismo livre. Por mim, acredito que o jornalismo brasileiro não vive seus melhores dias. Muito pelo contrário. Os jornalistas são odiados, a começar pelo governo Bolsonaro. O próprio presidente diz isso toda hora, claramente. Sempre que pode critica jornalistas nominalmente ou de maneira genérica. Odiados ou não, seja como for, os jornalistas continuam com seu trabalho de informar. De opinar e investigar também. Coube ao jornalismo brasileiro denunciar os grandes esquemas de corrupção que afundaram o país. Mas, antes de tudo, será preciso sempre preservar a ética. No jornalismo, a ética é tudo. E cabe ao profissional da imprensa zelar por esse luxo pessoal. Sim, ética é um luxo hoje. Um grande luxo. Infelizmente o que mais falta a este país é a ética. E sobram atos inescrupulosos. Atualmente, a imprensa é culpada de tudo. Qualquer coisa a culpa é da imprensa. Eu, por mim, dou risada. Já enfrentei situações delicadas. Para começar, uma confissão pessoal: só gosto de notícia ruim. Então fica meio complicado discutir comigo.

Neste ano que está agonizando, o número de jornalistas assassinados em vários países dobrou, em relação a 2019, conforme informa o relatório anual do Comitê para a Proteção dos Jornalistas, o CPJ. De acordo com o documento divulgado na última terça-feira, 22, as principais causas da morte de jornalistas foram conflitos armados e grupos de criminosos. Não, nada tem a ver com o Brasil. Os países mais perigosos para jornalistas em todo mundo são o México e o Afeganistão. Em 2020, pelo menos 30 jornalistas foram assassinados em todo mundo, sendo que 21 dessas mortes foram resultado direto do trabalho do jornalista. Os jornalistas são assassinados e, quase sempre, ninguém vai preso. O México está em primeiro lugar no número de jornalistas mortos em 2020. Cinco jornalistas foram mortos e o CPJ investiga a morte de outros quatro. O jornalista costuma ser o alvo preferido do crime organizado e do narcotráfico, além dos políticos corruptos denunciados pela imprensa. É a censura por meio da violência. Os ataques nunca são punidos. E os defensores da liberdade de imprensa afirmam ser constante a depreciação da mídia por aqueles que estão no poder.

No Brasil, o assassinato de jornalistas é algo mais pontual, quase sempre em lugares distantes, no fundo do Brasil, em disputas políticas regionais. Vez ou outra, surge a notícia de um jornalista assassinado por escrever contra determinado candidato ou prefeito. Especialmente radialistas. De qualquer maneira, no Brasil existe, sim, uma certa doutrinação de grupos extremistas que ensinam a odiar jornalistas. Qualquer jornalista. Como se vê atualmente. É uma espécie de ordem. Jornalista não presta. E tantas vezes isso se repete que a população já nutre pelo jornalista uma certa reserva, para não usar a palavra ódio. Os casos de jornalistas assassinados no mundo são acompanhados pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. A diretora-geral dessa Agência da ONU, Audrey Azoulay, tem defendido que a proteção dos jornalistas é fundamental para a defesa da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão. São, no entanto, palavras já tornadas corriqueiras nesse amplo painel de crimes que contam sempre com a impunidade. No Brasil, o que existe mesmo é muita ameaça. E, por incrível que pareça, o que mais se nota é jornalista criticando jornalista por questões ideológicas, porque, na verdade, não são jornalistas verdadeiros que respeitam a opinião alheia.

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