O que fariam os deputados que votaram a favor de Cury se alguém apalpasse a filha deles?

Parlamentares da Assembleia Legislativa de São Paulo agem como amigões e protegem machão que importunou Isa Penna; chega a ser engraçado, cínico também

  • Por Álvaro Alves de Faria
  • 10/03/2021 14h11 - Atualizado em 10/03/2021 14h11
Rogério Marques/Futura Press/Estadão Conteúdo - 25/01/2020 O deputado Fernando Cury discursa no plenário da Alesp O deputado estadual Fernando Cury está suspenso de suas funções na Alesp por 119 dias

É preciso não esquecer. Não deixar que este caso caia no esquecimento a exemplo de tantos, como é costume neste país de escândalos diários. Não vamos nos esquecer dessas histórias escritas por gente sem escrúpulo algum. Não ter escrúpulo, no Brasil, parece ser o requisito especial para ocupar um cargo, na área pública principalmente. Sinceramente, em sã consciência alguém pensava em outro resultado desfavorável ao deputado Fernando Cury (Cidadania), aquele que apalpou o seio da deputada Isa Penna (PSOL) em pleno auditório da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo? Alguém esperava? Julgado num Conselho de Ética constituído por sete homens e apenas duas mulheres. Esperava-se o quê? A cassação? Um deputado assim não representa ninguém em lugar nenhum. O deputado agressor teve o mandato suspenso por exatos 119 dias. Se fossem 120, o suplente poderia assumir. Com 119 dias de afastamento, o parlamentar poderá até ficar no seu gabinete, manejando a verba a que tem direito. A votação na sexta-feira, 5, deu 5 a 4 a favor do leviano acusado de importunação sexual. Ele diz que apenas deu um abraço gentil na sua colega parlamentar. Precisa ter muita coragem para dizer isso.

Agora o processo segue para a Mesa Diretora da Alesp, que encaminhará o caso ao plenário, onde a decisão será ratificada ou não. No plenário, igualmente machista, pode-se dizer que Fernando Cury estará livre de qualquer acusação. Qual seria o comportamento dos deputados que votaram a favor de Cury se alguém apalpasse o seio da mulher ou filha deles? Seria igual? Evidente que não. Depois do julgamento no tal Conselho de Ética, Isa Penna afirmou, com absoluta razão, que a sessão na Alesp representou um tapa na cara de todas as mulheres. E foi, sim. Isto aqui é o Brasil, onde os valores são invertidos e a mulher, particularmente, é desrespeitada em tudo. Isa promete que, no plenário, será diferente e que ninguém calará sua voz. De acordo com notícia divulgada pela Jovem Pan, ela pretende apresentar um projeto que prevê pelo menos um ano de afastamento do autor do assédio sexual. E quer votação aberta. Tem que ser assim mesmo.

O imundo vestido de deputado tem de pagar, sim, pelo que fez descaradamente. Então é para isso que um parlamentar é eleito? A defesa de Cury afirmou que recebeu a decisão do Conselho de Ética de forma muito respeitosa. Os advogados da defesa devem ter mulher e até filhas. Será que eles iriam defender alguém que tivesse aviltando uma delas? O deputado Emídio de Souza (PT), relator da violência contra Isa Penna, sugeriu que Cury fosse punido com seis meses de afastamento. Ele considerou que o corpo da mulher não pode mais ser objeto da lascívia masculina. Disse também, em seu relatório, que o fato causou enormes prejuízos à imagem da Alesp, à vida e à dignidade da deputada ultrajada. Se é assim, senhor deputado petista Emidio de Souza, porque pediu apenas um afastamento de seis meses? Por que não pediu a cassação do agressor? Por que não fez isso? Deve ser seu amigo, não é mesmo? Os machões se entendem. E a mulher é apenas uma boneca para se brincar de vez em quando.

O relatório do petista é covarde. Votaram a favor de Cury os deputados estaduais Wellington Moura (Republicanos), Adalberto Freitas (PSL), Delegado Olim (PP), Alex de Madureira (PSD) e Estevam Galvão (DEM), que decidiram o afastamento por 119 dias, devidamente calculados. Uma decisão cafajeste. Esses senhores também devem ter mulher e talvez filhas. E se fosse com elas? Eles, os senhores nobres deputados decidiram o destino de um machão que abusou de uma colega diante de todos que lá estavam . E todos se calaram. A ponto de o deputado considerado a peça mais importante para relatar o fato, Alex de Madureira, simplesmente não compareceu para dar seu depoimento no dia marcado. Não compareceu e ponto final. Esse parlamentar, como se vê no vídeo, conversava ao ouvido com Fernando Cury e até tentou segurá-lo a fim de evitar que fizesse o que certamente estavam falando. E lá foi Cury, numa atitude delinquente, apalpar o seio de Isa Penna. Mas Madureira não deu seu depoimento, livrando a cara do amigão.

Chega a ser engraçado, e cínico também, o que disse o deputado Wellington Moura a dar seu voto em defesa de Fernando Cury. Wellington afirmou que seria difícil, para ele, como cristão, não saber perdoar, não ter misericórdia. Adiantou que Cury, que ele conhece, é pai, é família, é marido de uma só mulher, é uma pessoa que ama sua esposa, é carinhoso. Por fim, garantiu que o colega merecia uma segunda chance. Que bonito, que coisa bonita! Falou até em ser cristão. E foi assim: os outros quatro seguiram Wellington Moura, todos alinhados com um ato indecente do assédio sexual. Depois houve lá no tal Conselho de Ética algumas cenas de indignação. Tudo para inglês ver. Já a deputada Isa Penna resume tudo numa frase certeira e correta, ao dizer que se sente enojada. A expectativa é que o ato indecoroso em plenário da Alesp seja julgado até o próximo dia 15 de março. Se a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo tiver um pouco de vergonha na cara tem de cassar esse deputado que cometeu um crime ao abusar sexualmente de uma parlamentar. Não pode ser diferente. Basta ter um pouco de vergonha na cara.

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