Fernanda Consorte: O que a política brasileira tem a ver com a alta do dólar

Enquanto a média de desvalorização das moedas emergentes em 2020 foi de 6,2%, o real perdeu 33,2%; sem contenção da pandemia e sem coordenação de lideranças, será difícil atrair fluxo de capital, mantendo o câmbio depreciado

  • Por Fernanda Consorte*
  • 21/07/2020 14h51
Rodolfo Buhrer/Estadão Conteúdo Se por um lado, a crise financeira faria qualquer moeda emergente desvalorizar por causa da fuga de capitais para países menos arriscados, por outro lado, o real se enfraqueceu quase 5 vezes mais que a média de emergentes

Seres humanos se acostumam rapidamente com novas situações, somos adaptáveis. Há poucos anos, uma taxa de câmbio acima de R$ 5,00 por dólar era impensável. Hoje o mercado já olha com otimismo o fato de a taxa não ter chegado a R$ 6,00. Embora o otimismo que paira nos mercados e alguma melhora na confiança dos agentes sejam justificados em boa medida pela proximidade de uma vacina contra o coronavírus – todos os dias vemos notícias animadoras sobre esse tema (amém!) –, o patamar da taxa de câmbio está muito, mas muito alto. Quando comparamos o desempenho do real ante o dólar com outras moedas emergentes, somos o “patinho feio” da história. Em números, enquanto a média de desvalorização das moedas emergentes em 2020 (até o dia 20 de julho) foi de 6,2%, o real desvalorizou 33,2% – uma diferença enorme. E mesmo quando olhamos o segundo pior desempenho, que foi o peso mexicano, vemos uma depreciação de cerca de 20% dessa moeda no período. Ou seja, o desempenho do Brasil beira o constrangimento.

Podemos explicar parte desse mau desempenho por sermos um dos epicentros do mundo na pandemia. Mas há um passo anterior a esse, que não só explica o desempenho pior de nossa moeda em relação a pares, como também o motivo de sermos o epicentro da doença. Hoje, percebemos certo vazio em termos de liderança política no Brasil (o famoso “lack of something”). Ora, não é segredo para ninguém que os diversos comentários polêmicos do nosso governo geraram muita volatilidade nos mercados desde o início de sua gestão. E neste momento que estamos vivendo nunca foi tão necessário a coordenação entre os poderes, um líder que conquistasse o poder democrático e todos seguissem no mesmo caminho – o que não tem acontecido. Cada vez mais, há uma gestão fragmentada no combate a pandemia e suas consequências para a econômica, o que tem aumentado a percepção de risco no Brasil. E a moeda, nada mais é do que uma variável de percepção de risco.

Se por um lado, a crise financeira faria qualquer moeda emergente desvalorizar por causa da fuga de capitais para países menos arriscados, por outro lado, o real se enfraqueceu quase 5 vezes mais que a média de emergentes, justamente porque a situação econômico-política no Brasil está confusa e delicada, com constantes quedas de braço no governo (entre todas as esferas, inclusive). Claro que os ativos brasileiros têm uma característica de maior volatilidade de outros países porque temos um mercado financeiro mais amplo e também houve forte redução da taxa de juros, mas, ainda assim, o desempenho do real não só está muito aquém de pares, como também difere muito dos movimentos em Bolsa de Valores. A verdade, meus amigos leitores, é que enquanto não tivermos uma boa história para contar, que passa desde contenção efetiva da pandemia até coordenação e ajustes de liderança dentro e fora de Brasília, será difícil atrair investimentos e fluxo de capital, mantendo a taxa de câmbio depreciada.

*Fernanda Consorte é economista-chefe do Banco Ourinvest e colunista na Jovem Pan.

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