Feios, sujos e maltratados: por que grande parte dos rios urbanos estão em condições tão degradantes? 

Exemplos mostram que investimentos públicos em saneamento básico têm retornos imediatos na saúde e na qualidade de vida do cidadão

  • Por Helena Degreas
  • 16/02/2021 09h00 - Atualizado em 16/02/2021 09h21
Helena Degreas/Jovem Pan Córrego na cidade de São Paulo que deságua no rio Tietê

Em algum momento você já deve ter passado próximo a um córrego malcheiroso, com as margens ocupadas por habitações subnormais e repleto de entulho boiando em suas águas escuras e lodacentas. Por que a água doce, líquido tão precioso, bem natural indispensável à existência humana, é tratado desta maneira? Não é possível considerar natural e tampouco aceitável viver em cidades cujos rios e córregos encontram-se em condições de abandono e degradação. Mas por que isso ocorre? Muitas das formas como as cidades tratam seus rios vêm mudando ao longo das últimas décadas à medida que somos forçados a encarar as consequências de políticas públicas alheias às questões ambientais e de ocupação irregular do solo urbano. Trata-se de uma reflexão sobre a maneira como se dá o processo de urbanização brasileiro e o enfrentamento das questões globais sobre saneamento e riscos à saúde da população. A resposta para a questão do cheiro horrível que exala das águas dos nossos rios está diretamente relacionada às questões de ausência de saneamento básico. É uma situação grave pois, para além do cheiro ruim, as condições das águas afetam diretamente a saúde da população e a qualidade de vida urbana. 

Embora direito assegurado pela Constituição e definido pela Lei nº. 11.445/2007, apenas a metade da população brasileira tem coleta de esgoto. Dito de outra forma, são cidadãos brasileiros que, além de não terem coleta e tratamento de esgoto, também não têm o lixo de suas casas e de suas ruas recolhido, tratado e encaminhado para instalações de manejo de resíduos sólidos como aterros sanitários. Isso mesmo: mais de 100 milhões de brasileiros não têm, por exemplo, onde deixar o lixo gerado em suas casas. O que fazer com ele? Deixar acumular? Jogar nas águas dos rios? O que esperam os gestores de nossas cidade e estados?

Relatório divulgado em 2017 pela Agência Nacional de Águas – ANA (antigo Ministério das Cidades, extinto com a edição da Lei Nº 13.844, de 18 de junho de 2019 pelo presidente Jair Bolsonaro, que, por sinal, não é afeito a questões ambientais e à sustentabilidade do planeta), o Atlas Esgotos – Despoluição de Bacias Hidrográficas, mostrava que 81% (4.490 de 5.570) dos municípios despejam pelo menos 50% do esgoto que produzem diretamente em cursos d’água próximos, sem submetê-los a qualquer trabalho de limpeza. Cerca de 9,1 toneladas de esgoto sanitário são produzidas diariamente. De acordo com o Instituto Trata Brasil, 55% dele não é tratado. É como se 6000 piscinas olímpicas cheias de esgoto fossem lançadas nos rios e córregos de nossas cidades diariamente. Não é difícil entender o porquê da morte dos rios brasileiros. Pelos dados citados, tem-se a impressão de que os rios que atravessam a cidade têm a função de diluir os efluentes residenciais e industriais neles lançados. Tratamento e ligação de esgoto nas residências é fundamental. Mas como realizar esse trabalho se um número significativo de habitações nas cidades brasileiras encontra-se à margem da regulação urbanística? Ainda assim, como convencer proprietários que têm a posse legal a autorizar a ligação para a coleta de esgoto em suas casas se a conta virá mais cara ao final do mês? Saneamento básico associado a políticas habitacionais eficazes andam juntas.

Muitos são os exemplos de rios que atravessam cidades e que, com esforço de governos de países e cidades, requalificaram suas águas para usos ambientais, culturais e recreacionais, incluindo mobilidade e produção de alimentos. Vontade política para realizar obras deste porte são necessárias. Exemplos como os dos rios Reno (Alemanha, Suíça e Holanda), Tâmisa (Londres), Sena (Paris) e Cheonggyecheon (Seul), realizada em menos de dez anos, envolveram esforços conjuntos entre a iniciativa privada, populações e governos para despoluir suas águas e requalificar suas margens. No Brasil, também podemos encontrar exemplos bem sucedidos. Em São Paulo, temos o Parque Linear Banal-Canivete, implantado em 2012 e que está localizado no Jardim Damasceno, zona norte da cidade. Local carente de espaço livres públicos para o uso da população desencadeou uma série de mudanças nas dinâmicas sociais locais, que passaram a utilizar com intensidade suas praças e equipamentos de recreação.

A produção de novos espaços públicos gera encontros comunitários e sociais, contribuindo para a qualidade de vida urbana e interferindo positivamente nas questões ambientais por meio da redução da temperatura, melhoria da qualidade do ar, absorção das águas das chuvas e redução do número de pontos de enchentes, entre outros benefícios. Além dele, está prevista a implantação do Parque Linear do Rio Pinheiros. Este último pretende criar espaços diversificados mesclando usos recreativos e culturais que foram associados à despoluição do rio por meio obras de esgotamento sanitário e requalificação das margens, impactando positivamente na vida da população que reside e trabalha em seu entorno.

Em Belo Horizonte, Minas Gerais, a construção do Parque do Córrego 1° de Maio melhorou a qualidade das águas do córrego e reduziu os riscos de inundações, além de ter proporcionado espaços para o lazer e recreação da população local, que não dispunha de equipamentos urbanos qualificados para esse tipo de uso. Investir em saneamento básico é o mínimo que se espera de um município, de um estado e de um país civilizado. Rios que poderiam abastecer populações não podem ser responsáveis pelo adoecimento dos moradores que encontram-se em suas margens. São espaços livres públicos vegetados e permeáveis que cumprem papel importantíssimo na qualidade de vida urbana e na sustentabilidade urbana.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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