População tem direito ao espaço público para exercer a sua cidadania

Embora o Recife tenha sido palco de uma manifestação pacífica no sábado, chamou-me a atenção a truculência adotada por policiais; quem irá se responsabilizar pelos cidadãos que hoje estão cegos?

  • Por Helena Degreas
  • 01/06/2021 10h45 - Atualizado em 01/06/2021 15h55
Rodrigo Baltar/Agência Pixel/Estadão Conteúdo - 29/05/2021 Em uma via esfumaçada devido a uma bomba de gás lacrimogênio, com diversos prédios ao fundo, manifestantes correm da polícia (uma minoria aguarda por ela parada) Protesto no Recife, no último sábado, registou conflito entre policiais e pessoas que se manifestavam contra o governo federal

As manifestações públicas nos espaços urbanos ocorrem desde sempre: ruas, praças, avenidas e áreas centrais são os locais que acolhem ações políticas que não se reduzem ou não cabem nos espaços privados de vida social. Transformados em palco para a realização de manifestação de matizes diversos, permitem que os atores sociais exponham suas reivindicações, evidenciando questões políticas e sociais. Em outras palavras, manifestem suas opiniões em “praça pública”. Quando associados à divulgação pelos meios de comunicação em massa, ganham importância e são capazes de influenciar a opinião de muitas pessoas. O sábado passado foi marcado por protestos organizados em redes sociais por meio da hashtag #29Mforabolsonaro, nos quais os manifestantes, enlutados com a perda de pessoas queridas (como bem escreveu o colunista Mathias Alencastro, da “Folha de S.Paulo”), gritavam contra a displicência criminosa adotada por autoridades públicas no combate a pandemia, que, até o dia de hoje, ceifou a vida de 462 mil brasileiros. Não é possível considerar esses dados como corriqueiros, normais.

Embora a manifestação tenha sido pacífica, chamou-me a atenção a truculência adotada por policiais militares na cidade do Recife. A partir das declarações de manifestantes feridos, lembrei-me da manchete de um jornal argentino de 2017 intitulada “Mirando na cabeça, polícia cega manifestantes com balas de borracha”. “Eles estavam atirando para cegar” disse um dos atingidos na Praça do Congresso, em Buenos Aires. Os argentinos expressavam desaprovação quanto às reformas previdenciárias que afetariam negativamente os trabalhadores. Era um ato político e legítimo. O cidadão tem o direito às cidades, à ocupação dos espaços públicos para expor suas opiniões ou suas indignações. É do jogo da democracia. A judicialização, na maior parte dos casos, demora décadas e não resolve as aflições do presente. Anos depois, em 2021, os brasileiros protestavam pela morte de amigos e familiares que poderiam estar vivos, não fosse a incapacidade do governo federal em tratar a questão à luz da ciência, como fizeram presidentes lúcidos de inúmeros países. São tratados da mesma forma truculenta por agentes públicos. Não imaginei ver ações de intimidação realizadas por grupos militares novamente contra grupos civis desarmados. Tais ações eram práticas corriqueiras durante o período em que vigorava a ditadura militar

O direito à expressão de repúdio da população frente aos descaminhos governamentais expõe ações coletivas urbanas de sujeitos sociais que saíram da comodidade das redes sociais, preferindo enfrentar a morte pelo vírus a aguardar que os agentes públicos, em tese seus representantes, ajam em prol das demandas públicas (direito à vida e à saúde) de todo um país. Cidadãos ativos, provocaram reações inadmissíveis de grupos que preferem a tranquilidade da ordem vigente (construída por alguns em benefício de poucos) em territórios públicos de um país democrático, amedrontando, encurralando e ferindo cidadãos. Controlar grupos sociais com o uso da brutalidade para “restabelecer” a ordem vigente?

Quem definiu que manifestações pacíficas que defendem a aceleração do processo de imunização por parte das autoridades em espaços públicos fossem tratadas como atos terroristas pelos policiais militares da cidade do Recife? Quem deu a ordem? Por que deu a ordem? Quem irá se responsabilizar pelos cidadãos que hoje estão cegos? Que tipo de perigo oferece uma vereadora protestando para um conjunto de homens fardados (provavelmente armados), protegidos do lado de dentro de uma viatura policial, para que o gás de pimenta fosse utilizado contra ela? Não se trata de “balbúrdia” ou “baderna” para causar distúrbios no ambiente público. São cidadãos que exigem o restabelecimento da “ordem no ambiente público” pautada no direito à vida, à saúde, à educação e ao trabalho. Exigem também que sejam retomadas as discussões qualificadas dos temas que atendem às demandas sociais com ênfase em políticas públicas construídas para o bem-estar da população e do planeta.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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