Por que as prefeituras não criam mais alamedas nas cidades brasileiras?

Árvores são apenas um dos elementos, aparentemente o mais frágil, que precisam adequar-se ao funcionamento da complexidade das cidades

  • Por Helena Degreas
  • 23/08/2022 09h00 - Atualizado em 23/08/2022 09h52
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Reprodução/FreePik Paisagem com árvore em via pública Alameda em Querétaro, no México

A generosa sombra em dias quentes, o farfalhar das folhas, o canto dos pássaros, a textura, a ranhura e as cores presentes nos troncos, a florada que lembra o passar das estações, as raízes cujas saliências e reentrâncias eram meu lugar de brincar na calçada da rua onde morava quando criança. Saudosismo? Talvez. A sensação de mal-estar que me acometeu dias atrás, gerou uma breve pesquisa que resultou em alguns dados intrigantes. Busquei pelos verbetes árvore, arbóreo/arbórea, arborização, vegetação e vegetal nos documentos que encontram-se na seguinte sopa de letrinhas: PDE SP, Zoneamento, COE SP, PlanMob, PlanPavel, PMH SP, PGIRS, PDUI, PlanClima, PMSA, PMAU, PMMA e Plano Macrorregional Centro Oeste SP. O resultado da busca surpreendeu-me: somando-se os resultados foram encontradas 4.536 incidências. Se a preocupação é tanta, por que as árvores caem com ventos, chuvas e são derrubadas com ou sem a autorização das secretarias e subprefeituras responsáveis por sua manutenção? Tenho algumas hipóteses.

Cidades são organismos complexos que se criam e recriam indefinidamente para atender as necessidades e desejos de pessoas, instituições e empresas. Não ocorrem aleatoriamente: surgem a partir de planos e regulamentações urbanas que se estabelecem para atender às dinâmicas sociais. Quando não, mostram-se visíveis nas paisagens periféricas que encontram-se à margem da lei, cidades estas formadas pela ausência do estado na formulação de políticas habitacionais, ambientais ao longo da história. Não se configura como novidade, portanto. Seres vivos, as árvores são elementos naturais que sofrem com as atividades humanas decorrentes das ações de construção e reconstrução dos ambientes para atender às necessidades contemporâneas de trabalho, educação, recreação, locomoção e tantas outras que permeiam nossa existência. Neste ponto, o sofrimento que pode causar a morte destas árvores e riscos diversos à população, entra a complexidade de infraestruturas que acompanham o atendimento à diretrizes de ocupação vigentes no Plano Diretor Estratégico – PDE do município de São Paulo e que prevê o adensamento ao longo dos Eixos de Estruturação da Transformação Urbana. Entra paralelamente, aquela sopa de letrinhas anteriormente citada e que é composta por inúmeros planos decorrentes da vontade de preservá-las, mantê-las, cuidá-las e que estão espalhados em guichês distintos nas prefeituras das cidades. Papel aceita tudo, diriam alguns.

Sem previsão da forma urbana final ao longo dos corredores de transporte público e no miolo dos bairro, edifícios multifuncionais vêm sendo construídos em locais cuja pré-existência, remonta os primórdios do século XX em muitos casos. Se, à época, carroças, tílburis e cavalos eram os meios de locomoção vigentes, casas térreas, sobradinhos, palacetes e outros edifícios representavam a vida da época: poucas pessoas e edifícios cuja infraestrutura urbana restringia-se a provisão de energia elétrica, água, em alguns locais esgoto, talvez cabeamento telefônico. Plantio de árvores e ajardinamentos diversos eram possíveis. A implantação da infraestrutura pública estava em seus primórdios. Com o adensamento das áreas centrais, não apenas surgiram os prédios que com o avanço das técnicas de construção e dos elevadores, permitiram mais andares para comportar mais gente. Paralelamente, mais serviços foram sendo solicitados: tratamento de esgoto, coleta de águas pluviais, saneamento básico, enfim, redes para abastecimento de gás, telefonia entre outras. A infraestrutura já começava a tomar conta da paisagem: postes, fiação, algumas tubulações no meio das ruas e sob as calçadas. Ainda assim, mesmo que seguindo critérios predominantemente estéticos, árvores eram plantadas e insistiam em viver.

Mais recentemente, o PDE e demais regulamentações urbanas (estas sim, merecedoras de revisão urgente pois interferem na vida e na saúde da população), permitiram a construção de torres multifuncionais com usos que, em um único condomínio, reúnem habitações fixas, rotativas, empresas diversas, bares, restaurantes, piscinas, academias, clínicas e consultórios, redes de mercados entre outros, que exigem do poder público e de agências várias, a dotação de infraestrutura de alta complexidade. Isto sem citar a realidade construtiva e tecnológica necessária para o funcionamento dos próprios edifícios que, incentivados pela regulamentação atual, investem na construção de mais e mais metros quadrados, tornando-se mais e mais altos (sem limite para altura e andares) desde que, atendidas normas e regulamentos urbanos. Dentro e fora dos edifícios multifuncionais, a infraestrutura que viabiliza seu funcionamento é de uma complexidade que impressiona a todos que trabalham na construção civil. Quando implantada no interior destas verdadeiras “cidades”, andares localizados do subsolo à cobertura são definidos para comportar sistemas e elementos que permitem o funcionamento destes empreendimentos, faça chuva ou sol. É certo que este edifícios complexos vem sendo construídos há décadas em áreas centrais. A diferença, consiste na concentração de todos não apenas nas avenidas por onde passam ônibus e metrô, mas também no miolinho de bairros, ao longo de calçadas estreitas com árvores centenárias: e sempre, apoiado por regulamentações que destroem a vida cotidiana local.

Mas, para que as novos “condomínios-cidade” possam existir, é preciso que o poder público faça a sua parte também. As árvores são apenas um dos elementos, aparentemente o mais frágil, que precisam adequar-se ao funcionamento de toda esta complexidade. E aí encontra-se o problema e a solução. Cabos, redes, tubos, canos, postes, floreiras, banquinhos, entradas e saídas de veículos, degraus e desníveis, bueiros, sinalização de segurança horizontal e vertical, pontos de ônibus, galerias… basta olhar para cima, para o chão por onde pisamos e para o subsolo (qualquer buraco de obra de saneamento na via, por exemplo) para entender a interferência de toda esta parafernália pública na vida das árvores urbanas. E as árvores, como ficam? Estão completamente encaixotadas no subsolo, no solo com as horríveis floreiras altas e no céu pela indecente fiação que corre entre os postes. Como é que vão desenvolver-se e criar as alamedas que tanto sinto falta, em “vasos” cujas raízes não têm para onde crescer? Isso sem mencionar que, as árvores plantadas no século passado, frondosas e que provocam melancolia, estão tombando à toa com qualquer túnel de vento provocado pela canalização dos ventos originada da implantação dos edifícios nas ruas e quadras. Lembrando de mencionar, as fortes tempestades atuais. Tudo isso, associado às questões climáticas, à idade, à supressão de raízes, alocadas em calçadas estreitíssimas e à manutenção, vez e outra, inadequada (podas que deformam e causam desequilíbrio graças à má distribuição do peso), levam árvores vistosas, de copas largas e que propiciam sombreamento e prazer aos cidadãos, à queda. Como seres vivos, sofrem e não suportam nossas ações. Morrem.  Tem alguma dúvida ou quer sugerir um tema? Escreva para mim no Twitter ou Instagram: @helenadegreas.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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