Você se sente seguro e confortável caminhando pelo bairro onde mora?

Cidades devem proporcionar espaços livres que sejam acessíveis, limpos, bem-cuidados e que vão além de parques e praças; estacionamentos e até cemitérios são opções para a população em seu tempo livre

  • Por Helena Degreas
  • 08/06/2021 09h00 - Atualizado em 08/06/2021 09h24
Helena Degreas/Jovem Pan Espaço público em três níveis; na base, um restaurante de dois andares, com mesas cobertas por toldos vermelhos na entrada; no segundo nível, um estreito corredor; mais alto, um largo espaço cimentado; duas árvores compõem a paisagem, e dezenas de pessoas ocupam o lugar Administração pública tem o dever de oferecer espaços livres bem-cuidados onde pessoas gastam o tempo livre

Os espaços livres como praças, parques, praias, lagos, além de áreas dotadas de vegetação, são comumente utilizados como sinônimo de áreas públicas destinadas à recreação e ao lazer nas áreas urbanas. Todas as cidades deveriam proporcionar aos cidadãos espaços livres que sejam acessíveis, bonitos, limpos, bem-cuidados, confortáveis e seguros, porque é nestes locais que a vida pública acontece. É lá fora, nos espaços abertos, que as pessoas ficam quando não estão em casa, no trabalho, na escola ou em outras atividades vinculadas ao cotidiano. O que as pessoas não percebem é que os espaços livres ocorrem em muitos lugares: eles estão nas ruas, avenidas, vias expressas, estradas por onde transitam os automóveis, vans, ônibus, caminhões e, mais recentemente, bicicletas. Estão nas calçadas por onde caminhamos, nas diversas áreas destinadas aos estacionamentos de automóveis em shoppings, mercados, hospitais, aeroportos e centros culturais; nas orlas de rios, nas praias, nos telhados não utilizados de vários edifícios e até em cemitérios… E muitos outros mais.

Nossos gestores públicos, aparentemente, não vislumbram todas as possibilidades que as áreas não edificadas têm para oferecer à população. São áreas livres que podem ser projetadas e construídas para atender às diversas atividades que os cidadãos podem realizar durante o seu período de ócio. Sim, ócio: aquele momento em que refletimos sobre nós mesmos, nossas ações, nossos sentimentos, desejos e sonhos. Por isso, defendo que a vida pública não pode nem deve ficar restrita aos limites estabelecidos por praças ou parques. Isso apenas aconteceu porque, em nossas cidades, predomina o planejamento urbano modernista que, com o objetivo de organizar a distribuição de equipamentos públicos e infraestruturas de maneira igualitária, instituiu o zoneamento. Trata de “um conjunto de regras — de parcelamento, uso e ocupação do solo — que define as atividades que podem ser instaladas nos diferentes locais da cidade”, de acordo com a Prefeitura de São Paulo. É neste momento que se estabelecem os critérios para escolha de ruas e quarteirões nas quais ficarão residências, prédios industriais, praças e áreas verdes.

Basta olhar ao redor, ler, ouvir ou assistir aos noticiários para saber que a distribuição dos equipamentos destinados ao lazer da população é realizada de maneira desigual. Inúmeras pesquisas realizadas por instituições universitárias mostram que as áreas que foram crescendo à margem da regulação urbanística, ou seja, todas as regiões que estão na periferia dos centros urbanos, não dispõem de áreas vegetadas, equipamentos públicos destinados à recreação e tampouco calçadas. O que resta à população? Encontrar áreas que permitam um pouco de paz, de tranquilidade, um lugar para se encontrar com a família e amigos, tomar um pouco de sol, não fazer nada nem ser obrigado a consumir ou gastar nada. O único lugar com estas características é o espaço público. E ele deve receber atenção dos prefeitos por meio de políticas públicas adequadas para receber dignamente a população.

A questão é que os espaços livres nas cidades brasileiras sofrem com a gestão ruim e manutenção medíocres: pisos esburacados em calçamentos, ajardinamentos malcuidados, iluminação inexistente — que impede um pedestre de enxergar por onde anda e sentir-se seguro durante o passeio —, limpeza de qualidade questionável, mobiliário destruído… Como cidadãos, somos sistematicamente maltratados nestes lugares, que deveriam nos acolher sempre. Cidades de colonização espanhola e inglesa, por exemplo, foram sendo construídas a partir dos seus espaços públicos e de suas instituições, ou seja: primeiro os locais destinados à população receberam tratamento prioritário, passando com os séculos a fazer parte da cultura pública de gestão urbana. É possível afirmar que o nível de civilidade de uma cidade pode ser medido pela qualidade dos espaços livres públicos destinados à população. As cidades pedem um conjunto de soluções para atender à demanda de uma vida social pública, do brincar e do flanar urbanos em espaços livres abertos, em qualquer lugar, dia e hora. E sem custos.

Dedico esta coluna ao Prof. Dr. Silvio Soares Macedo, arquiteto e urbanista, vítima, como vários outros colegas e amigos, desta doença horrível, a Covid-19. Bastava a vacina. Não chegou a tempo, foi por pouco. Deixou um legado incrível, composto por mais de 40 núcleos de pesquisa espalhados por todo o país e dedicados a estudar os reflexos das formas urbanas nas questões associadas ao planejamento ambiental, territorial e sua implicação na qualidade de vida da população urbana.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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