Trindade: Políticos profissionais usam debate sobre fake news para resistir às mudanças

O debate sobre as mídias sociais mostra políticos agarrados a métodos antigos e desesperados. É o fim do monopólio de grandes redes de comunicação e dos donos de currais eleitorais

  • Por José Maria Trindade*
  • 05/08/2020 10h58
Pillar Pedreira/Agência Senado Um celular na mão de uma pessoa com uma imagem escrito 'Fake News' Nós chegamos ao ponto de que falsa mesmo é a opinião do outro

Quem é que vai dizer o que é e o que não é fake news? A resposta é simples, ninguém. Nós chegamos ao ponto de que falsa mesmo é a opinião do outro. O projeto que está na Câmara, depois de aprovado quase sem debate no Senado, prevê uma vingança dos poderosos de plantão que não aceitam as críticas abertas. O interessante é que, com certeza, todos os deputados e senadores usaram e abusaram das novas mídias e já estão inseridos nesta nova realidade. O objetivo agora é calar os gritos dos comuns. Há uma decisão do Congresso em aprovar a regulamentação do que não aceita enquadramento. O ponto mais grave é a possibilidade de rastreamento de mensagens trocadas na rede.  Vivemos um novo momento. O mundo maravilhoso das comunicações está só sendo aberto. Sem dados, usando o meu faro, ouso dizer que hoje a internet está em 10 por cento do que será no futuro. A internet, acreditem, está engatinhando. Vasculho a história para lembrar que a revolução está em curso e os veículos tradicionais de informação estão em crise estrutural. Falta principalmente credibilidade, mas os efeitos de investimentos devastam redações antes poderosas. Caiu o monopólio da comunicação, antes depositado e protegido legalmente para grandes empresas. Cai também o monopólio da política, antes nas mãos de grandes famílias e interesses legítimos e ilegítimos de conglomerados econômicos.

A bíblia era rara, antes de ser impressa. A cúpula da igreja detinha a guarda deste livro sagrado e, em nome dele, bispos e padres pregavam falando de uma obra sagrada distante de todos. Era assim, sem contestação. O padre falava o que queria e dizia estar amparado pela bíblia que poucos tinham acesso. Gutemberg criou a prensa e revolucionou tudo. Reproduziu a bíblia aos milhares e em pouco tempo as pessoas tiveram acesso às sagradas escrituras e passaram a contestar religiosos. Onde está a citação que o padre fazia na missa? Não existia na bíblia. Ali caiu o monopólio da palavra de Deus. Houve um cisma na igreja e as interpretações mostraram que havia fake news nas pregações. Agora a situação é parecida, um celular, a internet e imagens reais fazem desmoronar narrativas de empresas. Caiu o monopólio da imprensa, assim como as redes estão sendo usadas para acabar com currais eleitorais e furar o cerco do monopólio da política e aí está o calo. Os políticos profissionais resistem. Vão perder a guerra, aliás, já é uma guerra perdida.

Isto me lembra a fábula dos ratos que incomodados com um gato novo, esperto e feroz que chegara na casa onde eles tomavam conta. Reunidos em assembleia, as lideranças discutiram saídas. Chegaram à brilhante ideia de colocar um sino no pescoço do gato. Proposta aprovada na assembleia, aplaudida e comemorada. Um dos ratos levantou o braço e questionou quem colocaria o tal guizo no pescoço do gato. Ninguém apareceu e a decisão foi continuar correndo do gato. Então a pergunta que fica agora é quem vai colocar o alarme, ou seja, quem vai dizer o que é e o que não é uma fake news.

*José Maria Trindade é repórter e comentarista de política na Jovem Pan.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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