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Avanço da direita na Europa deve enfraquecer ESG

Kellen Severo recebeu o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança e a diretora de relações internacionais da CNA, Sueme Mori

O avanço da direita na Europa segue no radar do agro brasileiro, especialmente após as eleições em Portugal confirmarem um avanço destes partidos. Esse movimento é reforçado pelos governos de outros países, também de direita, como na Holanda, Itália, Finlândia e Suécia. Entenda os efeitos para o agro brasileiro e as perspectivas para as eleições ao Parlamento Europeu, que acontecem em junho. Confira a conversa que tive com o cientista político e deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP) e com a diretora de relações internacionais da CNA, Sueme Mori.

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Que sinal o avanço da direita na Europa está nos dando?
Luiz Phelippe de Orleans:
Por um lado, tem sinais positivos. Ou seja, a agenda altamente interventora da União Europeia está com os dias contados. Os governos locais de praticamente todos os grandes países, as grandes economias da Europa já estão reagindo contrário à imposição de agenda verde, à imposição de uma agenda imigratória. Há também a questão social. Tudo isso vem em função de uma agenda que vem do poder supranacional da União Europeia imposta nos países membros. Então, a direita vem como uma revolta a essas imposições. Agora, por outro lado, que a direita tem um aspecto libertador, não só da sociedade, mas também em outros aspectos da economia. Na questão do agro, ela age com sentido inverso, com o polo trocado. Porque cada um desses países tem um agro bem desenvolvido, altamente tecnológico e altamente importante, estratégico para cada um dos países. Então, o que a União Europeia está forçando é que os países sacrifiquem o seu agro local em benefício de acordos multilaterais, e esse tipo de postura, na minha opinião — e na opinião, obviamente, da direita europeia — está por se terminar. Esses acordos multilaterais de bloco entre bloco já estão com seus dias contados. Os países têm adotado medidas cada vez mais protecionistas, começando pelas grandes economias. Estamos falando aqui dos Estados Unidos, China, Japão. Então, o efeito multiplicador de políticas protecionistas no mundo todo é uma tendência natural, e a direita também representa isso. O Brasil não pode continuar a querer fechar um acordo com a União Europeia. Acho que isso é negativo. Eu acho que é positivo que os países adquiram cada vez mais autonomia porque aí os acordos que podem surgir são acordos bilaterais e que também podem ser beneficiado, o agro brasileiro pode ser beneficiado, só que de uma maneira muito mais granular. Ou seja, através de setores individualmente fechando o negócio e não depender desses acordos de bloco, que eu acho que é positivo. Claro que do ponto de vista negativo, era a expectativa de que todos tinham, mas na minha opinião, era uma falsa expectativa de que a União Europeia um dia iria fechar acordo com Mercosul. Eu não vejo isso acontecer, nunca aconteceu nos últimos 30 anos de Mercosul e certamente o agro está no fulcro desse problema. Não vejo como negativo de uma maneira bem pragmática e nominal. Eu só vejo que é uma diferente maneira de conduzir os negócios de agora em diante com essa nova direita que surge.

A mudança, com mais direita na Europa, vai impactar a agenda verde?
Luiz Phelippe de Orleans: Certamente que sim. Veja as mobilizações que aconteceram na Europa nos últimos meses, não é nem um ano. Tivemos a Holanda se mobilizando massivamente ao ponto que o agro da Holanda formou um partido para destituir o governo. Então essa foi a força do agro exatamente por uma imposição utópica de uma agenda verde completamente fora do aplicável. Isso teve ramificações não só na Holanda, mas depois vemos a Alemanha, depois a França e agora diversos outros países também entraram nessa seara de rechaçar esse plano verde. Veja, que, de todas as políticas que a União Europeia conduz, que são de fato nocivas, interventoras na sociedade e na economia, a política verde de interferência no agro é a que mais mobiliza e que mais gera efeitos políticos. Nós temos que, nitidamente, uma tendência para que a direita ganhe uma maioria da União Europeia e que limite, no mínimo limite, essa agenda verde por lá. Isso, de certa maneira, é positivo. Se eles estão limitando a agenda verde por lá, significa que eles não podem impor uma agenda verde aqui, que era o que estava acontecendo através do acordo bilateral do Mercosul. No entanto, se eles começam a liberalizar demais os mercados de lá, outros setores começam a ser competitivos e começam a rivalizar com o agro brasileiro. Então, eu vejo assim: esse é o balanço da discussão, é muito similar ao que acontece na minha opinião na Argentina agora. A Argentina está com um novo governo, quer de fato colocar o agro de volta para o seu esplendor, e a Argentina sempre foi um grande produtor do agronegócio, um rival natural do Brasil, mas que estava sendo cerceado da sua competitividade exatamente por essa grande intervenção do Estado, conduzido por esses planos utópicos do governo socialista do [Alberto] Fernández. Mas agora, com o governo Milei, o agro argentino passa a ser mais competitivo. Então veja que tudo é uma questão de balanço e reequação. Na minha opinião, vai ter muito mais oportunidade no mundo para o agro brasileiro. Ao mesmo tempo, vai ter muito mais competitividade de jogadores e de players que voltam ao cenário mundial com força.

Qual vai ser a principal agenda da direita lá na Europa? O que muda a partir de agora, além desses aspectos que você já falou?
Luiz Phelippe de Orleans:
Se a direita vencer na União Europeia, teremos aí um efeito político muito diferenciado, sobretudo a condução da guerra na Ucrânia, que, querendo ou não, afeta a questão econômica, afeta o agro e afeta as relações que o Brasil tem com várias regiões do mundo. Além daquela região, além da própria Rússia e da Ucrânia, há outros desdobramentos em termos de apoiamento. Se por acaso a direita vencer na União Europeia, a questão da guerra com a Ucrânia e posicionamento da Otan e dos países europeus com relação à Rússia e à Ucrânia pode mudar. Lembrando que muitos dos países, muito da direita europeia é mais nacionalista e mais centrista nos seus próprios países e menos vontades interventoras em países fronteiriços ou demais países. Então, com a ascensão dessa direita, é muito provável que você tenha uma possível pacificação da questão da guerra ou ao menos uma neutralização da Europa com relação à guerra, o que pode também ajudar nessas questões políticas. Isso é uma conjectura minha aqui. Outro desdobramento que eu acho é importante nessas políticas sociais e também políticas ambientais que afetam Brasil, sobretudo questões da Amazônia — e questões de muitos desses grupos de interesse que usam a União Europeia como base de lobby político —, vão perder essa alavanca política e ficar um pouquinho menos apadrinhados na negociação com as entidades e o governo brasileiro aqui, sabendo que o governo brasileiro está muito em linha com as entidades interventoras e com o planos utópicos ambientais. No entanto, os grupos de interesses externos vão ficar diminuídos em função de você não ter a União Europeia como plataforma de barganha. Isso é importante também, tem desdobramentos aqui e em outra região do mundo.

Dentro dessa perspectiva que você elenca, vários fatores que são importantes para a agenda do agronegócio brasileiro estão, na sua perspectiva, num horizonte de curto prazo? Essa mudança já está em curso com impactos no curto prazo, ou seja, em 2024?
Luiz Phelippe de Orleans:
Absolutamente, sim. A antecipação é total, a tendência já é material em vários sentidos. Sentidos econômicos, políticos, e sentidos sociais. Nós vemos até aqui na questão brasileira, e até na questão americana, com a possível vitória do Trump nos Estados Unidos. Muito das políticas, muito das narrativas, muito do empenho e daquele momento político que se cria em torno de narrativas, isso está vencendo, ou seja, vencendo do ponto de vista de estar caducando. Então, nós estamos vendo uma nova série de narrativas já sendo adotadas e já tendo aplicabilidade naqueles que são os agentes interlocutores do momento. Essa transição já está acontecendo, é uma tendência natural. Eu acho que não vai ser uma ruptura, mas certamente será uma limitação muito importante para o que estamos vendo aí. Sabemos que os planos dessas agendas 2030 e todas essas agendas ambientalistas são extremamente limitadoras do agro. No fundo, é quase que colocar o agro sobre uma concessão. E a propriedade e o domínio daquilo que se faz com agro deixa de ser dos empresários brasileiros e passa a ser uma concessão de Estado. Então, você acaba limitando esse tipo de foco, esse tipo de perspectiva. Eu acho que isso é positivo para o agro brasileiro, temos que deixar o agro brasileiro livre.

A lei antidesmatamento vai mesmo entrar em vigor neste ano se uma composição do Parlamento Europeu se alterar?
Sueme Mori:
Para responder ela objetivamente, tem que ter uma bola de cristal. Mas o tudo indica que sim, que a lei vai entrar em vigor, mas a Comissão Europeia está atrasada na implementação. Já era para terem saído os chamados guidelines setoriais. Isso não saiu. Já era para ter sido feita a classificação dos países, isso também não saiu. Então, dentro da Comissão Europeia, existe uma discussão de que, por exemplo, a questão da classificação dos países, os países entrarão em vigor quando a legislação entrar em vigor. Ela já está em vigor, mas quando ela passar a ser cobrada. Os países todos serão classificados como risco médio, e isso vai se manter até a Comissão Europeia conseguir fazer a classificação dos países que já está atrasado e eles já assumiram isso, que está atrasado. Para ela não ser cobrada efetivamente como está previsto, tem que voltar tudo. Você tem que rediscutir tudo lá dentro, por isso que nos parece, pelas discussões que a gente está acompanhando lá de Bruxelas, que vai ter um atraso nessas duas questões, vai ter um atraso na classificação, um atraso no guideline. Ela vai entrar em vigor, mas não da forma como estava sendo previsto antes. As eleições do Parlamento Europeu vão mexer muito, eu concordo. Porque todo esse movimento que a gente viu acontecer desde o final do ano, dos protestos dos agricultores europeus botam pressão às vésperas das eleições. A Ursula von der Leyen entrou num acordo muito grande com Os Verdes. Quando ela entrou para ser presidente da Comissão Europeia e tinha um acordo entre Alemanha e França, que são as economias mais fortes. A gente vê declarações dos próprios Verdes, inclusive, dizendo assim: “A culpa da mudança climática não tem que ser colocada em cima dos agricultores. Essa conta é uma conta que tem que ser dividida”. Claramente uma preocupação como impacto desses protestos na eleição, né? Hoje nós temos um centro-direita, um centro-esquerda que está lá. Essa questão da direita, os dois extremos, a gente já viu acontecer outros movimentos não tão fortes quanto esse, de um crescimento. Só que o que a gente está vendo agora, e aí já foi falado aqui antes, é que países já demonstraram isso. Esse movimento, como foi dito antes, já está acontecendo. A gente vai ver essa questão nas eleições do Parlamento Europeu. A minha impressão é que ele vai continuar, ele vai ser um centro, não vai ser para os dois lados tão extremo assim, mas a pauta verde perde força nessa eleição. Está sendo muito questionado, do ponto de vista de crescimento da própria economia europeia. Todas essas medidas que foram colocadas, os europeus, os agricultores estão dizendo que eles não têm dignidade para viver, que a renda deles não é suficiente para eles terem dignidade. Então isso tudo vai impactar. Já está impactando as eleições nacionais e vai impactar, sem dúvida nenhuma, a eleição do Parlamento em junho.

A gente está próximo do fim da agenda 2030?
Luiz Phelippe de Orleans:
O ESG, que também faz parte aí do combo de dominância global, aquela questão de social, governança e ecologia que era imposta nas empresas, o ESG já está com os dias contados. Os grandes protagonistas do ESG já estão pulando fora do barco exatamente porque a rentabilidade das empresas que obedecem esse plano ESG é mais baixa daquelas que não obedecem. E o mundo no bloco dos Brics é muito mais amplo e não há esse tipo de política e o capital e todos os investimentos estão indo muito desse bloco. Estou falando aqui da Rússia, China, Índia, Arábia Saudita, Indonésia, todos esses países não necessariamente querem seguir a agenda ESG. E o mesmo está acontecendo com outras dinâmicas da agenda 2030, que vem com o mesmo intuito, só que com canais diferentes. Lembrando que o ESG é através das empresas, enquanto que a agenda 2030 é uma agenda política. Então a agenda política, ela acaba também perdendo forças, você perde os agentes de barganha internacional. Em termos nacionais, não vejo nenhum país que se autoimpõe uma agenda 2030 porque isso é uma limitação que você coloca na sua própria sociedade, você se autoimpõe uma série de regulamentações que aí somente aqueles países que de fato tem um poder, um governo socialista com viés totalitário, vão querer aplicar, somente para ele ter mais poder e ter mais controle sobre diversos setores. O agro estaria praticamente dominado se a agenda 2030 fosse implementada por completo, lembrando que tem controle de preço de grãos e de uma série de minerais embutidos nessa questão da agenda 2030, além de outras questões sociais e econômicas. Então, eu vejo que um grande poder de barganha, que é a União Europeia, assim como os Estados Unidos, que é outro grande poder de barganha da agenda 2030, e da política ESG estão para sair de cena, como sendo os grandes protagonistas dessas duas agendas. E o outro bloco internacional, que é o bloco do Brics não está abraçando essas duas agendas políticas. Então acho que, na minha opinião, temos chances de ter mais liberdade e prosperidade, a não ser que o governo brasileiro individualmente unilateralmente, resolva adotar a agenda 2030 por questões ideológicas ou uso de controle interno aqui, mas eu não vejo o poder de barganha externo sendo tão forte quanto ele é hoje. Acho que a tendência é de queda desse poder externo. Então aí fica a questão porque que nós estamos nos auto impondo a agenda 2030 se externamente outros países não vão estarão obedecendo, muitos deles estão pulando fora.

Essa discussão toda que estamos tendo aqui afeta o agricultor e o pecuarista de qual maneira? Eu sei que tem muita gente aplicando muitos recursos para estar em conformidade com as regras europeias, sob pena de não conseguir acessar esse mercado.
Sueme Mori:
O agro brasileiro é muito pragmático. Não é à toa que a gente vende para mais de 180 países. Ou seja, a gente acaba se adaptando. O privado, quando você fala de ponto com para ponto com, que é o comprador e o vendedor, nessa relação, o agrobrasileiro se adapta e a gente sabe que isso vai acontecer também. A União Europeia é o segundo principal destino das exportações do agro brasileiro e para algumas cadeias, como você citou do café, frutas, farelo de soja, assim a gente vende muito para lá, então existe uma preocupação. A gente já tem relatos, inclusive, de produtores que não estão conseguindo vender porque o importador europeu está com receio de comprar agora e lá na frente essa legislação 2025, ela passar a ser cobrada e ele não conseguir cumprir as exigências. Porque, pela legislação europeia, todo o ônus da prova e penalidades cai em cima do importador. Então, por causa disso a gente já tem relatos de dificuldade para negociação. As eleições no Parlamento devem diminuir um pouco o peso da agenda verde, mas esse movimento está acontecendo. Ele está acontecendo, a gente sabe que outros países (Reino Unido, Estados Unidos…) fizeram um estudo enorme no ano passado com relação à viabilidade dos Estados Unidos adotarem uma medida que eles chamam relacionadas a cadeia de fornecimento livres de desmatamento. Então, está acontecendo a discussão na Europa, e essa questão que foi falada do ESG, eu sempre falo isso. Assim, o termo sustentabilidade, ele acabou sendo pintado integralmente de verde. Nesse momento que ele foi pintado integralmente de verde, você esquece o lado econômico — e você está falando de um negócio. A produção agropecuária é um negócio, precisa ser rentável e viável para o produtor. Se ele não for, ele vai trocar, ele vai fazer outra coisa. Então, se você pesa muito a mão para um pilar, e aí nesse caso, eu estou falando do ambiental, e você esquece a viabilidade econômica, essa é a reclamação principal que está acontecendo na Europa agora. Eles mesmos impuseram isso, impuseram boa parte para o resto do mundo também nas falas do próprio documento do Green Deal do pacto verde. A grande justificativa da descarbonização do Bloco é também que a União Europeia deveria ser líder nessa agenda mundialmente. Então ela deveria de alguma forma forçar os outros países, a puxar os outros países para elevar seu nível ambientalmente correto, como eles falam. Então, eu acho que essa agenda continua, mas essa discussão do equilíbrio que tem que existir entre os pilares, isso que eu acho que é o mais importante agora que está acontecendo. E o agro vai se adaptar porque a gente se adapta e é isso que a gente faz.

 

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