Lei faz São Paulo trocar plástico descartável por papel, material 460% pior para o meio ambiente

O papel tem impacto ambiental maior em sete de oito indicadores, gasta mais energia, quatro vezes mais água, emite quatro vezes mais gases do efeito estufa e causa 90% mais acidificação da atmosfera

  • Por Leandro Narloch
  • 04/01/2021 14h45
Pixabay Copo plástico pode ser proibido em SP Estabelecimentos de São Paulo não podem dar mais itens de plástico aos clientes desde o dia 1º de janeiro

Desde 1º de janeiro, nenhum bar, hotel ou restaurante da cidade de São Paulo pode dar aos clientes copos, talheres e pratos descartáveis de plástico. A lei prevê que os estabelecimentos usem materiais biodegradáveis ou reutilizáveis no lugar. Os vereadores e o prefeito Bruno Covas criaram a proibição pensando no problema do lixo, mas se esqueceram de um detalhe: a lei está levando os restaurantes de delivery a trocar o plástico pelo papel, um material muito pior para o meio ambiente.

O governo britânico fez em 2011 o que os governos do Brasil deveriam fazer: uma extensa análise de ciclo de vida, comparando o impacto ambiental de objetos de diversos materiais. Levou em conta o que acontece com as sacolas desde o nascimento, quando a matéria-prima é produzida, até depois do descarte. As sacolas de papel, essas que muita gente acha sustentável, se saíram pior em sete de oito indicadores ambientais. Elas gastam mais energia, quatro vezes mais água, causam mais esgotamento de recursos naturais, 90% mais acidificação da atmosfera, 14 vezes mais eutrofização (o acúmulo de nitrogênio e fósforo na água). Como as sacolas de papel são seis vezes mais pesadas e ocupam mais espaço, exigem mais transporte. Para se carregar a mesma quantidade de um caminhão de sacolas de plástico, são necessários pelo menos 6 caminhões com sacolas de papel. O mesmo vale para outros objetos de papel. 

O prefeito de São Paulo disse que a proibição do plástico é “um avanço civilizatório” e que a medida evitará “a explosão dos gases de efeito estufa presentes nos aterros sanitários”. Mas o papel emite quase quatro vezes mais gases do efeito estufa que o plástico. Para se produzir mil sacolas de plástico, emite 1,5 quilo de carbono equivalente, contra 5,5 kg no caso das de papel. Vejam o nível do absurdo: com o mundo todo falando em emergência climática, em aquecimento global, as cidades brasileiras estão incentivando o uso de uma sacola que emite mais carbono na atmosfera. Um estudo da Unifesp de 2019 concluiu que o papel tem um impacto ambiental 460% maior que o plástico. 

Só tem um critério ambiental em que o plástico perde: o lixo, claro. O lixo plástico é um problema gravíssimo – ele entope bueiros, voa pela cidade, vai parar no mar. Esse problema não tem escapatória: precisa de uma boa gestão de resíduos, o trabalho que a prefeitura deveria fazer. A tecnologia também pode ajudar: hoje há usinas que por meio da pirólise transformam lixo em energia, sem emitir gases tóxicos como as usinas tradicionais de incineração. E o fato do papel ser biodegradável não significa que tem um impacto ambiental menor. Dependendo de como o lixo de papel for tratado, pode emitir metano, um gás com 24 vezes mais potência para gerar aquecimento global que o dióxido de carbono. Banir os plásticos não é exatamente “avanço civilizatório”, e sim um modismo. Uma entre tantas leis bem-intencionadas, que muitos ambientalistas apoiam, mas que tendem a piorar o problema que deveriam resolver.

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