Rússia posiciona mísseis nucleares para ameaçar Ucrânia, mas Putin teria coragem de apertar o botão?
Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, bombas atômicas apenas serviram como elemento de dissuasão; ninguém sabe qual o saldo de um ataque desta magnitude com poder do armamento de hoje
Esta semana, a invasão completa um ano e quatro meses. À medida que os ucranianos comemoram pequenas retomadas de território, o conflito passou a ser disputado no terreno da retórica. A Rússia subiu o tom e colocou em prática um dos conceitos da guerra: a dissuasão. Exibir força ao inimigo intimida o oponente a se engajar no enfrentamento direto. Desde o final da Segunda Guerra, em 1945, a extinta União Soviética construiu o maior arsenal de ogivas atômicas. Com a queda do conglomerado comunista, as bombas ficaram sob o controle de Moscou. Acordos foram assinados com as ex-repúblicas soviéticas, para que os governos que surgiram a partir da década de 1990, no Leste Europeu, não tivessem a mesma vantagem que o Kremlin. Diante da ameaça, países que se posicionaram no espectro político oposto também se armaram. E mais do que isso, se uniram em torno de uma aliança militar na qual os principais integrantes tinham os chamados “mísseis táticos”. O constante clima de tensão durou cinco décadas e entrou para a história como “Guerra Fria”. Apesar das intimidações dos dois lados, jamais uma bomba nuclear foi usada depois dos ataques ao Japão. O que não significa que a tecnologia tenha estacionado. Muito pelo contrário.
Hiroshima foi a primeira vítima da tecnologia bélica que marcou o último estágio da Guerra. A explosão teve a energia equivalente à detonação de 16 toneladas de dinamite. Três dias depois, Nagasaki sentiu um impacto ainda maior: 20 toneladas de dinamite. As bombas disparadas em 1945 causaram uma destruição calculada em quilotons, a medida cuja referência são toneladas de TNT. Os dois bombardeios, juntos, mataram 110 mil pessoas quase que instantaneamente. As gerações posteriores de ogivas passaram a usar outros combustíveis, que criam novas reações físico-químicas muito mais destrutivas. Tanto que a medida subiu para megatons (mil toneladas de dinamite). As bombas de 1945 eram pulverizantes, ou seja, tinha capacidade de transformar em pó tudo que estava no epicentro. As armas de hoje, são vaporizantes. Isso significa que a onda de calor é tamanha que muda o estado da matéria. É este tipo de armamento à disposição de Putin. Não necessariamente, o presidente russo deixou à disposição de seu exército, mísseis com essa capacidade destrutiva. Até porque o segredo faz parte da estratégia. Na recente manobra, o Kremlin soma mais um componente à coação: Belarus. O país compõe uma tríplice fronteira com a Rússia e Ucrânia, e cujo presidente segue completamente alinhado com Moscou desde a posse, em 1994. Foi dali que partiram colunas de tanques e caminhões de suprimentos rumo ao território invadido, em fevereiro de 2022.
No caso de um ataque nuclear russo contra os ucranianos, por exemplo, os bielorrussos sofreriam as consequências, que variam desde a contaminação de eventuais resíduos radioativos até uma retaliação de aliados de Kiev; sem contar prováveis condenações por cumplicidade em tribunais internacionais. De novo: a magnitude da explosão da mais poderosa bomba russa, hoje, arrasaria um raio de 35 quilômetros. Trata-se, apenas, de um cálculo teórico. Quase impossível prever impactos no meio ambiente a médio e longo prazo, por exemplo, ou de que maneira a tragédia forçaria novas ondas de migração. Do mesmo modo, o futuro econômico do alvo é uma incógnita. No campo da geopolítica, tampouco se pode antever reações. Algo fora do comum tende a provocar respostas igualmente inéditas. Muito dos movimentos de Putin foram garantidos pelo apoio da China. O presidente russo previa o rechaço do Ocidente, ao passo que projetava conseguir com Pequim contratos que fossem embargados pelos Estados Unidos e União Europeia. Dito e feito. Só que está na diretriz do Partido Comunista Chinês romper com nações que usem armas de destruição em massa, mesmo que a própria China se reserve ao direito de tê-las.
Sobrou para os Estados Unidos uma mancha na História, ao atingir alvos civis com a maior arma da época. Apesar da condenação moral de alguns, Washington se beneficiou por ter desequilibrado – a favor dos americanos – a balança da bipolaridade hegemônica. A Rússia de hoje não está no mesmo pé de igualdade. Moscou não é o hegemon do século XXI. Importante lembrar que vivemos em outros tempos, nos quais a reputação tem peso relevante no sistema mundo. Um ataque nuclear contra a Ucrânia enfraqueceria o inimigo, possivelmente, a um ponto irrecuperável. E provavelmente isolaria Putin a ponto de ameaçar o capital político dele.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
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