Cancelamento de Pepe Le Gambá por machismo é o fim do tempos

Pegando carona nas manifestações contra o famoso gambazinho, mais desenhos passaram a ser revisitados por ‘ferir a moral e os bons costumes’, como Ligeirinho e Tom e Jerry

  • Por Paulo Mathias
  • 14/03/2021 08h00
Warner Bros/Reprodução Gambá de desenho animado abraçando e assediando uma gambá fêmea, que tenta se desvencilhar O gambá com sotaque francês, segundo os “inquisidores”, assedia, de forma insistente, a gata Penélope, que foge de suas investidas

Quando eu era criança, mais especificamente aos seis anos de idade, grudava em frente à TV para assistir a um desenho da Looney Tunes, Space Jam. Eram muitos personagens contracenando com o ídolo do basquete americano, Michael Jordan. No meio deles, um animal, conhecido como Pepe Le Gambá. Recentemente, ele foi cancelado da saga, logo após um artigo publicado pelo colunista Charles M. Blow, do The New York Times, em que afirmava que Pepe Le Gambá, por seu comportamento machista, normalizava a cultura do estupro. Mais um ‘mimimi’ para a coleção dos defensores da moral e dos bons costumes, do “politicamente correto”, enquanto o mundo está de ponta-cabeça, vivenciando o caos da pandemia. Com isso, as cenas das quais o gambá fazia parte foram excluídas, e o personagem cancelado dos futuros projetos da Warner Bros. Pepe Le Gambá fez sua estreia na TV em 1945. O gambá com sotaque francês, segundo os “inquisidores”, assedia, de forma insistente, a gata Penélope, que foge de suas investidas. Mas a coisa não para por aí. Pegando carona nas manifestações contra o famoso gambazinho, mais desenhos passaram a ser revisitados em busca de personagens que possam ferir a moral e os bons costumes. Outro personagem clássico de animação da Warner, Ligeirinho, está prestes a ser cancelado, uma vez que é visto como uma representação preconceituosa do povo mexicano. Em Tom e Jerry, outro desenho clássico, desta vez da Hanna Barbera, a crítica é para a aparição de uma empregada negra, com uma voz caricatural, exibida apenas das pernas para baixo. E aí eu me questiono: aonde tudo isso vai parar?

Perante essas notícias que buscam diluir as lembranças de muitos, como eu, que cresceram assistindo a esses desenhos, precisamos compreender melhor o que essa “cultura do cancelamento” pretende passar para as futuras gerações. O que se prega com essas atitudes extremistas é que quem fez parte desse momento teve sua formação moral abalada por conceitos próprios considerados machistas e discriminatórios. Quanto a mim, um apreciador dessas animações, em nada afetou os valores que me foram passados na infância e que procuro transmitir para minha filha. Em nada. Saibam de uma coisa: o politicamente correto é uma das maneiras mais medíocres de fazer as pessoas parecerem intelectuais. É uma espécie de tirania educada, bem fofa, mas que não deixa de ser uma censura.

Para uma breve ideia, essa busca desenfreada por justiça levou até uma professora, nos Estados Unidos, a ser acusada de ter tirado um cochilo, durante uma reunião online sobre justiça racial. Assim como a demissão de repórteres que têm seus artigos considerados pela redação de jornais e revistas para os quais colaboram, como “fora dos padrões” da empresa. Como foi o episódio em que o cientista político Yascha Mounk foi demitido pela revista em que prestava serviço, por uma foto em que fazia o sinal de ok, com possível conotação racista, após assinar o manifesto Cafferty. Assim como ele, os casos “cancelados” crescem a cada dia, porém, para alguns, têm uma repercussão contrária, trazendo benefícios para quem os pratica. A própria Karol Conká, participante eliminada do BBB, é um bom exemplo disso.

O que resta diante de tudo que se apresenta a nossos olhos, é um sentimento de incompreensão e absoluta inversão de valores, em um momento que o mundo pede união para sairmos desse status quo de tantas perdas humanas e materiais, em que deveríamos nos preocupar em cancelar o que nos causa mal-estar, desemprego, falta de perspectivas futuras, diante desta realidade delicada em que vivemos. Chega de enxergar o que não existe. Vamos focar em valores consistentes, pois, do contrário, muitas pessoas, personagens e empresas podem ser “canceladas” injustamente, levando a mais desemprego e desesperança. Deixemos de lado os “mimimis”, com um olhar para o futuro, buscando agir de forma menos preconceituosa, mais confiante e verdadeira. Menos é mais.

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