Comunicação da CoronaVac foi uma amostra de como não se portar numa crise

Os constantes adiamentos sobre a divulgação de dados, datas e transparência dos resultados da vacina criaram ainda mais dúvidas na população, reduzindo sua confiança no processo

  • Por Paulo Mathias
  • 17/01/2021 08h00
SUAMY BEYDOUN/AGIF - AGÊNCIA DE FOTOGRAFIA/ESTADÃO CONTEÚDO - 30/12/2020 A CoronaVac é a vacina contra a Covid-19 produzida pelo Instituto Butantan Segundo dados divulgados pelo Instituto Butantan, a eficácia global da CoronaVac é de 50,38%

No atual panorama de expectativa sobre a chegada da vacina de combate ao coronavírus, a CoronaVac, no estado de São Paulo, instalou-se um verdadeiro caos na comunicação entre governo e população, colocando os interesses e prazos políticos acima da ciência. Os resultados dessas informações, recheadas de incertezas, trazem para nós uma sensação de impotência, insegurança e dúvida a respeito da veracidade das notícias. Uma verdadeira amostra de como não se comunicar numa crise. Com dados pouco transparentes e prazos não cumpridos, um dos grandes prejuízos é que esses ruídos na comunicação não tenham transmitido de forma clara à população a real situação da eficácia da vacina e a urgência de sua aplicação.

Nos últimos meses, o governador de São Paulo, João Doria, trouxe à população um sentimento de expectativa em torno de dados sobre a vacina. Para a comunidade científica, a falta de clareza por parte do governo deu a sensação de que algo estava sendo ocultado e divulgados apenas os dados que interessavam ao governo. A demora do anúncio da eficácia da vacina CoronaVac pelo governo estadual preocupou os pesquisadores, que consideraram esses ruídos na comunicação um sério dano à confiabilidade da vacina. A comunicação recente de 50,38% de eficácia geral da vacina em questão, revelada esta semana pelo Instituto Butantan, só serviu para confundir mais a população, ampliando a desconfiança. A verdade mesmo é que se criou uma expectativa que não foi cumprida.

Em um artigo publicado no jornal Folha de São Paulo nesta semana, o médico Daniel Dourado apontou que todos os números divulgados sobre as vacinas servem para confundir ainda mais a população e que o que realmente importa é a cobertura vacinal, atingindo toda a população-alvo. Concordo com ele. Para isso, acredito ser necessária uma comunicação que incentive as pessoas a se vacinarem. Mais uma vez, devemos nos atentar aos “perigos” de uma comunicação imprecisa em um momento tão delicado como o que estamos passando. Nesse sentido, os constantes adiamentos, ao longo do tempo, sobre a divulgação de dados, datas e transparência sobre os resultados da CoronaVac, como anúncios precipitados sobre a eficácia desta vacina, divulgada anteriormente como 90%, depois 78% e agora por volta de 50%, criaram ainda mais dúvidas na população, reduzindo sua confiança no processo, às vésperas do início da vacinação.

Outro ponto importante a ser considerado, em meio a tantas turbulências causadas pela falta de clareza na comunicação por parte tanto do governo de São Paulo quanto do governo Bolsonaro, é a questão da resistência da população em se vacinar. Segundo o Datafolha, em dezembro de 2020, 22% dos entrevistados responderam que não pretendiam se vacinar contra a Covid-19, sendo que em agosto do mesmo ano, essa porcentagem era de 9%. Além da ampliação para 50%, quando se trata de uma vacina de procedência chinesa. A omissão de informações claras também contribui para a instauração de uma comunicação falha de pontos cruciais para um bom entendimento por parte da população, tranquilizando suas expectativas.

O que sabemos, com certeza, é que Doria e Bolsonaro travam uma disputa política, de olho nas eleições presidenciais de 2022, a respeito da vacina. E o que se vê são impactos extremamente negativos que essa turbulência na comunicação está causando a uma população sedenta por resultados, em um país que tem registrado mais de mil mortes por dia. A transparência deve ser o norte de todo esse processo. Os prazos políticos não podem sabotar o tempo da ciência. Não se pode transmitir uma sensação de que o poder público quer esconder algo. As informações precisam ser claras e abertas, e não fragmentadas. Pra finalizar: em quem devemos confiar? Certamente nos dados da ciência, que se contrapõem a muitas informações tendenciosas de uma “mão de ferro” entre governo federal e o governo estadual. Só temos a lamentar que chegamos ao ponto de ter que implorar por isso, sem sequer estarmos seguros de quando veremos uma luz no fim do túnel.

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