Qual o limite para a ‘desobediência’ de Bolsonaro?

Após seguidas interferências do STF, posição do presidente diante do eleitorado começou a se desgastar, mas Alexandre de Moraes deu a ele a oportunidade de se rebelar

  • Por Reinaldo Polito
  • 03/02/2022 10h00
Mateus Bonomi/Agif/Estadão Conteúdo - 02/02/2022 Jair Bolsonaro caminha em meio a bandeiras no evento de abertura do ano legislativo Bolsonaro alega que não compareceu a depoimento na PF porque exerceu seu direito de ausência

Desde a posse de Jair Bolsonaro o poder Judiciário tem interferido no Executivo. Decisões que são prerrogativas do presidente da República acabam canceladas pelo STF. Uma das mais relevantes ocorreu em abril de 2020, quando o ministro Alexandre de Moraes suspendeu o decreto de nomeação e a posse de Alexandre Ramagem para o cargo de diretor-geral da Polícia Federal. Alguns analistas disseram que esse foi o primeiro erro de Bolsonaro. Ao aceitar essa interferência, perdeu o respeito e teve a sua autoridade comprometida. Outros dizem que ele se curvou diante dessa decisão para evitar ruptura entre os poderes. Por um ou outro motivo, de lá para cá, Bolsonaro nunca mais teve sossego. Vira e mexe, o mesmo Moraes atravessa a Praça dos Três Poderes para fazer valer suas decisões, quase sempre monocráticas.

Em maio de 2020 o STF, mais uma vez por ordem de Alexandre de Moraes, autorizou uma operação de mandados de busca e apreensão contra aliados de Bolsonaro. A justificativa foi o inquérito que apurava os ataques à Suprema Corte e à disseminação de fake news. O presidente se sentiu atacado pessoalmente e resolveu revidar. Em discurso indignado, disse: “Acabou, porra! Me desculpem o desabafo. Acabou! Não dá para admitir mais atitudes de certas pessoas individuais, tomando de forma quase que pessoal certas ações”. Quem ouviu essa declaração talvez tenha acreditado que o Executivo não admitiria mais as interferências do Judiciário. Só que Bolsonaro ficou apenas nas palavras, pois as ações do STF continuaram sem que ele pudesse fazer nada. Na verdade, sua posição diante do eleitorado começava a se desgastar. As pessoas viam na sua passividade um sinal de fraqueza. 

Sentindo que deveria agir, convocou a população para que participasse de uma megamanifestação no dia 7 de setembro. Disse que esperava um aviso, uma autorização dos brasileiros, para que pudesse tomar decisões. O povo atendeu ao chamado e compareceu em massa. Bolsonaro discursou em palanques armados em Brasília e na Avenida Paulista, em São Paulo.  Ao ouvir os gritos de “eu autorizo, eu autorizo”, o presidente não teve outra saída a não ser proferir um discurso contundente. Sem ponderar muito sobre as palavras, disse em tom exasperado: “Não se pode admitir que uma pessoa apenas, um homem apenas, turve a nossa democracia e ameace a nossa liberdade. Dizer a esse ministro que ele tem tempo ainda para se redimir. Tem tempo ainda de arquivar seus inquéritos. Ou melhor, acabou o tempo dele. Sai, Alexandre de Moraes. Deixa de ser canalha. Deixa de oprimir o povo brasileiro, deixa de censurar seu povo”.

O confronto estava aberto. A impressão que deu foi a de que ele havia “queimado os navios” para não ter mais volta. Passado o momento de emoção, com os ânimos serenados, Bolsonaro se deu conta da armadilha que armara para si próprio. Se deixasse as pessoas irem em frente com ataques ao STF, com certeza sofreria processo de impeachment. A solução foi recorrer ao ex-presidente Michel Temer, que havia indicado Moraes para o cargo de ministro. Depois de algumas conversas, acertaram um pacto de não agressão. Ou seja, ficava o dito pelo não dito. Infelizmente para o presidente, a história de ingerência continuaria. Sem ter como se defender, Bolsonaro passou a ser visto como fraco. Ganhou até a alcunha de “Frouxonário”. Às vésperas das eleições, era tudo o que ele não precisava. Teria de encontrar uma tábua de salvação. Sem perceber, o próprio ministro acabou por mostrar ao presidente a porta que ele procurava. 

Ao obrigar Bolsonaro a depor na Superintendência da Polícia Federal, por ter divulgado informações sigilosas sobre a invasão de hackers aos computadores do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o ministro deu a ele a oportunidade de se rebelar. Bolsonaro não foi. O presidente alegou que não compareceu porque exerceu seu direito de ausência. Como não havia indicação de sigilo quando as informações foram divulgadas na live, os advogados afirmam que o presidente não incorreu em crime. Transitando no limite da desobediência, Bolsonaro pôde mostrar aos seus eleitores que o STF não o intimida e que não se sujeita às imposições de Alexandre de Moraes. Tirou da testa o carimbo de frouxo e ganhou mais um fôlego para os próximos rounds. Alguém duvida de que, em poucos dias, teremos novos confrontos? É só lembrar que em agosto a chefia do TSE passará para as mãos de Moraes. Siga pelo Instagram: @polito.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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