Um livro que exigiu disciplina e persistência para ser encontrado

Sou, provavelmente, o maior colecionador de livros antigos de oratória em português; tão fascinante quanto encontrar determinados livros é a tarefa de procurá-los

  • Por Reinaldo Polito
  • 10/10/2024 07h00
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Arquivo pessoal/Reinaldo Polito livros estante Polito nao usar 'No meu acervo, encontram-se obras de 1700 a 1950; alguns desses exemplares raríssimos, tenho procurado diariamente ao longo de décadas'

Vou compartilhar como a minha paixão por livros antigos me levou a enfrentar desafios inesperados. Essa jornada me trouxe lições que aplico em várias áreas da minha vida. Sempre que percebo certo desânimo, relembro esses momentos e, a partir deles, renovo as energias para seguir em frente. Talvez você também tenha uma paixão que o inspire nos momentos em que os desafios parecem grandes, ajudando a encontrar o caminho necessário para prosseguir. Mais do que a simples história de um livro, aqui está um ensinamento que me ajuda nos momentos mais delicados.

Colecionador de livros antigos

Já comentei em várias ocasiões que sou, provavelmente, o maior colecionador de livros antigos de oratória em português. Tão fascinante quanto encontrar determinados livros é a tarefa de procurá-los.

No meu acervo, encontram-se obras datadas de 1700 a 1950. Alguns desses exemplares raríssimos, tenho procurado diariamente ao longo de décadas. Antigamente, percorrendo os sebos possíveis no Brasil, e consultando os alfarrabistas, em Portugal.

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A história de um livro

Há um livro particularmente que precisei de muita dedicação e paciência para conseguir todas as edições: “Lições elementares de eloquência nacional”, de Francisco Freire de Carvalho. A primeira publicada em 1834, e a última em 1880.

Para ter em mãos algumas de suas edições tive de contar com amizades, sorte e muita obstinação. Em meados dos anos 1970, comprei na Livraria Ornabi a 5ª edição, de 1856. Logo depois, envolvido pela boa conversa do Seu Luiz, dono da livraria, adquiri a 1ª edição, de 1834, com capa original.

Comecei a busca 

A partir daí, pesquisei e descobri que haviam sido publicadas 8 edições, a última em 1880. Decidi, então, sair à procura de todas elas. A 2ª, de 1840, foi uma grande peripécia. Um querido amigo português, Mário Romão, viajou de Lisboa até o Porto para pegar o livro em um alfarrabista. Quanta gentileza!

E assim fui completando. Faltavam duas: a 4ª, de 1850 e a 7ª, sobre a qual não havia notícia da data da sua publicação. Alguns amigos alfarrabistas em Portugal me diziam: ‘Professor, deve haver algum engano, pois essa edição não consta em nenhum trabalho acadêmico. Talvez tenham pulado.

As conversas com o mestre

Fui muito amigo do professor Silveira Bueno, um dos mais importantes filólogos do país. Eu visitava sua casa com frequência e vasculhava de ponta a ponta o seu imenso acervo. Conversar com ele e explorar sua vasta biblioteca era um dos meus maiores prazeres. Ele faleceu em 1989.

Um belo dia, vejo anunciado na internet a 7ª edição. Até me belisquei. Será que não é engano? Para a minha alegria, era mesmo a 7ª edição e autografada pelo Silveira Bueno.

Passou despercebido 

Se essa raridade já me seduzia, com a assinatura do grande mestre, então, tornava-se ainda mais preciosa. Devo ter trombado com o livro em minhas visitas à sua casa e não vi a obra. Pouco tempo depois, descobri em um antiquário de Santa Catarina outra 7ª edição, só que de 1870. Ou seja, a de 1878 era uma segunda tiragem.

Faltava um

Tudo isso, me tornava cada vez mais apaixonado pela coleção. Mas não havia jeito de encontrar a 4ª edição. Soube da existência de um exemplar na Universidade de Pernambuco. Mandei mensagem para o reitor. Ele sequer respondeu.

Certa noite, comentei com os alunos sobre o livro e relatei a história da universidade pernambucana. Um deles me disse: professor, sou sobrinho do ministro da Educação, Mendonça Filho. Ele é muito amigo desse reitor. Talvez consiga convencê-lo. Não conseguiu! E assim, todos os dias, sem falhar um, fiz pesquisa nos sites de busca e nos sebos eletrônicos. Não encontrava, mas também não esmorecia. Um dia haveria de ser meu.

Enfim, encontrei

Esta semana, finalmente, tremi de emoção ao ver a edição de 1850 anunciada pela internet. Comprei imediatamente com receio de que alguém adquirisse na frente. Está em minhas mãos!

Essa edição marca um momento significativo na história da nossa literatura. Pela primeira vez, o autor introduziu gêneros de composição histórica, filosófica, dialógica, epistolar e romântico-histórica, com o objetivo de “instruir a mocidade neste ramo de literatura amena”. Foi a partir dessa iniciativa que os estudos começaram a se desenvolver.

Desde a primeira edição, Freire de Carvalho declarou que se baseou nos ensinamentos de Quintiliano para compor seu livro: “Segui, mais do que em nenhum outro, as pisadas de Quintiliano, pois ele é o grande mestre dessa disciplina”. 

Coleção completa

O “novo’ exemplar já se juntou aos “seus colegas” das outras edições. Essa coleção está completa. A 1ª, de 1834; a 2ª, de 1840; a 3ª, de 1844; a 4ª, de 1850; a 5ª, de 1856; a 6ª, de 1861; a 7ª da 1ª tiragem, de 1870; a 7ª da 2ª tiragem, de 1878; e a 8ª, de 1880. São os meus tesouros. Cuido de todos com o mesmo carinho e atenção.

Agora, vou partir para novas buscas. Uma delas, que também persigo há mais de 40 anos, é “Lições de retórica para uso da mocidade brasileira”, de José Maria Velho da Silva, publicado em 1881. Vamos ver se algum dia essa seja mais uma boa história para contar. Siga pelo Instagram: @polito

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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