‘Precisamos olhar para dentro de casa antes de culpar a escola’, diz especialista em comportamento sobre bullying

Eduardo Toledo responde a 5 perguntas que todo pai deve se fazer e ressalta que todos somos réus quando a tragédia vira notícia

  • Por Renata Rode
  • 28/03/2023 11h14
Taylor Flowe/Unsplash crianças em sala de aula Crianças e adolescentes podem dar sinais e mudar comportamento ao serem vítimas de bullying

A manhã do dia 27 de março não será esquecida tão facilmente por milhares de brasileiros que acompanharam o noticiário sobre o atentado na escola da Zona Sul de São Paulo que atingiu quatro professoras e dois alunos e tirou a vida de Elizabeth Terreiro, de 71 anos, que lecionava como propósito de vida (que Deus conforte a família e “tenha piedade de nós”). Afinal, as cenas das câmeras do circuito interno rodaram o mundo e nos trouxeram uma pergunta que não quer calar: “poderia te sido evitado?”. Sim. De acordo com Eduardo Toledo, especialista em bullying e pós-graduado em psicopedagogia e comportamento humano, a prevenção ainda é o melhor remédio. “Acredito que prevenir deve ser uma ação firme e constante, quase que repetitiva, para que possamos ter sucesso. O que acontece muitas vezes é que a ‘figura de cuidado’ dessa criança não a conhece e não se preocupa em conhecer melhor o dia a dia dela. Pai, mãe, tio, avó, quando observam, acabam sendo omissos em não querer reconhecer, diagnosticar e tratar o que pode parecer diferente. Essa prevenção acontece tanto na escola quanto em casa. E em casa a observação das atitudes, uso de celular, séries na TV, deve ser ainda maior”, ensina Toledo. 

Segundo o terapeuta, em um caso como o dessa tragédia, precisamos acordar e olhar para dentro de casa antes de culpar a escola, já que se faz necessário um trabalho em conjunto com a família e a escola, sempre. “Precisamos valorizar mais os educadores, instituições de ensino e trabalhar em conjunto, não simplesmente transferir a responsabilidade 100% para a instituição. Onde está o papel de educar, de mostrar o respeito, a valorização da vida? Esse trabalho começa em casa. A escola, por sua vez, deve atuar com atividades para estimular o trabalho em grupo, o respeito pelo próximo, a compreensão das diferenças, a boa convivência, e oferecer aos pais ajuda médica e/ou psicológica para a criança ou adolescente, quando necessário. Há quatro anos faço palestras semanais para crianças e adolescentes sobre o bullying em um projeto especial na cidade de Bragança Paulista que contempla desde o infantil, através do lúdico, até o ensino fundamental, e isso fez e faz diferença na vida da comunidade”.

Estamos vivendo um caos em relação à saúde mental, à exposição em redes sociais, “padrões de beleza”, filtros, onde pode acontecer o cyberbullying, por exemplo, que leva jovens a atentar contra a própria vida, em alguns casos. E, ao mesmo tempo, com esse avanço tecnológico, muitos pais ou “figuras de cuidado”, como Toledo diz, têm se distanciado de seus filhos, tanto no aspecto de dar carinho e atenção quanto em querer ser mais participativo na vida escolar. A pedido desta coluna, o profissional listou 5 comportamentos que devem ser identificados por responsáveis pelas crianças e merecem cuidado e avaliação, no intuito de preservar não só a vida como também a sanidade, integridade e autoestima de nossos filhos.

  • O agressor de bullying apresenta um comportamento específico que pode ser notado pelos responsáveis?

Sim. Na verdade, no dia a dia o adulto pode sentir que aquela criança ou adolescente não está bem quando percebe que ele não sabe resolver seus problemas e conflitos com conversa; sempre tem o instinto de querer ser superior aos demais; não sabe lidar com seu nervosismo, com sua raiva; quer mostrar aos outros que é mais forte, ou até mesmo liderar tudo e todos, impondo sempre suas vontades; aparece com objetos novos em casa; pode estar sempre desafiando o outro e tem envolvimento em brigas constantes.

  • A partir de qual idade a criança ou adolescente pode dar sinais de que está sendo vítima de bullying? Como os pais podem perceber?

Os casos de bullying podem começar bem cedo, quando a criança começa a ter convívio social ou escolar. Ainda no começo da idade escolar pode ser atitude de ingenuidade, mas já começam casos de isolamento social, de brigas físicas por nervosismo, de perseguições, entre outros. Podemos observar casos mais evidentes a partir dos 7 anos e casos mais graves a partir dos 11, quando eles estão entrando na adolescência. Os pais devem observar alguns sinais de alerta: dificuldade de aprendizagem da criança; sinais de mudança emocional/comportamental como: tristeza, apatia, melancolia, ansiedade, pânico; agressividade; solidão; situações em que a criança começa a evitar ou não desejar ir à escola, inventando desculpas que precisam ser investigadas; situações em que a criança evita convívio social em festas, clubes e reuniões; algumas podem apresentar dificuldade em contar sobre o dia de aula, problemas, brigas; outros podem sinalizar com mudança até de apetite, comendo muito ou evitando comer; apresentam sudorese pelo nervoso e dificuldades no sono, com pesadelos.

  • Tem algum teste que posso fazer em casa para detectar se meu filho está com algum problema? Para sondar de maneira disfarçada o cenário?

Sempre digo que é essencial que os pais estimulem o diálogo e acompanhem a vida escolar do filho. Olhe os cadernos, mesmo que não haja lição de casa, esteja atento ou atenta ao que ele escreveu ou desenhou. Outra dica que ensino é estimular o filho a contar sobre o dia dele com detalhes, com perguntas que façam com que ele responda além do sim ou não. Além disso, é sempre bom saber quem são os melhores amigos, se tem alguém que está se queixando de algo, enfim, é preciso mais do que nunca estar e se mostrar presente. É preciso pensar que o bullying existe por ter três personagens: agressor, vítima e testemunhas. Explique isso para a criança de forma que ela sinta que pode ajudar alguém se souber de uma situação de agressão física ou psicológica, mesmo que ela não seja vítima nem agressor. 

  • As escolas, os professores, o que podem fazer para evitar esse tipo de tragédia?

Capacitação sempre da escola, e isso eu digo para todos os funcionários da instituição, porque muitas vezes um caso de bullying pode começar por uma piada ou algo que um funcionário ou professor fala na escola. Isso acontece na família também, casos de bullying fomentados dentro de casa. Para evitar, é necessário estimular cada vez mais os trabalhos em grupo, a comunicação e o respeito pelo outro. É possível até mesmo trabalhar com ludicidade (teatro, música, artes) e utilização de jogos para falar do tema. A escola deve ao máximo observar de forma preventiva tudo o que acontece em sala de aula e nos pátios. Existem algumas pesquisas que afirmam que os casos de bullying acontecem mais dentro da sala de aula do que em local externo, então é preciso estar atento.

  • Por favor, dê dicas para prevenir o bullying.

Vamos lá: estimule o trabalho em grupo, amizade e o respeito pelo outro, atuando fortemente com as testemunhas ou plateia. Ainda, é preciso mostrar cada vez mais as consequências do bullying, não só para os alunos, mas também para a família, porque só dessa forma será possível entender a gravidade dos fatos. Sempre promova o diálogo em casa e na escola. Oriento as escolas a deixarem uma urna, aplicativo ou telefone, para denúncias anônimas de casos de bullying ou outro tipo de agressão ou assédio; capacitar todos os funcionários da instituição escolar para saber como diagnosticar, tratar e combater casos de bullying e comunicar sempre os pais sobre o que está acontecendo.

Como mãe, posso confessar que chorei hoje ao ver as cenas e me senti na obrigação de dividir com meus leitores medidas para que possamos não assistir mais enredos como esse. Dedico a coluna de hoje para duas almas poderosas, corajosas e exemplares: a que infelizmente deixou esse plano, escolhida como primeira vítima do adolescente que planejava a ação já há dois anos (que Deus a tenha, já que além de profissional única que lecionava Ciências, era muito querida e deixa 3 filhos e 4 netos) e a professora de Educação Física identificada apenas como Cintia, que imobilizou o menor e evitou outras mortes e mais desdobramentos ao decidir, em uma fração de segundos, enfrentar e parar o rapaz em descontrole. “E livrai-nos de todo mal, amém?”

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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