Entenda a importância da reclamação prévia antes do ajuizamento das ações de consumo

Projeto de Lei em tramitação na Câmara dos Deputados pode inovar nas Relações de Consumo

  • Por Ricardo Motta
  • 10/06/2023 10h00 - Atualizado em 10/06/2023 17h35
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Pixabay/Creative Commons martelo marrom jurídico apoiado em cima de uma mesa Embora a proteção judicial seja uma das ferramentas disponíveis aos consumidores na busca pelos seus direitos, é importante estabelecer critérios que evitem abusos

Com a diversificação das opções de consumo e a complexidade dos produtos e serviços disponíveis, conflitos entre consumidores e empresas são uma ocorrência frequente e acabam se tornando inevitáveis. São problemas que podem variar desde defeitos em produtos até a má prestação de serviços. Tudo isso nos leva à inegável conclusão de que a relação entre consumidores e empresas tem se tornado progressivamente complexa.

Esse crescente aumento anual do número de ações judiciais de consumo, tem gerado uma sobrecarga no sistema Judiciário e aumentado o tempo para que consumidores obtenham as soluções dos seus problemas. E embora a proteção judicial seja uma das ferramentas disponíveis aos consumidores na busca pelos seus direitos, é importante estabelecer critérios que evitem abusos e que garantam que o consumidor tenha esgotado as possibilidades de solução extrajudicial antes de recorrer ao Poder Judiciário, onde muitos vislumbram o recebimento de indenizações, independente da ocorrência de algum dano. 

Esta necessidade de o consumidor buscar uma solução para o seu problema de consumo diretamente com a empresa, antes de buscar respaldo no Judiciário, tem ganhado destaque através do Projeto de Lei 533/2019, apresentado pelo Deputado Júlio Delgado, que visa estabelecer esse requisito essencial para o recebimento de uma ação judicial de consumo. Ao exigir que o consumidor demonstre ter procurado previamente a empresa, cria-se uma oportunidade para que as partes envolvidas cheguem a um acordo amigável, evitando assim o congestionamento do Poder Judiciário com demandas que poderiam ser resolvidas de forma mais rápida e eficiente.

O PL 533/2019 apresenta alguns pontos importantes em relação à exigência de comprovação prévia do contato com a empresa. Dentre eles, podemos destacar os seguintes:

  1. A obrigatoriedade de que o consumidor demonstre ter buscado uma solução junto à empresa ou por meio de uma reclamação administrativa, antes de ingressar com a ação judicial;
  2. A previsão de prazos para que a empresa responda à reclamação do consumidor, garantindo assim um tempo razoável para a tentativa de solução amigável;
  3. A criação de mecanismos para o registro e acompanhamento das reclamações, a fim de assegurar a transparência e a efetividade do processo.

Uma forma de solução extrajudicial é a reclamação administrativa, pela qual o consumidor formaliza sua queixa junto aos órgãos competentes, diretamente nos Procons ou através da plataforma consumidor.gov. Além das reclamações administrativas, outro importante recurso para a solução prévia de problemas de consumo é a utilização do SAC (Serviço de Atendimento ao Consumidor) e Ouvidorias, que funcionam como canal de comunicação entre o cliente e a empresa, permitindo o registro da sua reclamação e a busca por uma solução direta para o seu problema.

No âmbito da exigência de comprovação prévia do contato com a empresa, cabe ao consumidor a obrigação de demonstrar a existência prévia de uma reclamação administrativa ou do uso dos SACs. Essa comprovação pode se dar por meio de documentos, como protocolos de atendimento, e-mails, cartas ou até mesmo gravações de chamadas telefônicas. Sem essa comprovação, uma vez aprovado o PL 533/2019, o consumidor poderá ter sua demanda judicial indeferida, sendo orientado a buscar primeiro a solução extrajudicial para o seu problema.

Apesar da proposta do Projeto de Lei 533/2019 exigir a comprovação prévia de tentativa de solução do problema de consumo, é importante ressaltar que esta exigência enfrenta obstáculos jurídicos, especialmente em razão do direito à inafastabilidade do controle jurisdicional, previsto em nossa Constituição Federal, artigo 5º, inciso XXXV. Este princípio constitucional do acesso à justiça é um direito fundamental, que garante a todos os brasileiros a possibilidade de acesso ao Poder Judiciário e à Justiça, e uma exigência de comprovação prévia pode ser interpretada como uma restrição a esse direito.

Embora controverso, entendo que o PL possui fundamentos sólidos, capaz de trazer benefícios aos envolvidos e ao judiciário. Em um cenário de constantes mudanças e avanços legislativos, a possível implementação do PL 533/2019 representa um novo marco para as relações de consumo. A necessidade de comprovação da prévia tentativa de resolução do problema reforça a importância da negociação e do diálogo entre consumidores e empresas, mas também levanta questões sobre os limites e desafios para a garantia dos direitos do consumidor. 

A proposta está em tramitação na Câmara dos Deputados e a sua aprovação é incerta. Além de enfrentar resistências e desafios, também existem questões práticas a serem resolvidas. A despeito desses desafios, a proposta traz à tona a necessidade de um debate sobre o papel do consumidor na busca por soluções para seus problemas de consumo e o papel das empresas nesse processo. No final das contas, essa nova visão busca não só aliviar o Poder Judiciário, mas também promover uma cultura de diálogo e resolução de conflitos fora dos tribunais. E mesmo com todos desafios e obstáculos, a implementação bem-sucedida dessa estratégia poderá levar a uma transformação significativa na maneira como lidamos com os problemas de consumo no Brasil.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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