Liberal no discurso, governo copia os erros da esquerda

Assim como fez Dilma Rousseff, o presidente Jair Bolsonaro reduziu impostos de combustíveis, segurou o preço da gasolina e acena com mais gastos públicos para recuperar a economia

  • Por Samy Dana
  • 24/02/2021 10h00
Wallace Martins/Futura Press/Estadão Conteúdo - 26/11/2020 Jair Bolsonaro e Paulo Guedes Oriundo da Universidade de Chicago, tradicional centro de estudo do pensamento liberal, Paulo Guedes simboliza o liberalismo no governo Bolsonaro

A Venezuela tem a gasolina mais barata do mundo. Com o valor de um ovo de galinha, dá para comprar 93,3 milhões de litros. A mesma quantidade de combustível custa no Brasil R$ 483,6 milhões, considerando o litro da gasolina a R$ 5,20. É claro que nenhum venezuelano paga isso por um ovo. A gasolina é tão barata que na prática sai de graça. É uma abstração decimal. Apesar de barata, está em falta na Venezuela. A intervenção do governo, reduzindo os preços na marra, retirou o incentivo para que seja produzida. Como o preço de venda não cobre a produção, a PDVSA, outrora poderosa estatal venezuelana do petróleo, hoje quebrada, não tem dinheiro para comprar no exterior os produtos químicos necessários para o refino. O governo exporta petróleo, importando combustível do Irã e da Rússia mais caro para depois oferecer de graça. Mas só quando tem no posto. As cidades venezuelanas chegam a ficar semanas sem gasolina.

Como a carga tributária do país é relativamente baixa, em torno de 25% do PIB, o governo imprime dinheiro descontroladamente para pagar as despesas. Em 2020, a inflação venezuelana foi de 3.000%. Ou 4.000% em outros cálculos. Os donos de carros ganham o benefício, mas a conta é paga por toda a população. Não é só a gasolina que não vale nada na Venezuela. O dinheiro também. Hugo Chávez, o ex-ditador do país, e seu sucessor, Nicolás Maduro, controlaram os preços dos derivados do petróleo. Obtiveram popularidade ao custo da hiperinflação e do aumento da pobreza. Bolsonaro não é Hugo Chávez. Mas, na prática, seu governo, apesar do discurso liberal, mais repete a agenda da esquerda do que atua pela liberdade econômica.

Dilma Rousseff, por exemplo, reduziu impostos dos combustíveis. O governo atual acaba de fazer o mesmo com o PIS-Cofins, com uma renúncia fiscal estimada em R$ 3 bilhões. Sob Dilma, entre 2011 e 2015 a Petrobras não aumentou os preços da gasolina. Já Bolsonaro acha que o combustível deveria ser 15% mais barato. O atual governo também fala em meter a mão na energia, nas palavras do presidente. No governo da petista, a conta de luz ficou mais de 30% mais barata. O Planalto prometia uma explosão de crescimento, mas, com menos retorno, o setor elétrico perdeu investimentos. O que encareceu muito mais as tarifas depois para os consumidores.

Há ainda a ala do governo, com os ministros militares, que defende mais gastos públicos para recuperar a economia. E os defensores da volta do auxílio emergencial sem que esteja definido de onde o governo poderá tirar o dinheiro. Fora as privatizações que nunca saem do papel. De novo, a esquerda… De liberal mesmo no governo, até agora, só aquilo que já reunia algum consenso e tinha se tornado inevitável: a reforma da Previdência e agora a independência do Banco Central. É pouco diante dos problemas da economia do país. Mais uma característica, aliás, de qualquer agenda de esquerda já aplicada no Brasil.

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