Cracolândia, até quando?

Não é mais aceitável que um espaço público esteja tomado por uma espécie de cenário de filme de zumbis

  • Por Pedro Henrique Alves
  • 26/08/2023 08h00 - Atualizado em 26/08/2023 10h04
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MARIO ÂNGELO/AE/AE/ Cracolândia Dados do Levantamento de Cenas de Uso em Capitais (LeCuCa) mostram que a maioria dos moradores da Cracolândia já estão lá há mais de cinco anos, em média 57% da população daquela região

No último dia 16, um homem de 54 anos foi esfaqueado e veio a óbito após uma tentativa de assalto na Cracolândia; segundo testemunhas, o assassino seria um usuário de crack que morava naquela região há tempos, um conhecido viciado. Esse é um dos últimos casos relatados pela grande mídia sobre aquela região caótica da grande São Paulo, entretanto, situações como assaltos à mão armada, furtos, tráfico, entre outros crimes, se tornaram o cotidiano mais contumaz daquela localidade; bastaria ir hoje lá, e parar para conversar com algum trabalhador da região, e ele nos atualizaria o noticiário policial do dia. E o mais assustador, caros leitores, sai governo, entra governo, e nenhuma solução efetiva é implementada com sucesso.

Poucas vezes o Estado de São Paulo se encontrou tão impotente como quando o papo é “o que fazer com a Cracolândia”. Pois bem, como filósofo, em nada especialista em saúde psiquiátrica, não serei eu aqui a propor soluções imediatas, porém, exatamente como paulista, filósofo e trabalhador da grande São Paulo, vejo-me na posição de cobrar com veemência ante esse descalabro bizarro, um terreno quase que anárquico e juridicamente paralelo em plena maior cidade do país. Talvez haja dezenas de pontos de vista sobre o que acontece ali, visões discordantes sobre inumeráveis aspectos do que deve ser feito, mas há somente uma certeza cortante para aqueles que têm o mínimo de sanidade mental e capacidade analítica: algo tem que ser feito para acabar com aquilo urgentemente.

Não é mais aceitável que um espaço público esteja tomado por uma espécie de cenário de filme de zumbis; na minha última passagem por lá, encontrei duas adolescentes grávidas, uma delas com pedras de crack na mão, padres que tentavam trazer à luz o que restava de consciência naqueles indivíduos carcomidos pelo brutal vício nos mais variados tipos de entorpecentes, crianças que já nasceram naquela realidade amorfa, além de trabalhadores e transeuntes ostentando olhares que misturavam medo e revolta. Um dos testes de fogo de Tarcísio, aliado à prefeitura de São Paulo, nos próximos três anos e pouco, trata-se de encontrar um modo de acabar com aquele vácuo de civilidade e mínima ordem existencial. Se isso se dará por internação compulsória, por algum tipo de realocação ‒ o que, sinceramente, das ideias estúpidas do que se fazer com a Cracolândia, de longe é a pior ‒, ou por algum desses arranjos românticos/fofos dos sociólogos da USP, não sabemos, mas é fato manifesto que não é mais minimamente sustentável manter aquilo como hoje está.

Dados do Levantamento de Cenas de Uso em Capitais (LeCuCa) mostram que a maioria dos moradores da Cracolândia já estão lá há mais de cinco anos, em média 57% da população daquela região. Isso nos mostra o quão ineficiente têm sido as tentativas de revitalização do local, já que, ao menos desde 2016, aquele local está tomado pelos usuários e pelo tráfico; e evidencia também o fracasso retumbante do estado e da prefeitura em determinar um tratamento psiquiátrico e social eficientes para os usuários. Tudo isso ainda corrobora os dados da prefeitura de São Paulo do primeiro semestre de 2023 sobre a Cracolândia, estima-se um crescimento dos usuários, no local, na casa dos 27% entre janeiro e julho deste ano com relação a 2022.

Cabe saber, agora, se o Executivo do estado, se o prefeito de São Paulo, ao contrário dos governantes anteriores, terão peito e coragem política para enfrentarem a sempre idiotizada crítica acadêmica dos utópicos humanistas de ocasião que, sempre que qualquer medida mais dura é aventada, aparecem com seus crachás de especialistas a fim de criticarem as atuações sem oferecerem, por sua via, qualquer solução alternativa minimamente viável. A quem interessa a Cracolândia, afinal? Ao crime organizado, à bandidagem camuflada, ao tráfico endêmico e a toda sorte de coisificação e indignidades acumuladas sobre indivíduos oprimidos por assombrosos e permanentes vícios.

Acredito que o sucesso ou fracasso de uma boa governança em São Paulo, para os próximos anos, passará necessariamente pelas decisões que serão tomadas com relação à Cracolândia. Mídia, intelectuais, especialistas, até agora, só derramaram suas defesas amorfas de um suposto humanismo que parece preferir a “liberdade” vegetativa dos entorpecidos, que sequer reconhecem mais a mínima regra de razoabilidade e pudor, do que ações enérgicas que prometem finalmente tentar retirar o torpor do fracasso social e humano que a Cracolândia hoje representa a todo Brasil. Então se querem uma dica, caros governantes, ponderem sobre a melhor estratégia com os melhores profissionais possíveis, mas não se abalem com as histerias dos ideologizados, preocupem-se em retomar aquele espaço para os cidadãos paulistanos, oferecendo a alternativa mais humana e psiquiatricamente viável para os usuários, todavia, sem mais tardar, sem recuar mais um passo sequer por medo político.

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