‘É preciso combater o racismo com coragem’, diz prefeita eleita de Bauru após ameaças
Mulher, negra, jovem e conservadora, Suéllen Rosim foi alvo de ataques e ameaça de morte: ‘Quero cobrar uma abertura de diálogo e que o racismo pare de ser falado somente no cantinho da sala’
A primeira prefeita mulher de Bauru (SP), Suéllen Rosim (Patriota), que teve 55,98% dos votos válidos, foi alvo de ataques racistas nas últimas semanas, incluindo ameaças de morte. Negra, conservadora, evangélica e jovem, a jornalista, que iniciou a carreira política em 2018, afirmou nesta segunda-feira, 7, em entrevista ao programa Direto ao Ponto, da Jovem Pan, que, ao se deparar com as agressões, a primeira reação que teve foi procurar a polícia e tomar as medidas necessárias para encontrar e processar os autores. “Eu olhei para tudo aquilo e, em vez de ficar triste, pensei ‘vou procurar a polícia agora’. Precisamos combater isso com coragem. Não vou deixar em silêncio”, disse a parlamentar. Uma das pessoas, que escreveu que ela tinha “cor de favelada” e que a “senzala estaria no poder nos próximos anos”, é um homem negro e funcionário público. No depoimento, ele alegou que queria “provocar uma discussão”. “Ele dizia que as críticas que surgiam eram camufladas de racismo e que queria deixar as pessoas ‘abrirem o coração’. Eu discordo. Se você quer o respeito, não precisa atacar para tornar isso público. Foi uma surpresa pra mim ele ser negro, mas o processo continua, porque ele disse o que disse”, afirmou Suellen. A parlamentar foi sabatinada pelo apresentador Augusto Nunes, por Fabio Zanini, repórter especial da “Folha de S.Paulo”, Alessandra Balles, editora da “Veja São Paulo”, Salcy Lima, apresentadora do jornal “Fala Brasil”, da TV Record, e Lívia Zanolini, apresentadora do programa “Tá Explicado”, da Jovem Pan. O “Direto ao Ponto” vai ao ar todas as segundas-feiras das 21h30 às 23h e é transmitido pelo canal Jovem Pan News, no Youtube, e pelo Panflix.
Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 20% dos prefeitos eleitos em 2020 nas cidades com mais de 200 mil habitantes se autodeclaram negros — pardos estão incluídos neste percentual. Dos 94 escolhidos, porém, apenas dois se declaram pretos: Professor Lupércio (Solidariedade), em Olinda (PE), e Suellén, em Bauru. As mulheres, por sua vez, vão chefiar apenas 12,1% das prefeituras. “Me sinto como se tivesse aberto uma porta há tanto tempo fechada. Eu sempre falo que o exemplo fala mais do que as palavras, e eu me sinto um exemplo para muitas mulheres e negros. Tanto para mulheres que tem receio de se envolver politicamente, quanto para pessoas negras que são barradas porque tende a existir uma comparação. Eu vivi isso na pele”, pontuou a parlamentar. Através da sua presença no Poder Legislativo, a prefeita quer cobrar uma abertura de diálogo, com o objetivo de que o racismo pare de ser falado “somente no cantinho da sala”. “Quero que as pessoas tenham a liberdade de denunciar e entendam que tem situações que precisam mudar. Eu cresci em um espaço que não me importo com o que pensam de mim, mas quando li aquela mensagem, me impulsionou. Não existe diferença nenhuma, somente a que ele criou, e vou denunciar para que ele não fale isso para outras pessoas”, afirmou a jovem, voltando a citar as ameaças que sofreu.
Ao falar sobre quais políticas acha necessárias para que haja um avanço na luta pela igualdade racial no Brasil, Suéllen se posicionou a favor das cotas, mas “não para sempre”. “Tenho esperança de, em um futuro, isso ser menos discutido porque as pessoas já tornaram as coisas diferentes. Mas ainda existe isso [racismo], e para acabar precisamos explicar para as pessoas. Nesse momento, precisamos trabalhar muito as cotas na cabeça da população. Quantas prefeitas eleitas foram mulheres e negras? Quase não temos. Então isso ainda acaba sendo um impulso importante”, afirmou. A parlamentar disse, no entanto, ser contra movimentos que trazem “violência e falta de diálogo na base”, como o Black Lives Matter, nos Estados Unidos. Em algumas cidades, as manifestações puxadas pelo movimento tiveram confrontos e quebra-quebra. “Acho que existem outras formas de falar e se posicionar sobre isso. Você pode se manifestar, mas existem formas mais naturais e efetivas de se fazer isso hoje”, destacou Suéllen.
‘Quero ser um divisor de águas’
Pronta para assumir o cargo no dia 1º de janeiro, a prefeita também comentou sobre os projetos e as prioridades na cidade de Bauru. Um dos maiores problemas que o município enfrenta atualmente é a crise hídrica causada pela estiagem prolongada. Embora saiba que essa é uma das maiores dificuldades da população, Suéllen ressaltou que a resposta não será imediata. “Não temos como arrumar um problema grave que é a falta da água em tempo recorde, mas vamos fazer esse sistema funcionar de forma muito mais organizada. Quero fazer um bom trabalho e deixar um legado. Sei que é difícil, pois estou pegando uma cidade cheia de problemas pontuais e uma população cansada disso”, afirmou a parlamentar. Ela falou, também, sobre as questões que Bauru enfrenta por causa da crise da Covid-19, como o desemprego, principalmente por se tratar de uma cidade muito comercial.
Além disso, Suéllen defendeu o retorno as aulas presenciais, desde que respeitando um cronograma. “Vamos retomar no início do ano. Estamos pensando em um cronograma, as escolas não poderão estar cheias. […] Temos que encontrar o equilíbrio. Se não existir equilíbrio a gente cura uma coisa e prejudica a outra”, declarou, ressaltando que contratou as pessoas que farão parte de sua equipe não por afinidades políticas, mas sim por capacidades técnicas. A alcunha de ser uma mulher, negra e conservadora é algo que marca a personalidade de Suéllen. No entanto, ela afirmou que isso sempre “fluiu de forma muito natural” na sua vida, e que o respeito às pessoas é o que predomina. Ao falar sobre o governo do presidente Jair Bolsonaro, a parlamentar desejou que “vá muito bem”. “Ele está no barco comandando e não quero que naufrague, por que estou dentro dele. Eu carrego muitos princípios que o governo atual carrega e pondero algumas coisas. Se a gente não for bem, o Brasil não vai bem”, finalizou a prefeita.
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