Editorial: Decisão da Câmara pode entregar definitivamente a política brasileira a bandidos e mafiosos
A partir desta quarta-feira, se os congressistas não acordarem para a realidade em número suficiente, o sistema político brasileiro corre o risco de começar a caminhar para a clandestinidade, e seu destino poderá ser render-se a máfias e à bandidagem. E isso se dará com a colaboração expressa do PT, de outros partidos de esquerda e, ora vejam, até do PP.
A reforma política começou a ser votada na Câmara nesta terça. Os deputados rejeitaram qualquer das alternativas apresentadas ao atual modelo de eleição de deputados federais: o proporcional. Nenhuma das propostas obteve os 308 votos necessários: o sistema em lista, originalmente proposto pelo PT, obteve a adesão de apenas 21 deputados; o distrital misto, como queria o PSDB, de 99, e o distritão, defendido pelo PMDB, de 210. Assim, tudo fica como está, e um deputado muito votado continuará ajudando a eleger um sem-voto. E que se note: o distritão também teria sido uma péssima resposta.
Mas essa está longe de ser a pior notícia. A emenda que tornava constitucional a doação de empresas privadas a campanhas eleitorais também não foi aprovada, embora tenha obtido a maioria dos votos: 264 disseram “sim”, e 207, “não”. Peço que o leitor preste muita atenção aos desdobramentos.
Como é hoje? A Constituição é omissa a respeito da forma de financiamento. Ela nada define. No Parágrafo 9º do Artigo 14, repudia a influência do poder econômico. E só. A contribuição de empresas a campanhas eleitorais foi regulamentada pela Lei 9.504, de 1997. Note-se: tal texto só foi aprovado para diminuir o caixa dois nas campanhas. Até então, as pessoas jurídicas estavam proibidas de doar, mas até as pedras sabiam que essa proibição era burlada por meio do caixa dois. E que se note: mesmo com a legalização das doações, parte delas continuou na clandestinidade.
Nesta quarta, a Câmara vai votar a proposta que tem a marca do PT e das esquerdas: o financiamento público de campanha, eventualmente aberto a doações de cidadãos. Nesse caso, recursos bilionários teriam de sair do Tesouro para financiar a eleição. Duvido que se consiga pôr isso na Constituição. Também não haverá os 308 votos. Aí dirá alguém: “Mas esperem: se não se consegue mudar a Constituição, então fica tudo como está…”.
Errado! Lembrem-se de que uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) está no Supremo. E já há uma maioria de ministros que declarou inconstitucional o financiamento de campanhas por empresas — Gilmar Mendes pediu vista, e a questão está parada. Se o Congresso não mudar a Carta Magna, constitucionalizando as doações de empresas, o STF vai declará-las ilegais. E estará ele fazendo a reforma em lugar do Congresso. E estará ele fazendo o que o PT não tem maioria para fazer.
Aliás, o resultado de ontem expõe o absurdo da decisão do Supremo e mostra como o tribunal está tomando o lugar do Congresso e decidindo algo que vai contra a maioria. Insisto: se não existem os 308 deputados para alterar a Constituição, o normal seria que tudo ficasse como está. Só que não será assim: se o Parlamento não constitucionalizar as doações de empresas, a maioria dos ministros da Corte vai declará-las inconstitucionais.
Tal absurdo se desdobra em outro. Sem a doação de empresas, o dinheiro sairá de onde? Pode um tribunal obrigar o Congresso a aprovar o financiamento público? Insisto: NÃO ADIANTARÁ DEPUTADOS E SENADORES APROVAREM UMA NOVA LEI. SEM A MUDANÇA DA CARTA, O TRIBUNAL DIRÁ QUE EMPRESA ESTARÁ PROIBIDA DE DOAR. UM PROJETO DE LEI SERIA CONSIDERADO INCONSTITUCIONAL.
Tenho dúvidas se boa parte dos congressistas entendeu o que estava em votação. Não posso crer que parlamentares tenham aberto mão de uma prerrogativa para transferi-la ao Judiciário. Se e quando as doações de empresas forem proibidas — e se caminha para isso caso o Congresso não acorde a tempo —, o sistema político vai para a clandestinidade. Muito mais do que hoje.
A gritaria do PT
Foi, lamento a expressão, asqueroso ver o PT defender ontem com tanta energia o financiamento público de campanha, acusando o Parlamento de ficar de joelhos para as empresas. Nem parecia ser aquele o partido do mensalão. Nem parecia ser aquele o partido do petrolão. Nem parecia ser aquele o partido que arrecadou, em 2013, QUE NÃO ERA ANO ELEITORAL, NADA MENOS DE R$ 79 milhões. Insisto: não se disputou eleição nenhuma nesse ano. PMDB, PSDB e PSB, juntos, conseguiram R$ 46,5 milhões.
E, no entanto, estava lá o PT a gritar contra a constitucionalização das doações de empresas, afirmando que são elas que corrompem o poder político, como se os companheiros que estrelaram o petrolão e o mensalão fossem inocentes como as flores.
A decisão foi infeliz. Sim, é claro que o debate continua; que a reforma saída da Câmara ainda passará pelo Senado, onde pode ser modificada e que resta tempo para o Parlamento não se comportar como um guri que faz xixi na fralda e precisa do Supremo para socorrê-lo.
Só para pensar: o governo teve de cortar R$ 69,9 bilhões do Orçamento. Nenhuma área foi poupada, incluindo a social. Já imaginaram um governo propondo corte da verba destinada às eleições, hein? Ou será que elas mereceriam um percentual carimbado, imune a contingenciamento?
É bom Eduardo Cunha, presidente da Câmara, voltar à prancheta. Ele obteve, sim, uma vitória importante ao pôr para votar a reforma política. Mas foi derrotado duas vezes: no distritão e na forma do financiamento de campanha. A primeira derrota é boa para o país; a segunda pode ser catastrófica.
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