Editorial: Dilma mete os pés pelas mãos e reage à proposta de Cunha e Renan que submete comando de estatais à supervisão do Congresso

  • Por Reinaldo Azevedo/Jovem Pan
  • 02/06/2015 18h15
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Presidente Dilma Rousseff discursa durante posse do novo ministro da Educação Antonio Cruz/Agência Brasil Presidente Dilma Rousseff discursa durante posse do novo ministro da Educação

Independentemente de gostos ou de afinidade, fico realmente estarrecido com a inabilidade política da presidente Dilma Rousseff e de muitos dos que a cercam. Chega a ser, para empregar uma palavra a que recorro com frequência, estupefaciente. Já tratei aqui, por exemplo, da questão da maioridade penal. Por que ela tem de ter uma opinião? Por que não deixa isso para a sociedade debater? Por que não deixa que o Congresso exerça a sua vocação? Afinal, não faltam nas duas Casas pessoas que pensam como Dilma, que têm o seu mesmo viés ideológico. Mas quê… Ela tem de se meter. É um desgaste inútil. Nesta terça, na questão da Lei de Responsabilidade das Estatais, volto a errar.

Como se sabe, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Renan Calheiros (PMDB-AL), presidentes, respectivamente, da Câmara e do Senado, apresentaram um anteprojeto que, entre outras coisas, submete a indicação dos nomes de presidentes de estatais à aprovação do Senado. Não seria a única mudança. É claro que isso encurta as prerrogativas de um presidente da República. Vamos ver. O PT dispõe de bancadas robustas nas duas Casas; conta com um líder do governo na Câmara, com um no Senado e com outro no Congresso; pode, portanto, fazer valer o seu ponto de vista.

Eis que Dilma, em vez de se calar e deixar que flua o debate político, sai por aí a falar. Depois da cerimônia em que lançou o Plano Safra 2015/2016, a presidente afirmou que é preciso “respeitar a autonomia e independência dos Poderes no Brasil” e acrescentou: “Nós consideramos que a nomeação de estatais, de ministérios e de autarquias são prerrogativas do Executivo”.

Deus do céu! A coordenação política está a cargo de Michel Temer, vice-presidente da República e presidente do PMDB. Não é ele, certamente, que aconselha a presidente a se pronunciar sobre o assunto. Não fosse prudente e comedido, certamente não estaria mais no comando de uma máquina complicada como é o PMDB.

Ô diacho! É evidente que, nesta terça, haveria o risco de a presidente ter de se pronunciar a respeito. Ninguém recomendou a ela que lesse o Artigo 84 da Constituição, que define as atribuições e funções do presidente da República? Com efeito, o Inciso II diz que cabe ao chefe do Executivo “exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal”. Muito bem! Ainda que se partisse do princípio de que os comandantes das estatais aí estão incluídos, não se trata de uma cláusula pétrea. O Artigo 84 está entre aqueles que podem ser emendados.

Mas há mais do que isso. Leiam o que estabelece o Artigo XIV:
É atribuição do presidente : “nomear, após aprovação pelo Senado Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, os Governadores de Territórios, o Procurador-Geral da República, o presidente e os diretores do banco central e outros servidores, quando determinado em lei;”

Fim de papo. A rigor, nem seria necessário emendar o Inciso XIV; bastaria uma lei, aprovada por maioria simples na Câmara e no Senado. Mas o Congresso certamente fará a coisa certa e irá emendar esse Inciso XIV, acrescentando, entre os cargos submetidos à apreciação prévia do Senado, a presidência das estatais. E uma lei, depois, se encarregará do resto.

Dilma deveria saber, a esta altura, que as funções de um presidente da República não são Tábuas da Lei, gravadas por Deus num pedra, depois de se manifestar na sarça ardente. Não! As funções de um presidente da República serão aquelas que uma Constituição definir que serão.

As cláusulas pétreas da Constituição, não custa lembrar ainda uma vez, estão previstas no Parágrafo 4º do Artigo 60, a saber:
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I – a forma federativa de Estado;
II – o voto direto, secreto, universal e periódico;
III – a separação dos Poderes;
IV – os direitos e garantias individuais.

Submeter a chefia das estatais à prévia aprovação do Senado não fere a federação, não altera a universidade do voto, não ameaça a independência entre os Poderes — ao contrário: harmoniza-os — nem fere direitos individuais, que estão previstos no Artigo 5º.

Há mais: a crise política aguda por que passa o Brasil deriva, entre outros fatores, do fato óbvio de que as estatais acabam se organizando como Estados dentro do Estado. Pior: tal absurdo se dá em estreita ligação com mecanismos de financiamento de campanha. Eu diria que isso, sim, potencialmente ao menos, ameaça a Federação, macula a universalidade do voto, põe em risco a harmonia entre os Poderes e, no limite, agride direitos e garantias individuais.

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