Editorial: Rodrigo Janot, a corrupção e o fetiche-farsa da “ditadura”
José Eduardo Cardozo e Rodrigo Janot na Conferência Internacional de Combate a Corrupção
José Eduardo Cardozo e Rodrigo JanotO procurador-geral da República, Rodrigo Janot, participou nesta terça da Conferência Internacional de Combate à Corrupção. Fez um duro discurso contra os desmandos e cobrou o que tenho cobrado aqui com insistência: a demissão de toda a cúpula da Petrobras. Prometeu uma resposta firme, “na Justiça brasileira e fora do país” àqueles que assaltaram a Petrobras. Cobrou reformulações para que se aumente a transparência nas empresas públicas. Falou quase tudo certo, mas cometeu um erro que distorce os fatos e confunde a história.
Janot atribuiu os desmandos nas empresas públicas brasileiras a uma herança do regime militar. Afirmou: “A opacidade, o fetiche do sigilo e a cultura da autoridade deram o tom e o traço das relações dos agentes públicos com a sociedade civil por muito tempo, talvez por tempo demais, neste país”.
O procurador-geral está estupidamente errado. O que a nomeação de um Paulo Roberto Costa, por exigência do PP, tem a ver com o regime militar, senhor Janot? O que a nomeação de um Renato Duque, por exigência do PT, tem a ver com o regime militar, senhor Janot? O que a nomeação de Nestor Cerveró, por exigência do PMDB, tem a ver com o regime militar, senhor Janot? A resposta é esta: nada! Uma das coisas que têm de acabar no país é o fetiche, para empregar o mesmo termo que ele empregou, de sempre culpar a ditadura.
A roubalheira em curso na Petrobras e nas estatais brasileiras é fruto inequívoco de uma forma degradada de viver a democracia. Ela tem sido a consequência mais nefasta de um tal “presidencialismo de coalizão”, que se traduz, na prática, pelo loteamento da máquina pública, distribuindo pedaços do Estado brasileiro a grupos políticos que garantem seu apoio ao poder central. E isso vem a ser justamente o contrário do regime centralizado, ditatorial. Ocorre, doutor, que a balcanização da administração não é o oposto virtuoso da centralização, mas a sua degeneração perversa.
Querem ver? Dilma Rousseff está disposta a fazer de Anthony Garotinho (PR), ex-governador do Rio e candidato derrotado na eleição de 2014, um dos vice-presidentes do Banco do Brasil. Na sua carreira de, digamos, virtudes para ocupar cargo tão elevado, Garotinho tem uma condenação criminal por formação de quadrilha, entre outras dificuldades com a Justiça. Quais são as credenciais deste senhor para o cargo? Além de ele garantir alguns votos para Dilma Rousseff no Congresso, ninguém sabe.
Enquanto as estatais forem usadas como moeda de troca da composição política, não há a menor chance de as estatais terem uma gestão realmente profissionalizada. E isso, meu caro procurador-geral, nada tem a ver com a ditadura. Isso é, infelizmente, uma distorção da democracia à moda brasileira. “Ah, então a ditadura era melhor do que a democracia?”, pergunta o bobinho. Era menos corrupta. Então é preferível a ditadura à democracia? De modo nenhum! Não é só o grau de corrupção que faz uma nação mais civilizada ou menos. Tão importante como a decência no trato do dinheiro público é a garantia dos direitos individuais e coletivos, o que ditadura nenhuma pode oferecer.
Mas que não se venha, agora, com a farsa de que a roubalheira em curso é herança do regime militar. Não custa lembrar que todos os presidentes do ciclo militar morreram pobres. Isso não justifica nenhuma das violências cometidas naquele período. Mas que se dê a cada um a responsabilidade que tem e teve. E por que é importante corrigir essa mentira? Porque, quando se tem um diagnóstico errado, erra-se na terapia adotada e, pois, no prognóstico. Sendo assim, mente-se sobre o passado, faz-se besteira no presente e se compromete o futuro.
O Estado brasileiro e seus entes não podem ser objetos do toma-lá-dá-cá das composições políticas. Para que se diminua essa prática perversa, é preciso redirecionar as forças desse estado. Ele tem de estar mais presente em segurança, educação e saúde. E tem de estar menos presente na economia, onde dificuldades são permanentemente criadas por larápios para que facilidades possam ser vendidas.
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