Luto de crianças na pandemia precisa ser acompanhado, dizem especialistas
Médico e neuropsicóloga ensinam maneiras de ajudar os menores a lidarem com a perda de entes queridos; Brasil se aproxima das 500 mil mortes pela Covid-19
No fim de fevereiro, a família da advogada Tamara Gomez contraiu a Covid-19. Depois do diagnóstico da doença, não demorou muito para que os pais dela, Maria Del Rosario, de 66 anos, e Cleto, de 77, precisassem ser entubados. Em um intervalo de 15 dias, Tamara perdeu ambos; o filho dela, Pedro, de apenas cinco anos, ficou sem os avós. “Falei que ela estava muito cansada e não resistiu: ‘a vovó morreu’. E aí ele começou a chorar, falou ‘eu quero falar com ela’, eu falei ‘não dá para a gente falar com ela mais’, ele disse ‘não, mas então liga de vídeo’, eu falei que não dava para ligar de vídeo mais, que ela está no céu, que virou uma estrelinha. E ele falou ‘então a gente pode falar com ela?’ eu falei ‘pode, pode falar com ela, olha para o céu e fala com ela’. Ele perguntou ‘mas ela vai responder?’, eu falei que não, que ela não vai responder. Uns três dias depois do falecimento do meu pai eu contei para ele e ele disse ‘eu já sei, o vovô morreu, né? Eles sempre estavam juntos, eu nunca vi a vovó e o vovô separados’”, recordou. Tamara explica que o filho achou um jeito de conversar com a vovó e o vovô.
“Ele tem momentos de olhar para o céu e mandar beijo, eu pergunto o que foi e ele diz ‘nada, mandei um beijo para a vovó e o vovô’”, recorda. Assim como Pedro, crianças de todo o Brasil também estão convivendo com o luto dos mortos pela Covid-19 em cerca de 15 meses de pandemia. Médico da Sociedade Brasileira de Pediatria, Paulo Telles explica que o entendimento das crianças sobre a morte varia de acordo com a idade. Independente disso, ele ressalta que o importante é ser sincero. “Seja sincero, tente conversar de forma natural, de forma lúdica, de forma que você, conhecendo o seu filho, da forma que ele vai entender isso melhor. Usar livros, histórias, filmes que vocês estejam assistindo juntos para tentar trazer esse assunto. Isso acontece sempre: um peixinho que perdeu a mãe, ou a princesa que morreu. Muita gente fica com receio de sofre na frente da criança, a criança pega tudo, às vezes a gente acaba não falando ou mentindo. Não minta para a criança sobre o assunto”, aconselhou.
Outra dica é evitar imagens como “virou uma estrelinha” e “foi morar do céu”, já que crianças menores tendem a acreditar que esse é um processo que pode ser revertido. Para a neuropsicóloga Deborah Moss, é essencial prestar atenção aos sinais do luto para saber quando é preciso buscar ajuda. “Tem a questão da negação, da revolta, da tristeza, da aceitação, então tem todas essas etapas que vão acabar passando, mas que não são lineares. O linear é vivenciar a dor da perda, mas que essa criança mostre que está sendo capaz de sair desse drama buscando no seu dia a dia, nas atividades que tem prazer, vontade e viver mesmo”, afirmou. Apesar das dificuldades de lidar com o vírus e com o luto, pouco a pouco, a esperança vai ganhando espaço. Recentemente, a Anvisa aprovou o uso de vacinas da Pfizer para adolescentes acima de 12 anos; também já existem estudos para os menores de idade com outros imunizantes. Para o público em geral, a vacinação também começa a avançar em alguns estados e municípios do país.
*Com informações da repórter Beatriz Manfredini
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