Nova moda, ‘chip da beleza’ ajuda pacientes e divide comunidade médica
Hormônio sintético usado por alguns médicos como tratamento para endometriose está em ‘limbo’ de autorização por parte da Anvisa e causa polêmica
Nada mais que um pequeno corte para dar início ao processo. É por ali que o médico introduz o famoso “chip da beleza”, que na verdade é uma espécie de comprimido em formato cilíndrico com um hormônio sintético chamado gestrinona, que tem atraído a atenção das mulheres por favorecer a perda de gordura e o ganho de massa muscular. O efeito anabolizante é uma das consequências da ação do hormônio. Segundo o ginecologista do hospital Albert Einstein, Igor Padovesi, a principal finalidade da substância não é a estética, e sim auxiliar no tratamento contra a endometriose, reduzir a ovulação e sintomas da TPM. “Tem uma coisa muito única da gestrinona que é oposto a todos os outros anticoncepcionais. Os anticoncepcionais diminuem a testosterona da mulher e a gestrinona é capaz de fazer o mesmo efeito, de bloquear o ciclo, as menstruações, causando um aumento da testosterona. Pode ser indicado para mulheres com algumas doenças, por exemplo, endometriose, que é uma das principais, mulheres que sofrem com problemas de sangramento uterino expressivo e miomas”, afirmou o médico.
O procedimento de implantação do hormônio dura menos de 10 minutos, custa cerca de R$ 3 mil e age no organismo durante seis meses. A executiva Caroline Nakamura conta que sofria com um quadro avançado de endometriose, com dores que ficavam ainda mais intensas durante o período menstrual. Após conversar com os médicos, ela decidiu colocar o chip. “Estava entrando em uma etapa que eu não aguentava mais de dores. Eu convivia diariamente com dores, com incômodo, e no período menstrual isso piorava significativamente. Hoje, não tenho mais isso e ainda tenho alguns benefícios, já que me tornei uma pessoa mais disposta, aumenta a libido, aumenta a sua energia. Uma das coisas importantes que quem está utilizando tem que fazer é praticar exercícios físicos, e eu pratico, então isso foi bom para mim. Eu não coloquei por beleza, eu coloquei por uma opção de saúde, de qualidade de vida. Sinto que foi benéfico para mim”, pontuou. Apesar do uso do hormônio estar conquistando cada vez mais as mulheres brasileiras, a utilização da gestrinona ainda não é consenso entre a comunidade médica. De acordo com especialistas, a utilização do termo “chip da beleza” é equivocada e o tratamento não deve ser buscado para a finalidade estética.
Para o médico do Einstein, as grandes polêmicas em torno do assunto ocorrem pela falta de estudos envolvendo o hormônio. Ele diz que a gestrinona não é produzida pela grande indústria farmacêutica, e sim através da manipulação. Por isso, não tem a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, como os outros medicamentos “Ela tem que ser produzida por farmácias de manipulação, chamadas ‘farmácias magistrais’, e daí vem a confusão: as farmácias magistrais não seguem as mesmas regras da grande indústria farmacêutica, e essa é uma crítica pertinente das sociedades médicas, já que tudo que é manipulado no mundo todo, seja um creme, alguma coisa em comprimido, implante, tudo o que é gerado pela manipulação, é mal visto pelas sociedades médicas como uma opção não adequada, porque tem menos controle sobre a produção, não em bula, não tem como regular a qualidade do insumo que está sendo usado, por isso que as sociedades criticam. Mas isso não vale só para o implante de gestrinona, é para qualquer coisa que seja feita na forma de manipulação”, pontuou. Na última sexta-feira, 19, a Anvisa se reuniu com representantes que se manifestaram contra o uso da substância.
O que ficou acordado na conversa entre a agência e especialistas ainda não foi revelado, mas o endocrinologista membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, Alexandre Hohl, afirma que foi um diálogo positivo. O médico diz que o uso do hormônio foi aprovado décadas atrás por dois anos, podendo ser ingerido por via oral. No entanto, segundo ele, essa aprovação não foi mais renovada, ao mesmo tempo que não está proibida. “Ela teve uma aprovação em 1996 para ser comercializada na forma oral. Essa aprovação durou dois anos, 24 meses, e não foi renovada. É como se tivesse ficado em um limbo. Ela está ‘proibida’ para isso? Não. Ela está ‘aprovada’ para isso? Também não. Então como é que pode? Esta é a grande pergunta. Por isso que teve todo esse nosso movimento, para a gente entender o que é certo e o que é errado, o que pode e o que não pode”, disse. O endocrinologista lembra, ainda, que por ser um anabolizante, a substância é proibida por algumas instituições. Ele lembra também que é necessário cautela, sobretudo pela falta de estudos envolvendo o hormônio. “Mesmo sendo um anabolizante, mesmo estando na lista de substâncias proibidas de doping pelo Comitê Olímpico Internacional, aqui no Brasil a gestrinona é vendida, comercializada, na forma desses implantes hormonais sem nenhum controle, sem nenhuma receita médica restrita e controlada, como os outros anabolizantes. Isso fez com que a gente entendesse que havia um problema de saúde pública, principalmente porque a gente começou a pegar os excessos, essa busca do corpo perfeito, do anabolizante, os efeitos colaterais da gestrinona são cada vez mais frequentes”, afirmou.
O especialista chamou atenção para a importância de não abusar do uso de remédios que não foram estudados profundamente. Entre efeitos possivelmente prejudiciais ao organismo estão a infertilidade, problemas hepáticos e cardiovasculares. Em nota, a Sociedade Brasileira de Endocrinologia afirmou que não reconhece o implante como opção terapêutica para tratamento de endometriose, para fins estéticos ou para o aumento de desempenho físico. O órgão alertou também para o uso indiscriminado de hormônios. As comissões nacionais especializadas de climatério e anticoncepção da Febrasgo entendem que não há dados suficientes publicados na literatura médica a respeito da eficácia e segurança dos implantes hormonais com os mais diversos conteúdos hormônios, como testosterona e gestrinona.
*Com informações da repórter Camila Yunes
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