‘Precisamos transformar caso Mariana Ferrer em caso Maria da Penha’, diz promotora
Em entrevista ao Morning Show, Valéria Scarance ressalta que as leis privilegiam os réus no Brasil
Na última terça-feira, 3, a decisão judicial do caso Mariana Ferrer, que absolveu o acusado de estupro André de Camargo Aranha, causou revolta e polêmica nas redes sociais após o “The Intercept Brasil” divulgar os argumentos da defesa e do Ministério Público de Santa Catarina favoráveis ao réu. De acordo com o veredito, Mariana não estava incapacitada para consentir o ato sexual e que, por isso, não haveria dolo, a intenção do empresário em estuprá-la. Além da decisão, a reportagem teve acesso à gravação do julgamento, que mostra Cláudio Gastão da Rosa Filho, advogado do réu, humilhando a vítima. Em entrevista ao programa Morning Show nesta quarta-feira, 4, a promotora Valéria Scarance afirmou que a audiência de Mariana Ferrer “é um reflexo da nossa sociedade”.
A promotora analisou que a humilhação às vítimas durante as audiências é uma prática mais comum do que se imagina. “Hoje falamos sobre o caso Mariana, mas existem centenas de ‘Marianas’ em nosso país que são julgadas por suas vidas e seus comportamentos. Frequentemente os defensores dos réus utilizam a estratégia de atacar as vítimas vasculhando suas vidas privadas e redes sociais e carregando essas informações para o processo. No entanto, em um processo, deve-se discutir apenas se o crime ocorreu, quem o praticou e as circunstâncias que o envolvem. Todas essas outras especulações representam uma invasão odiosa à vida das mulheres”. No julgamento, entre outras difamações, o advogado do réu mostrou fotos à vítima destacando que ela teria sido fotografada em “posições ginecológicas”. Durante a entrevista, Valéria Scarance reiterou que o estupro é um dos crimes mais silenciados no Brasil uma vez que as mulheres têm medo de denunciar e, quando o fazem, esperam um acolhimento e compreensão do sistema de justiça.
“Existem inúmeras leis que garantem o direito da vítima, a própria Constituição tem como princípio básico a dignidade da pessoa humana. Acontece que, na prática, muitos defensores usam como estratégia a desqualificação da vítima. Precisamos evoluir em relação à limitação do direito de defesa, ele não pode ser absoluto.” Segundo Scarance, no Brasil, houve uma “evolução unilateral” dos direitos e garantias privilegiando os réus. “Devemos garantir que os mesmos direitos assegurados aos réus sejam assegurados às vítimas. Por exemplo, os parentes dos réus não são obrigados a depor, os parentes das vítimas sim. Os réus têm o direito de permanecer em silêncio, já as vítimas podem ser conduzidas coercitivamente caso não queiram comparecer à audiência. Há uma preocupação com a imagem dos réus, mas não há com a das vítimas. Para as vítimas há um grande caminho de reconhecimento. Em que medida elas estão sendo efetivamente protegidas? Precisamos transformar o caso Mariana em um caso Maria da Penha“, concluiu.
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