‘Precisamos transformar caso Mariana Ferrer em caso Maria da Penha’, diz promotora

Em entrevista ao Morning Show, Valéria Scarance ressalta que as leis privilegiam os réus no Brasil

  • Por Jovem Pan
  • 04/11/2020 13h08 - Atualizado em 04/11/2020 13h12
Reprodução/Imagem: Reprodução/InstagramInstagram/Twitter Mari Ferrer Segundo o veredito, Mariana Ferrer não estava incapacitada para consentir o ato sexual e que, por isso, não haveria a intenção do empresário em estuprá-la

Na última terça-feira, 3, a decisão judicial do caso Mariana Ferrer, que absolveu o acusado de estupro André de Camargo Aranha, causou revolta e polêmica nas redes sociais após o “The Intercept Brasil” divulgar os argumentos da defesa e do Ministério Público de Santa Catarina favoráveis ao réu. De acordo com o veredito, Mariana não estava incapacitada para consentir o ato sexual e que, por isso, não haveria dolo, a intenção do empresário em estuprá-la. Além da decisão, a reportagem teve acesso à gravação do julgamento, que mostra Cláudio Gastão da Rosa Filho, advogado do réu, humilhando a vítima. Em entrevista ao programa Morning Show nesta quarta-feira, 4, a promotora Valéria Scarance afirmou que a audiência de Mariana Ferrer “é um reflexo da nossa sociedade”.

A promotora analisou que a humilhação às vítimas durante as audiências é uma prática mais comum do que se imagina. “Hoje falamos sobre o caso Mariana, mas existem centenas de ‘Marianas’ em nosso país que são julgadas por suas vidas e seus comportamentos. Frequentemente os defensores dos réus utilizam a estratégia de atacar as vítimas vasculhando suas vidas privadas e redes sociais e carregando essas informações para o processo. No entanto, em um processo, deve-se discutir apenas se o crime ocorreu, quem o praticou e as circunstâncias que o envolvem. Todas essas outras especulações representam uma invasão odiosa à vida das mulheres”. No julgamento, entre outras difamações, o advogado do réu mostrou fotos à vítima destacando que ela teria sido fotografada em “posições ginecológicas”. Durante a entrevista, Valéria Scarance reiterou que o estupro é um dos crimes mais silenciados no Brasil uma vez que as mulheres têm medo de denunciar e, quando o fazem, esperam um acolhimento e compreensão do sistema de justiça.

“Existem inúmeras leis que garantem o direito da vítima, a própria Constituição tem como princípio básico a dignidade da pessoa humana. Acontece que, na prática, muitos defensores usam como estratégia a desqualificação da vítima. Precisamos evoluir em relação à limitação do direito de defesa, ele não pode ser absoluto.” Segundo Scarance, no Brasil, houve uma “evolução unilateral” dos direitos e garantias privilegiando os réus. “Devemos garantir que os mesmos direitos assegurados aos réus sejam assegurados às vítimas. Por exemplo, os parentes dos réus não são obrigados a depor, os parentes das vítimas sim. Os réus têm o direito de permanecer em silêncio, já as vítimas podem ser conduzidas coercitivamente caso não queiram comparecer à audiência. Há uma preocupação com a imagem dos réus, mas não há com a das vítimas. Para as vítimas há um grande caminho de reconhecimento. Em que medida elas estão sendo efetivamente protegidas? Precisamos transformar o caso Mariana em um caso Maria da Penha“, concluiu.

Confira a entrevista com a promotora Valéria Scarance:

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