Tolerância absolutista: Matar alguém em nome de um ‘símbolo de amor’ é matar em nome de um ódio real

Oprimir em nome da misericórdia cristã é algo anticristão por princípio; ainda assim, alguns fanáticos – e burros – usam o nome de Cristo pra derramar sangue

  • Por Adrilles Jorge
  • 31/10/2020 10h00 - Atualizado em 31/10/2020 10h21
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EFE/EPA/SEBASTIEN NOGIER Nos últimos dias, a França esteve sob ataque

Todo fanatismo leva ao radicalismo imbecil e é perigoso. Por isso, toda relação com religião ou política ou mesmo com o amor a uma pessoa ou a um grupo de pessoas deve conservar um grau de desconfiança em sua crença no seu sentimento ou ideário. Todo fanatismo é cego. Uma religião, por exemplo, é um sistema de sentido fechado. Explicação total do mundo, da vida, da ética e do comportamento. A grande religião do ocidente, o cristianismo, embora pregasse a compaixão e misericórdia a todos , teve suas deturpações e manifestações persecutórias e imperativas em sua história. Oprimir em nome da misericórdia e compaixão cristãs é algo anticristão por princípio. Ainda assim, alguns fanáticos – e burros – usaram o nome de Cristo pra derramar sangue. Em nome do amor, O crucificaram de novo, basicamente.

O cristianismo meio blasé contemporâneo e secularizado que convive com a diferença é o verdadeiro cristianismo. Porque perdoa a ignorância e o mal alheio, tentando salvar o pecador, sem abraçar o pecado da arrogância de trazê-lo na base da porrada ou matá-lo em nome de Cristo. Na França, tivemos um atentado recente de um radical islâmico que cortou a cabeça de um professor que mostrou uma caricatura de Maomé, uma heresia para o islã. Foi uma das últimas entre centenas de manifestações violentas em nome de Alá, um Deus de amor para os muçulmanos. O amor, como numa versão deturpada do cristianismo ou de outra religião, jamais poderia ser razão para o ódio em sua defesa. A noção de pecado ou crime grave é o mal que se faz a seu semelhante, não uma abstração simbólica contra um símbolo. Mesmo que seja um símbolo de amor. O amor é uma ação, não o símbolo que o representa. Matar alguém em nome de um símbolo de amor é matar alguém em nome de um ódio real.

O terrorista islâmico pode ser uma exceção. Mas entre muitas exceções de um tipo de cultura religiosa radical que proíbe contato com outras filosofias, proíbe mulheres de estudarem, condena ao inferno a homossexualidade, forçam mulheres a casamentos consanguíneos, indica agressões a mulheres como método educativo etc. Uma mentalidade radical que poderia guardar semelhança com algum radicalismo cristão no passado também. Mas, lembre-se, a misericórdia e compaixão se sobrepõem ao que se percebe como o erro do outro. O perdão e o amor cristão se colocam como os pilares da tolerância – que são o princípio de nossa civilização. Só não dá pra ser tolerante a quem te esmaga, a quem quer destruir sua cultura, a quem quer destruir e matar você. Legítima defesa defender com unhas e dentes as bases da tolerância que são a base da convivência entre as pessoas com suas diferenças. A França, em nome do multiculturalismo, uma versão caricatural da tolerância, recebeu milhões de emigrantes de outras culturas – várias radicais. Abrir os braços para a diferença não é abrir os braços para quem quer destruir as diferenças de uma cultura sobre aquela que a acolheu.

A história da cultura é darwinista. No sentido de sobreviverem as culturas que melhor absorvem as diferenças que se incorporam a elas. As culturas se misturam. Sob premissas pétreas de respeito ao outro. Sem se animarem. O cristianismo soube acolher e se mistura: a filosofias, princípios, bases humanistas que melhor souberam ler o fundamento do amor que alicerça o melhor da condição humana. A cultura ocidental seguiu este rumo talvez um tanto longe demais a ponto de querer incorporar a diferença cultural de quem a quer destruir e matar. A isto cede o multiculturalismo. Perdoar uma agressão não é ceder à lógica e à ordem do agressor. Segundo o pseudoprogressista relativista, todas as culturas são válidas, inclusive aquela que quer lhe matar. O pseudoprogressista quer decapitar a tolerância e a misericórdia. Relativismo cultural é assim, multiculturalismo é assim: todas as culturas tem valor, mesmo que assassinem crianças com deficiência ou forcem mulheres a se casarem com seu estuprador. Tolerar o erro não é endossar o erro. Amar o inimigo não é endossar o ódio e a ação odiosa de seu inimigo. Dar a outra face é ensinar a violenta forma de perdão e do amor incondicional a quem o agride. Dar a outra face é ensinar a violência do amor ao ignorante – inclusive ao ignorante cultural – sem relativismos morais. Amor não é relativo, é absoluto. Este o império cultural da tolerância e do amor.

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