Diante do atrito entre Salles e Ramos, Bolsonaro fez o que costuma fazer: morder e assoprar
Presidente demonstrou muitas vezes que episódio o irritou, mas quer acabar logo com a discórdia; nos bastidores, fala-se abertamente que a guerra continua e que governo está dividido
Uma volta de moto por Brasília pode parecer que tem um clima é de festa. Todos paramentados como corredores que disputam um Grande Prêmio. Blusões de couro, luvas adequadas e as motos ali prontas para o grande desfecho de mais uma história esquisita de um governo que gosta muito de produzir histórias esquisitas. Bolsonaro gosta de coisas esquisitas. E tudo é mesmo esquisito. O país é assim. Ninguém sabe ao certo o que é o Brasil. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, dentro de sua inexpressividade, escreveu na rede social que o ministro-chefe da Secretaria do Governo, general Luiz Eduardo Ramos, era um “maria-fofoca”. Pegou mal. Coisa inacreditável num governo que se pretende sério. Pegou mal, muito mal. A ala militar do governo não gostou. A ala militar não gosta de coisas esquisitas. Não gostou e demonstrou isso abertamente, com declarações contundentes que vazavam.
Vendo que se excedeu ou foi comunicado que passou da linha do suportável, Ricardo Salles utilizou o Twitter para pedir desculpas ao general Luiz Eduardo Ramos. E o general também usou a rede social para informar aos brasileiros que não existe problema nenhum. Está tudo bem. O gesto dos dois ministros tentou colocar um fim à desavença, mas não conseguiu. O assunto ainda está dando muito pano para a manga. Os ânimos estão alterados. Não é uma volta festiva de moto pelas avenidas de Brasília que vai acabar com as divergências cada vez mais fortes entre a ala ideológica e a ala militar do governo. A gestão do governo no setor do meio ambiente é lamentável. O mundo reclama disso. Dá-se ao meio ambiente o mesmo descaso que se deu e ainda se dá ao vírus chinês. O general Ramos não está bem nessa parada, mas conseguiu alguns apoios na desavença com Ricardo Salles, especialmente do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre. E some-se a isso a maioria dos integrantes do Centrão, que Bolsonaro procurou para poder governar. O general Ramos é governo, não é um parlamentar. Sente-se mais ou menos desamparado no Palácio do Planalto. Ricardo Salles agrediu verbalmente o ministro-general Ramos e não foi repreendido por Bolsonaro nem por seus colegas na Esplanada. Pelo contrário: recebeu mensagens afetivas e felizes de ministros que não apoiam a ala militar do governo. Por exemplo, o filho do presidente, deputado Eduardo Bolsonaro, apoiou Salles publicamente.
A única voz discordante foi a do vice-presidente Hamilton Mourão, que resumiu a questão em poucas palavras: “Roupa suja lava-se em casa”. Nessa saia justa, Bolsonaro inventou o passeio de moto reunindo todo mundo. Fez o que costuma fazer: morde e assopra. Seja como for, Bolsonaro demonstrou muitas vezes que esse episódio o irritou. Mas quer acabar logo com essa discórdia. E adiantou que não vai demitir nenhum dos dois ministros que entraram em atrito. Mas a verdade verdadeira é que Bolsonaro está à procura de um nome para substituir o general-ministro Luiz Eduardo Ramos no governo. Já o general-ministro prefere dizer que uma boa conversa faz apaziguar as diferenças. Com intrigas não se resolve nada, especialmente quando tratam de questões relevantes para o país: “Eu e Ricardo Salles prosseguimos juntos em nome de nosso presidente e em prol ao país”, diz ele candidamente.
Mas continua aquela coisa de que Ricardo Salles está esticando a corda com a ala militar do governo, que provocou tudo isso. O que se diz no Palácio do Planalto é que a ala ideológica quer mesmo o general Ramos fora do governo. Afirma-se que esse episódio foi, na verdade, uma tentativa de derrubar o ministro. E isso vem sendo tentado desde que Bolsonaro escolheu o ministro Ramos para negociar com o Centrão a fim de formar a base de apoio do governo. Algumas fontes de Brasília garantem que Ricardo Salles pediu desculpas a Ramos por exigência de Bolsonaro. Uma volta de moto por Brasília é até romântica, com aquele vento no rosto. Mas não se sabe se esse vento no rosto é mesmo capaz de pôr ordem nas coisas. Lá no subterrâneo e nas esquinas onde as conversas são mais livres, fala-se abertamente que a guerra continua. O governo está dividido. E ninguém chama um general-ministro de “Maria Fofoca” se não estiver bem protegido.
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