Para o governo brasileiro, Trump era mais importante do que os Estados Unidos; agora a política é outra

Joe Biden tomou posse nesta quarta-feira, 20, e defendeu a união e a democracia; com a troca de poder, o governo federal terá de demonstrar que esqueceu Trump para não se isolar do resto do mundo

  • Por Álvaro Alves de Faria
  • 20/01/2021 19h50 - Atualizado em 20/01/2021 19h57
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EPA-EFE/MICHAEL REYNOLDS Joe Biden Joe Biden toma posse nesta segunda-feira, 20 ao lado da primeira-dama Jill Biden

Joe Biden, 46º presidente dos Estados Unidos, aproveitou seu discurso de posse, ao lado a vice-presidente Kamala Harris, para passar uma mensagem de paz especialmente aos norte-americanos, divididos de maneira perversa por um presidente, Donald Trump, que sempre resolveu suas questões ignorando as boas maneiras. Biden deixou claro que, para eles, figuras como Trump simplesmente não existem. Nem vale a pena perder tempo com elas. Biden também deixou claro que vai mudar tudo que Trump inventou nos 4 anos que morou na Casa Branca. Não sobrará nada. Não deixou de ser, também, um aviso ao mundo sobre como serão os Estados Unidos de agora em diante. Serviu para o Brasil que terá de procurar uma maneira de fazer um contato amigável com Biden, especialmente pela conduta do presidente Bolsonaro diante do resultado da eleição que elegeu Biden, derrotando Donald Trump. O governo brasileiro terá de demonstrar que esqueceu a figura de Trump, revelando que seu aliado são os Estados Unidos. Essa idolatria a Trump na verdade foi ridícula o tempo todo. Para o governo brasileiro, Trump interessava mais que os Estados Unidos. Era o Trump que interessava. No fim de toda essa história, hoje o Brasil é um país isolado. De qualquer maneira, as coisas ainda não estão muito claras em relação ao futuro entre os dois países. O que Bolsonaro tem de por na cabeça é que Trump não é mais o presidente dos Estados Unidos e que a política agora é outra.

Se cumprir a promessa que fez na campanha eleitoral, Biden colocará o Brasil em primeiro lugar na lista do que ele chama de “párias climáticos”. Durante a campanha, Biden prometeu que se fosse eleito, reuniria os principais países do mundo para juntas US$ 20 bilhões para doar ao Brasil a fim de proteger a Amazônia, ressaltando que haveria graves consequências se o Brasil não parasse com sua política de desmatamento. Serve bem para o Brasil um ditado popular de Portugal que diz ser preciso dançar conforme a música. E é exatamente isso.

Durante seu discurso, num momento inesperado, Joe Biden interrompeu o que dizia e pediu que todos se unissem a ele numa prece e um minuto de silêncio como homenagem aos mais de 400 mil mortos nos Estados Unidos pela Covid-19. E a seguir a essa cena de muita emoção, Biden continuou seu discurso de posse falando especialmente na união de todos para reerguer o país. Disse então que sua alma tem o compromisso de unir a nação que hoje está dividida. “A História mostra que o caminho é a união, a união é o nosso caminho adiante”, disse ele. Ainda no início de seu discurso, Biden afirmou que a democracia prevaleceu e que todos que estavam naquela cerimônia celebravam o triunfo, não de um candidato, mas de uma causa, a causa da democracia. No seu discurso, Biden observa que estavam todos ali, alguns dias depois que uma turba pensou que poderia usar a violência para silenciar a democracia no país, a voz do povo e tirar de todos o solo sagrado: “Não aconteceu, nunca vai acontecer. Nem hoje, nem amanhã, nem nunca. Nunca”, afirmou. Assinalou que os Estados Unidos tem de enfrentar seus inimigos: a raiva, o ódio, o extremismo, a violência, a doença, o desemprego e a desesperança. Disse que ao falar em união pode soar para muitos como uma fantasia nos dias atuais, assinalando que as forças que dividem o país são profundas e reais e não são novas. Sem citar o nome, Biden se referiu ao lema de Donald Trump, “America First” (“América em primeiro lugar”). Disse, então: “Vamos restaurar nossas alianças e nos reunir com o mundo novamente, não para enfrentar os desafios de ontem, mas os de hoje e os de amanhã”. O tom de todo o discurso, além de fala na união de todos, foi o enaltecimento da democracia, observando que todos aprenderam que a democracia é algo precioso que prevaleceu.

Por que não dizer: foi tudo muito emocionante, independentemente de cor política. Não faltou emoção, como quando Biden depositou flores no monumento ao soldado desconhecido. E essa emoção ocorreu em vários outros momentos, quando, por exemplo, a cantora Lady Gaga cantou o hino nacional dos EUA. Trazia na sua blusa o broche de uma pomba dourada com um ramo no bico, significando a paz. Lady Gaga disse antes de se apresentar que todos precisam fazer as pazes uns com os outros. A cantora Jennifer Lopez cantou acompanhada pela banda dos fuzileiros. O cantor country Garth Brooks também se apresentou na cerimônia, como vem fazendo em todas as posses presidenciais desde Jimmy Carter; Só não cantou nas posses de Ronald Reagan e Donald Trump. E entre todas as apresentações na solenidade não faltou a poesia, na voz da jovem poeta americana Amanda Gorman, de 22 anos, nascida em Los Angeles em 1998. Um dos versos de seu poema dizia: “Precisamos colocar nossas diferenças de lado e baixar nossas armas”. A bênção de Biden foi feita pelo pastor Silvestre Beaman, de Wilmington, amigo do novo presidente há mais de 30 anos, falando da necessidade de curar aqueles que precisam ser curados.

Para deixar claro a que veio, Joe Biden já assinou seus primeiros 17 decretos para apagar o legado de Donald Trump. De cara, Biden levou os Estados Unidos de volta ao Acordo de Paris para o Clima e à Organização Mundial da Saúde (OMS). Também determinou a paralisação das obras do muro na fronteira com o México, além de implementar medidas que promovam a diversidade, temas que Trump queria distância. Biden disse que estava corrigindo os equívocos de seu antecessor. No que diz respeito à Covid-19, praticamente ignorada por Trump, Biden tornou obrigatório o uso da máscara em propriedades federais. Também encerrou o veto à entrada nos Estados Unidos de alguns países africanos e de populações muçulmanas. Disse que são medidas desumanas que não refletem os valores dos Estados Unidos. As ações do novo governo formam quatro grupos: pandemia, crise econômica, migração e diversidade. Biden acredita que a questão econômica está estreitamente ligada a pandemia. Por esse motivo o vírus merecerá atenção especial, completamente ao contrário do que queria Donald Trump, que assistiu à morte por Covid-19 de mais de 400 mil pessoas no país. Por isso fez questão de voltar à OMS no primeiro dia de seu governo. Seu objetivo é vacinar 100 milhões de pessoas em cem dias. Seu plano de recuperação do país no início do governo prevê gastar US$ 1,9 trilhão, que inclui US$ 400 bilhões para combater o vírus, com distribuição de vacinas e testes, US$ 350 bilhões para ajuda de estados e municípios, US$ 1 trilhão para ajuda direta às famílias e US$ 440 bilhões para ajuda de pequenas e médias empresas e comunidades atingidas pela pandemia levando todos à pobreza. O plano prevê ainda um cheque mensal de US$ 1.400 mil para cada trabalhador americano desempregado. De acordo com várias pesquisas, se nos primeiros 100 dias de governo Biden conseguir controlar a pandemia, os republicanos já se sentirão satisfeitos. Outro problema a ser combatido imediatamente é o do racismo nas ruas, nos tribunais, nas prisões e na justiça criminal. E também o terrorismo doméstico, que está nas ruas do país.

Como fica o Brasil nessa história? A situação não é nada cômoda. Pelos mesmos motivos da língua desprezível que avacalha com tudo e depois ficar a ver navios, como ocorreu e vem ocorrendo com a China. Bolsonaro, os filhos e alguns ministros lunáticos passavam o tempo criticando em tom de deboche a China, ignorando que a China é o maior parceiro comercial do Brasil. Essa gente não pensa em nada. Bolsonaro se meteu até mesmo na eleição de Biden, fazendo coro ao seu guru Donald Trump, dizendo a quem quisesse ouvir que houve fraude na eleição norte-americana. Tanto que foi um dos três últimos que cumprimentaram o presidente eleito. Num ataque de sandice, Bolsonaro chegou a declarar guerra aos Estados Unidos quando falava da Amazônia, dizendo que se os EUA tentassem invadir a floresta, o Brasil teria pólvora para gastar. Na verdade, hoje o Brasil está isolado, de tantas que aprontou irresponsavelmente. O Brasil não tem atualmente nenhum parceiro internacional de peso. E isso ocorreu porque Bolsonaro fez questão de demonstrar que era um servil dos Estados Unidos de Trump. O governo de Joe Biden vai exigir uma outra postura do Brasil, não essa que se assistiu nos quatro anos de Trump. Nem pensar. Muita coisa vai ter que mudar na política externa, em que, certamente, não cabe mais a figura inexplicável do ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo. Algo que vai merecer uma atenção mais do que especial é o que acontece no Brasil na questão do meio ambiente, principalmente com o desmatamento criminoso da floresta amazônica, que o governo finge que não vê. Uma vergonha. Isso vai ter de mudar e escrever assim não significa subserviência aos Estados Unidos, mas o atendimento aos apelos do mundo em relação à floresta destruída todos os dias. O Brasil terá de estabelecer contatos para aproximação de Biden, porque é assim que vivem as nações que negociam produtos e fazem negociações. É assim que vivem as nações civilizadas com governantes civilizados também.

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