Felipe Moura Brasil: Análise do áudio do Estadão em 10 pontos

  • Por Felipe Moura Brasil/Jovem Pan
  • 12/03/2019 08h57 - Atualizado em 12/03/2019 09h22
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Reprodução/Twitter A conta oficial do presidente publicou que a jornalista “diz querer arruinar a vida de Flávio Bolsonaro e buscar o impeachment do presidente Jair Bolsonaro"

É muito mais fácil escolher um lado em qualquer debate complexo, defendê-lo integralmente e atacar o outro, ignorando todas as nuances e possibilidades inerentes ao caso específico.

É o procedimento mais comum na internet, onde raramente alguém especifica de qual ponto de debate está falando.

Em geral, quem aponta nuances e possibilidades, isolando cada ponto de debate, é acusado de defender um dos lados (às vezes, pelos dois lados), até mesmo com “má-fé”.

É praticamente impossível fazer enxergarem ambiguidades nos elementos em jogo aquelas pessoas que – por corporativismo político, ideológico ou jornalístico – desejam tanto ver certezas a favor de seu lado.

Para as demais, porém, vou destrinchar, novamente, o caso do áudio da jornalista do Estadão, mostrando o que é fato verificável e o que é matéria de dúvida ou opinião.

Ponto I:

– A jornalista não domina o inglês. Fala pausadamente, procura palavras, erra o verbo comprometer. A falta de domínio da língua é um fator que demanda cuidado antes de se tirarem conclusões categóricas sobre o sentido que ela quis empregar a suas frases truncadas.

Ponto II:

– Aspas atribuídas à jornalista pelo site que fez a “denúncia” (“A intenção é arruinar Flávio Bolsonaro e o governo”) não correspondem à declaração literal da jornalista, nem mesmo na transcrição da conversa feita pelo próprio site. Ela nunca disse esta frase com todas as letras. O nome disso é distorção. Que houve esta distorção é um fato verificável, que não depende de interpretação.

Ponto III:

– O ponto 1 quer dizer necessariamente que a jornalista não indicou ou expressou de nenhuma outra forma alguma intenção de arruinar o governo? Não necessariamente o ponto 1 quer dizer isso. É preciso, portanto, avaliar o que ela diz na fonte primária: o áudio.

Ponto IV:

– A jornalista se diz dedicada ao caso porque (“because”)… Ela, então, interrompe a frase, dá uns 4 segundos de pausa e diz que o caso pode comprometer e arruinar Bolsonaro.

A declaração é ambígua pelos seguintes motivos:

1) A pausa depois do “because” pode ou não indicar que ela começou outra frase sem ter terminado aquela e, portanto, que a segunda não seria complemento da primeira.

Independentemente disso, porém:

2) Dizer-se dedicada a um caso porque pode arruinar Bolsonaro pode significar duas coisas:

a) Que ela considera o caso tão relevante em peso jornalístico que as informações que ele traz poderão ter um impacto na força política do presidente.

b) Que ela se dedica ao caso porque ela quer arruinar Bolsonaro.

(Repare que só de expressar aqui esta hipótese “b”, já se nota que a declaração teria sido conclusiva SE a jornalista tivesse usado o verbo “querer”/”want”, que denota vontade pessoal. Mas ela usou “can”/”poder”, que se refere aos possíveis efeitos do caso. É esse uso de um termo mais amplo o que gera a ambiguidade que os defensores de Bolsonaro e da jornalista não reconhecem.)

Ponto V:

– A jornalista se diz receosa de que “nunca aconteça nada sobre essa investigação” e que isto seria “uma grande frustração” para ela, porque acredita se tratar de um “caso de impeachment”.

A declaração é novamente ambígua por motivos similares aos do ponto IV.2:

1) Ela pode considerar o caso de tal forma relevante que ele poderia até resultar num impeachment do presidente, de modo que seria frustrante para ela que um caso tão relevante como este não tivesse qualquer andamento.

2) Ela pode acreditar que Bolsonaro merece sofrer impeachment em razão deste caso, de modo que seria frustrante para ela, que quer o impeachment, que isto não aconteça.

3) Ou uma variação sutil: ela pode querer o impeachment de Bolsonaro, de modo que ficaria frustrada se o caso com potencial de arruiná-lo não fosse adiante.

(Repare novamente que só de expressar a segunda e a terceira hipóteses já se nota que a declaração teria sido conclusiva SE a jornalista tivesse usado o verbo “querer” – “want”, em inglês – em vez de apenas se imaginar frustrada com o não andamento do caso que ela apura. A falta de um termo mais categórico é o que gera a ambiguidade que os defensores de Bolsonaro e da jornalista não reconhecem.)

Ponto VI:

O desejo pessoal da jornalista de arruinar ou não um governo, manifestado ou não na conversa, é insuficiente para acusá-la de ser tendenciosa ou distorcer qualquer informação, porque isto só pode ser feito pela análise de suas matérias, não de suas conversas gravadas.

Ponto VII:

A conta oficial do presidente publicou que a jornalista “diz querer arruinar a vida de Flávio Bolsonaro e buscar o impeachment do presidente Jair Bolsonaro”. Não foi exatamente isto que a jornalista DISSE, como vimos e ouvimos. O nome disso é ilação.

Ponto VIII:

Além de não haver a declaração literal, não há corroboração acima de qualquer dúvida razoável de que a intenção da jornalista é arruinar Bolsonaro. Cada um, no entanto, é livre para crer no que quiser, ainda que expresse esta crença sob a forma de uma certeza baseada em provas indiscutíveis (provas estas que só seriam postas em dúvida, na visão dos mais radicais, por má-fé dos inimigos).

Ponto IX:

Vazamento de informações de investigação do COAF por parte de servidores públicos é irregularidade que tem de ser investigada, com punição de eventuais culpados. Jornalistas que obtêm essas informações, como os do Estadão, não cometem qualquer crime ao publicá-las e a lei ainda protege o sigilo das fontes.

Ponto X:

Considerar que o presidente deveria ou não focar em outros assuntos, como a reforma da Previdência, em vez de alimentar polêmicas em rede social sobre a imprensa (ou o golden shower), é matéria de opinião pessoal de cada um.

Eu considero que deveria, sim. Mas não me incomodo de transformar cada picuinha bolsonarista em novos artigos sobre interpretação de texto.

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