Aos 53 anos, Slash considera que música o salvou: ‘Impacto positivo’
Slash atende ao telefone sendo Slash. Sua fala tem volume baixo, tom grave, acento desconfiado e interesse instável, dependendo do rumo da prosa. Se sente que uma pergunta lhe puxa um dos milhares de fios pretos que saem por baixo de sua cartola, ele se tranca até ser acariciado de novo. Entrevistá-lo é um jogo que pode acabar a qualquer momento, assim que a palavra chave for pronunciada: Gun’n’Roses.
Se tem ciência de que se trata de uma espécie em extinção, a dos guitarristas que enchem estádios pelo mundo? “Olha, eu tenho muita dificuldade quando penso quais bandas de rock estariam lotando estádios nos próximos vinte anos. Mas, sinceramente, não é algo que eu gaste muito tempo pensando.”
Se ele tem noção de que solos de guitarra estão sendo substituídos por DJs em grandes festivais de rock? “Os solos de guitarra nas músicas mudam a cada cinco anos e, na verdade, eu não penso muito sobre isso.” Ok. E dos dias em que roubava lojas e furtava cobras, se lembra?
Ah, lembra. Slash era ainda o menino Saul Hudson quando passou a dar problemas aos pais – ou os pais passaram a lhe dar problemas. Discos de vinil, roupas e cobras estavam no alvo de sua rebeldia gangsta até o dia em que ouviu um disco do Aerosmith chamado “Rocks”, de 1976, e seu caminho começou a mudar.
Mas por que o Aerosmith, quando seus amigos deveriam ouvir Stones, Who, Hendrix, Clapton e Deep Purple? Enfim, Slash fala: “Quando eu era um adolescente e comecei a descobrir a música, percebi que havia ganhado autonomia. Eu gostava muito das canções que meus pais me mostravam em casa, mas encontrar o Aerosmith neste momento da minha vida foi algo muito especial.”
“Rocks” é realmente uma pedrada. Os riffs de Joe Perry em “Last Child”, mesmo sendo um quase plágio de “Fame”, de David Bowie, fariam suas cobras roubadas dançarem no vilarejo inglês de Staffordshire, onde cresceu com o pai e os avós.
Quando as memórias da infância amansa o coração bruto, é hora de voltar aos conceitos sobre os quais Slash, há cinco minutos, não gostava de pensar. Solos de guitarra.
O rock and roll produz pelos mais de 60 anos de sua história homens que gostam de se expressar por muitas palavras, como Steve Vai e Joe Satriani, e seres capazes de falar por décadas com apenas duas ou três notas bem colocadas, como BB King e Eric Clapton.
Slash tem a seu favor um idioma universal e cada palavra dita por sua Gibson parece atingir até quem não seja do ramo. Então, a pergunta conceitual sobre o que seria um bom solo de guitarra parece pertinente.
“É algo simples”, ele começa. “Algo que alcança o ouvido das pessoas crescendo em uma escala emocional. Um bom solo de guitarra chega ao coração e faz você sentir algo, o que é o mais importante. As pessoas se esquecem disso muitas vezes. Alcançar o coração é algo que se pode fazer com duas mil notas ou com apenas uma.”
Ao mesmo tempo em que tem dado cada vez menos entrevistas – e quando dá, feito cada vez mais o durão – sua guitarra tem se pronunciado com uma energia adolescente. Slash gosta de estar ao lado de um vocalista, e achou em Myles Kennedy, 49 anos, do Alter Bridge, seu melhor alter ego depois de Axl Rose. É por ele, um vocal limpo e de longo alcance, que se sente representado. O terceiro álbum que os dois lançam juntos, sustentados pela banda The Conspirators, é Living The Dream, um disco fenomenal atravessado do início ao fim por um hard rock avassalador e com o qual eles farão um show em São Paulo no dia 25 de maio, no Espaço das Américas.
Um rápido retrospecto aponta para o derretimento não apenas de uma linguagem, os grandes solos no rock and roll, mas também de uma cultura. Slash é do tempo em que músicos como ele causavam em quartos de hotel quebrando TVs com garrafas de uísque, o que aconteceu de fato, bebiam e se drogavam a ponto de quase explodir o coração, o que de fato também aconteceu, e que falavam com jornalistas com a simpatia de um Hannibal Lecter, o que ainda acontece.
Se os porões permissivos do rock and roll o teriam salvo de um futuro menos glamouroso a ser experimentado nas dependências de uma penitenciária, ele diz: “Eu acredito que a música pode ter um impacto muito positivo na vida das pessoas e no jeito como elas se sentem. Ela me livrou de uma série de problemas que poderiam ter acontecido na minha vida. Sim, pode-se dizer que me salvou.” Seria um bom momento para apertar o botão? “Slash, como andam as coisas com o Guns ‘n’ Roses?” “Estão bem.” E a entrevista acaba.
*Com Estadão Conteúdo
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