O Brasil não merece se transformar em um ‘togaquistão’

Defesa da democracia não pode ocorrer na base da demagogia, é fundamental aproveitar o período eleitoral para um debate sobre reequilíbrio entre os três poderes; Judiciário não pode ficar acima do Executivo e do Legislativo

  • Por Jorge Serrão
  • 03/01/2022 14h30
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Marcelo Camargo/Agência Brasil O ministro do STF, Edson Fachin Edson Fachin, ministro do STF, vai assumir a presidência do Tribunal Superior Eleitoral em fevereiro

“A urna eletrônica é o caminho; a democracia é a estrada”. Essa romântica mensagem no comercial institucional do Tribunal Superior Eleitoral, uma superprodução do publicitário baiano Nizan Guanaes, só não resiste à dureza da realidade. A prática jurídica desmonta a linda teoria política. Ao apagar das luzes de 2021, o próximo presidente do TSE, Edson Fachin, fez uma declaração institucionalmente preocupante – reproduzida pelo Valor Econômico. Também ministro do Supremo Tribunal Federal, Fachin opinou que “há risco de catástrofe” se “a esperança não vencer ódios, fanatismos e irracionalidades”. O comentário extrapola a liberdade de expressão. Transforma-se em campanha eleitoral evidente. E o fato gravíssimo: feita por quem comanda a máxima autoridade judiciária eleitoral. Surpreendentemente, a imprensa e os políticos (inclusive os governistas) deram pouco destaque à declaração, no mínimo, esquisita de Fachin. Já tem bolsonarista comemorando: “Ainda bem que será Alexandre de Moraes quem vai presidir a eleição 2022”. Risos.

A mensagem completa de fim de ano do ministro Fachin merece ser reproduzida para uma análise mais completa: “Há risco de totalizar-se uma catástrofe no ‘continuum’ da história se a centelha da esperança não vencer ódios, fanatismos, irracionalidades, prontos a repetir holocaustos de ontem se não houver consciência crítica, problematizadora, capaz de decifrar esse interrogante presente e transformá-lo em emancipação humana”. Tal declaração de Fachin seria irrelevante se ele não fosse um dos maiores críticos do presidente Jair Bolsonaro. O discurso do presidente do TSE, carregado de boas intenções nos votos de ano novo, apenas se soma ao conjunto de decisões, comentários, interpretações e punições aplicadas, habitualmente, pelos membros do Supremo Tribunal Federal. Sorte que a cúpula do Judiciário não consegue a aderência do tecido social para liderar um enfrentamento aberto contra o Poder Executivo. Mas o STF já se arvorou o “Poder Moderador” (princípio absolutista que não é previsto sequer na Constituição de 1988). A toga ganha protagonismo em união com uma espécie de “gestapo” tupiniquim e graças à aliança com partidos políticos de esquerda.

Quem não percebe que foi instalado no Brasil um caos legal, que sinaliza o fim do Estado de Direito? Somos obrigados a aturar exemplos claros da anarquia legal que se instaurou no país, com a colaboração dos tribunais superiores. O Brasil vive um processo de secessão branca, em que a ordem legal se está esvaindo. A Constituição de 250 artigos e quase 100 emendas dá margem a várias interpretações, dependendo dos interesses políticos e econômicos envolvidos. O caos também se beneficia do excesso de leis, regras e instruções normativas em vigor, facilitando a impunidade, através do rigor seletivo ou do perdão conveniente.

Fabrício Rebelo, jurista, jornalista e pesquisador em segurança pública, faz uma análise precisa: “No sistema judicial brasileiro, não é função do juiz ‘lutar contra a corrupção’, mas julgar condutas corruptas de acordo com as provas que lhe são apresentadas. Combater a corrupção é função da polícia e do Ministério Público. Juiz que assume essa função acaba, de fato, se tornando parcial”. Foi o que aconteceu na Operação Lava Jato, sob o manto togado das “boas intenções”. Ou seja: Juiz não tem legitimidade para legislar e nem obrigar a população a obedecer algo que não é lei! Os brasileiros precisam dizer um não-rotundo contra a juristocracia! Ditadura da toga é ilegítima, ilegal, inconstitucional! É preciso restabelecer a legalidade e a legitimidade, fazendo Justiça de verdade. O problema é que a estrutura judiciária brasileira não parece focada nesse nobre objetivo. Por isso, um debate sério é imprescindível. O Brasil não pode – e nem merece – se transformar num “togaquistão”.

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