Com variantes da Covid-19, imunidade coletiva não será alcançada, dizem especialistas

Para o diretor da SBIm, ‘imunidade de rebanho’ só é existe com vírus estáveis, e não mutáveis como o Sars-Cov-2; inexistência de uma vacina que previna 100% as infecções também é um obstáculo

  • Por Julia Vieira
  • 29/08/2021 14h00 - Atualizado em 30/08/2021 08h31
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EDUARDO VALENTE/ISHOOT/ESTADÃO CONTEÚDO - 19/08/2021 Movimentação de pessoas nas ruas do centro da cidade de Florianópolis Coronavírus deve se tornar um vírus endêmico, assim como a influenza e o H1N1

A “imunidade de rebanho” acontece quando uma população é exposta a determinado vírus e, a partir do contato com o patógeno, as pessoas vão adquirindo uma imunidade natural, protegendo indiretamente aqueles que não foram contaminados. Um estudo realizado pelo Instituto Butantan no município de Serrana, feito com a vacina CoronaVac e que teve os resultados divulgados em maio deste ano, apontou que a pandemia poderia ser controlada e a transmissão comunitária interrompida com cerca de 75% da população vacinada. Para Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), essa meta é “inalcançável”. “O conceito, ao meu ver, completamente equivocado que muitos vinham defendendo, nunca foi algo alcançável”, diz o médico. A infectologista Ingrid Cotta da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, por sua vez, acredita que o termo “imunidade de rebanho”, que vem sendo popularmente propagado, é inadequado e “politicamente problemático”. “A imunidade de rebanho é um termo que não é adequado se usado para a Covid-19. Pode até ser usado para outras doenças que tenham taxa de mortalidade menor. Entretanto, quando a gente pensa na Covid-19, é inadmissível esperarmos que todo mundo se contamine e que esse percentual de pessoas morram para que, então, proteja-se alguém”, afirma.

Os especialistas ainda argumentam que as muitas variáveis ao redor da pandemia dificultam um cálculo exato de qual seria a porcentagem de vacinados suficiente para evitar a propagação da doença. Renato Kfouri elenca três pontos para justificar a impossibilidade de uma imunidade coletiva: o fato da Covid-19 ser uma doença zoonótica, a alta taxa de mutação do coronavírus e a inexistência de uma vacina que previna 100% as infecções. O primeiro é que a Covid-19 uma doença zoonótica, ou seja, ela não atinge só seres humanos. O coronavírus atinge morcegos, cobras, animais aquáticos, camelos. Então não é um vírus exclusivo do ser humano”, pontua. Dessa forma, mesmo com a vacinação em humanos, o coronavírus continua circulando em outras espécies. “O segundo ponto é que o coronavírus sofre mutações. As variantes vão surgindo e conseguem escapar, tanto da imunidade induzida por uma infecção natural quanto da imunidade eventual das vacinas. Do jeito que surgiu a Delta, outras variantes vão surgir e vão continuar surgindo. Então o coronavírus é um vírus que muta e o conceito de imunidade de rebanho é alcançado com vírus estáveis, como sarampo, rubéola e outras doenças, vamos dizer, erradicáveis”, explica o diretor da SBIm.

O médico ainda lembra que as vacinas disponíveis atualmente não são capazes de conter a infecção ou a transmissão do coronavírus. “ Elas são muito boas para prevenir as formas graves, leves e moderadas da doença, e são razoáveis em sua capacidade de reduzir transmissão”, diz. “Junta tudo isso: é um vírus zoonótico, que sofre mutações, e temos vacinas que não são capazes de eliminar a transmissão e não garantem proteção ao longo prazo, ou seja, será necessário realizar uma revacinação. É um objetivo [a imunidade coletiva], ao me ver, inalcançável”, completa Kfouri. Ingrid ressalta, porém, que, no momento, a vacinação continua sendo o melhor caminho para enfrentar a pandemia. “A gente tem que ter em mente sempre que as vacinas que a gente está utilizando hoje estão funcionando muito bem para prevenir doenças graves, hospitalizações e mortes e funcionando bem contra a variante Delta“, reforça a médica da BP, que acrescenta que as medidas de higiene ainda são essenciais.

A gente tem que se adequar a essa dinâmica da pandemia. Lógico que não é mais aquilo que a gente viveu em 2020, mas ela também não está inexistente dentro da nossa sociedade e estamos diante de uma variante que parece diminuir a proteção. Então, além da vacinação e da dose de reforço, é importantíssimo manter o uso das máscaras, de preferência a N95 ou a cirúrgica, o distanciamento social, a higienização das mãos e, quem puder, se manter em casa”, diz Ingrid. Com vacinação e medidas protetivas, Kfouri acredita que o coronavírus deve se tornar endêmico, assim como o vírus da influenza. “Ele vai se adaptar e vai ser um vírus como o da gripe ou qualquer outro vírus respiratório, indistinguível de outros, que nem a H1N1 que circula todo o ano no país. O vírus se torna endêmico, adquire uma sazonalidade, atinge grupos mais vulneráveis, mas não faz esse estrago. É o mecanismo de adaptação do vírus e de circulação na sociedade. É o que a maioria dos especialistas entende que deve ser o comportamento do vírus no período pós-pandêmico”, finaliza o diretor da SBIm.

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