JP Descomplica: O que é o novo coronavírus?

Confira sete informações que você precisa saber sobre o vírus

  • Por Carolina Fortes, Rafaela Lara e Camila Corsini
  • 31/01/2020 10h40 - Atualizado em 03/02/2020 17h05
EFE/Facundo Arrizabalaga Vírus matou mais de 300 pessoas e deixou cerca de 17 mil infectados

O novo coronavírus começou a circular no fim de 2019 e já deixou o mundo todo em alerta. De acordo com os dados mais recentes, ele matou mais de 300 pessoas e deixou cerca de 17 mil infectados.

No Brasil, o Ministério da Saúde monitora 16 casos suspeitos; até o momento, nenhum foi confirmado.

1. É um vírus novo

Este novo tipo de coronavírus, o 2019‐nCoV, é novo, mas não é o primeiro coronavírus da história. Pelo menos seis são conhecidos. Os últimos, mais semelhantes ao atual, foram o SARS (Severe Acute Respiratory Syndrome) e o MERS (Middle East Respiratory Syndrome). O primeiro surgiu na China em 2002 e se disseminou rapidamente para mais de doze países na América do Norte, América do Sul, Europa e Ásia, infectando mais de oito mil pessoas e causando cerca de 800 mortes, antes de a epidemia global ser controlada em 2003. Desde 2004, nenhum caso de SARS tem sido relatado mundialmente.

Já o MERS foi primeiramente identificado no Oriente Médio e posteriormente em outros países da Europa e África. Todos os casos relatados fora da Península Arábica tinham histórico de viagem ou contato recente com viajantes procedentes de países do Oriente Médio – Arábia Saudita, Catar, Emirados Árabes e Jordânia.

“Esse novo vírus provavelmente veio de uma mutação ou mistura de material genético, que pode ter ocorrido entre dois animais diferentes. O reservatório [do vírus] são os animais, e o contato entre esses animais pode ter troca de vírus ou troca de material genético. Ou por uma replicação viral, e isso muda o RNA. Esse novo RNA o transforma em um vírus diferente dos demais e com capacidades diferentes, que não temos como prever apenas com material genético, a gente tem que esperar pra ver o que ele é capaz. Por isso o alerta, mas não o alarde”, explica o infectologista André Alves.

O também infectologista da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo João Prats afirma que há dois tipos mais comuns de coronavírus circulando no Brasil: o 229E e o OC43. No entanto, o 2019‐nCoV sofreu uma mutação, e isso o transformou em um vírus diferente dos demais, com capacidades distintas. E o que o torna mais perigoso é justamente o fato de o ser humano não ter anticorpos contra, ou seja, formas de defesa.

2. Cobras, morcegos… Transmissão é mistério

Para o infectologista André Alves, ainda é muito cedo para dizer qual é a forma de transmissão do vírus. Um estudo publicado na última semana no Journal of Medical Virology, pelos cientistas Yu Chen, Qianyun Liu e Deyin Guo, indicou que o coronavírus pode ter começado a partir da carne de morcegos e cobras — iguaria consumida na China.

Eles compararam o genoma de cinco amostras do coronavírus com mais de 200 vírus parecidos coletados em várias espécies e a conclusão foi de que o vírus nCoV teria alterado suas substâncias ao se conectar com as células de uma espécie de cobra e de morcegos, que não foram identificadas pelo estudo.

“Esse novo vírus provavelmente veio de uma mutação ou mistura de material genético, que pode ter ocorrido entre dois animais diferentes. O reservatório [do vírus] são os animais e o contato entre eles pode ter troca de vírus ou troca de material genético”, alerta Alves.

Ele lembra que, na epidemia de SARS, o animal responsável foi o Civeta — um mamífero asiático — e, na MERS, foi o dromedário. “O coronavírus acomete muito mais os animais do que os seres humanos, e não só morcegos e cobras”, diz. Entretanto, o especialista afirma que ainda estão sendo feitos estudos para concluir qual foi o transmissor.

Já entre pessoas, a contaminação ocorre apenas por contato íntimo, como secreções, e é bem menor do que o vírus do sarampo ou da gripe, por exemplo. Além disso, segundo o infectologista João Prats, a transmissão só ocorre enquanto a pessoa apresenta sintomas. Ou seja, se ela já está curada, não pode mais contaminar terceiros.

“Nos históricos, ele [coronavírus] não tem infectividade tão grande. Por exemplo, no sarampo, uma pessoa pode infectar 18 a 20 pessoas. Ele [coronavírus] não chega nem perto: duas a cinco pessoas e a cadeia acaba por aí, não é um vírus que cresce exponencialmente”, complementa Alves.

3. Sintomas são parecidos com os de uma gripe

Os sintomas do coronavírus são parecidos com os de uma gripe comum: coriza, dores no corpo, tosse, dor de garganta e febre. Nos casos graves, pode haver infecção das vias respiratórias, pneumonia e falta de ar. Esse quadro é mais comum em pessoas com doenças cardiopulmonares, sistema imunológico comprometido ou em idosos.

Entretanto, ele é diferente da gripe, e o potencial de letalidade é muito mais alto do que o do H1N1 (gripe suína), por exemplo. “O H1NI matou 3% dos infectados, aqui a gente está falando, historicamente, dependendo do local, de uma variação de até 17% e já vi 35% sendo relatado, mas oficialmente é 7% a 17%. Para uma doença infecciosa é uma letalidade alta, pensando também de uma maneira populacional, mataria muitas pessoas”, afirma o infectologista André Prats.

Até o ano passado, a gripe H1N1 ainda matava duas pessoas por dia.

O ex-secretário de Saúde do Estado de São Paulo David Uip alerta para que as pessoas tomem cuidado com os sintomas. Se eles começarem a piorar e for registrada febre ou sintomas no trato respiratório, é recomendável procurar um médico.

Porém, nem todos que apresentarem estes sintomas precisam correr para o hospital. Isso porque, para ser considerado um caso suspeito, a vítima precisa também ter viajado nos últimos 14 dias para a China ou ter tido contato próximo com um caso suspeito ou confirmado.

4. Higiene é a melhor forma de prevenir

David Uip recomenda cuidados básicos, como evitar aglomerações, lavar bem as mãos antes e depois das refeições e cobrir o rosto quando espirrar ou tossir.

O restante das medidas preventivas depende de respostas institucionais das autoridades dos países. Na China, por exemplo, foram cancelados grandes eventos e suspensas todas as viagens turísticas que partem do país. Foi anunciada também a proibição da venda de animais selvagens vivos nos mercados, supermercados, restaurantes ou plataformas de comércio eletrônico.

A cidade de Wuhan, epicentro do vírus, está em quarentena. As autoridades pediram que os moradores não saiam da região e solicitaram que visitantes não embarquem para lá.

A principal companhia aérea britânica, a British Airways, anunciou que suspendeu todos os voos diretos para a China continental. A empresa também parou as vendas de bilhetes entre a Inglaterra e o país asiático pelo menos até março. Nos Estados Unidos, pelo mesmo motivo, a americana United Airlines reduziu o número de voos para o país.

5. Ainda não existe cura, mas há paliativos

Ainda não existe um tratamento específico, como uma vacina ou um remédio. “Tratamento em si não existe e não acho que vai existir. Existe um antiviral, em fase de testes, mas não podemos contar com isso agora para tratar os doentes. O tratamento e as verdadeiras complicações só saberemos com o tempo e assim poderemos prevenir esse novo vírus, ou pelo menos deixar o alerta”, afirma o infectologista André Alves.

De acordo com o também infectologista João Prats, o que pode ser feito é um tratamento de suporte para as doenças decorrentes do 2019-cNoV, como a pneumonia.

A reportagem entrou em contato com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que respondeu, por meio de assessoria de imprensa, que “até o momento não há previsão de estudos para serem divulgados”. Na China, pesquisadores estão estudando vacinas, e a estimativa é que já exista alguma em até seis meses.

6. Já é emergência global, mas não pandemia

Nesta quinta, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, declarou que o novo coronavírus se tornou uma “emergência de saúde internacional”. Dezenove países já confirmaram a presença do vírus na população. Já são ao menos 212 mortes na China e mais de 9 mil infecções.

No entanto, para o ex-secretário de Saúde do Estado de São Paulo David Uip, ainda não se trata de uma pandemia. “Uma pandemia é mundial, quando há milhares de casos em mais de um país. Uma epidemia é localizada e o surto mais localizado ainda. Agora há casos em alguns países, mas a propagação está sendo muito rápida, principalmente porque não há prevenção por vacina, nem remédio específico”, esclarece.

Uip, que era secretário na época do surto do zika vírus, explica que são situações muito diferentes. “O zika ia ter começo, meio e fim, porque precisa de um transmissor, o mosquito. Já no caso do coronavírus, a transmissão é entre humanos, e isso facilita a propagação com mais rapidez e intensidade. Se você não controla a ida e vinda das pessoas, cria uma dimensão gigante”, completa.

Já para o infectologista João Prats, se o n-CoV seguir o histórico dos outros coronavírus — o SARS e o MERS –, a infecção será mais regional e não vai durar muito. “Os últimos que tivemos foram localizados, não tivemos explosão de casos em todos os continentes. Porém, a China tem uma população enorme, e é muito fácil uma pessoa passar para outras. A tendência é que nas próximas semanas os casos aumentem muito.”

7. No Brasil há casos suspeitos, mas não confirmados

Ministério da Saúde atualizou em 16 o número de casos considerados suspeitos de coronavírus no país. Segundo balanço divulgado às 12h deste sábado (1º), já foram descartados outros dez casos.

O Estado que apresenta maior número de casos suspeitos é São Paulo, com 8 ocorrências, no entanto, outras duas suspeitas foram descartas. O Rio Grande do Sul registra, neste momento, 4 casos suspeitos; outros três já foram descartados.

Em Santa Catarina, até o momento, já foram levantadas 2 suspeitas; dois outros casos foram descartados. A lista inclui ainda o Paraná e o Ceará, com um caso suspeito em cada.

A diretora da Vigilância Epidemiológica do Estado de São Paulo, Helena Sato, informa que os exames que comprovarão ou descartarão a suspeita devem ficar prontos em até 15 dias.

“As pessoas que tiveram contato com esses casos estão sendo acompanhadas também. Todos estão bem, no entanto, é importante acompanhar. Nós já temos todo um sistema de notificação e só são considerados suspeitas pessoas que apresentarem febre e sintomas respiratórios, que tenham visitado a China nos últimos 14 dias, de acordo com a recomendação da OMS”, afirma.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) está emitindo alertas a equipes que atuam em portos e aeroportos, além da divulgação de avisos sonoros sobre sintomas da doença. De acordo com a agência, há um protocolo específico de ações caso um navio ou aeronave relatar um casos suspeito a bordo, porém o diretor-presidente substituto, Antônio Barra Torres, afirmou nesta segunda-feira (27) que, no momento, não há a necessidade de adotar medidas mais restritivas.

João Gabbardo dos Reis, secretário-executivo do Ministério da Saúde, garantiu que não vai haver bloqueio em relação às pessoas que vêm da China para o Brasil, mas recomendou que os brasileiros “pensem três vezes antes de ir para lá”.

David Uip explica que existe uma estratégia que começa na atenção primária (atendimentos nos postos de saúde) e segue até a de mais alta complexidade (hospitais preparados para atender casos mais graves).

“Há toda uma estratégia pública que você elabora para disponibilizar os cuidados adequados.” Segundo ele, entretanto, agora o mais importante é transmitir uma informações correta e transparente. “Não dá para criar um pânico maior que a situação”, completa.

* Esta matéria foi atualizada pela última vez na segunda-feira (3) e o podcast foi ao ar na quinta-feira (29). Ou seja, as informações podem ter mudado.

Comentários

Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.