‘Governo Dilma jamais priorizou a cultura’, diz Calero
O novo ministro da Cultura, Marcelo Calero, defendeu, em entrevista, um “ajuste” na Lei Rouanet para financiamento de projetos culturais por meio de renúncia fiscal e não uma revisão ampla, bandeira da gestão anterior, de Juca Ferreira. Em conversa por telefone, ele disse que, no governo Michel Temer, o setor terá mais atenção do que experimentou no da presidente afastada, Dilma Rousseff. Dispôs-se a negociar com profissionais da cultura, que ocupam prédios do MinC em 25 unidades da Federação, e até a manter algumas atividades, como as que vêm movimentando o Palácio Gustavo Capanema, sediado no Rio, e também tomado por artistas no último dia 16 de maio.
Os anúncios da extinção e recriação do Ministério da Cultura provocaram desgaste grande no novo governo junto ao setor. É possível reverter isso no curto prazo?
A gente está num momento de estabelecer uma grande conciliação, um diálogo, e essa reversão começa aí. Temos que entender que há um governo instituído segundo as normas constitucionais e que essa gestão tem a vontade de dialogar com a classe artística para a definição de suas políticas culturais. Tem que acabar com essa ideia do “quanto pior, melhor”. O fato de eu ser um funcionário de carreira deixa uma mensagem muito forte de que nós estamos aqui estabelecendo políticas do Estado brasileiro, consistentes e duradouras. O presidente Temer deixou essa mensagem muito clara com essa escolha.
A volta do MinC foi uma vitória dos artistas? O presidente em exercício chegou a ouvi-lo sobre isso?
Houve interlocução de diversos atores. Eu procurei fazer essa interlocução. Foi uma vitória da sociedade brasileira. O presidente demonstrou ter uma das características mais admiráveis em uma liderança, que é a capacidade de rever suas decisões. Grande parte do desastre econômico e social que a gente está vivendo é fruto da incapacidade da revisão, da arrogância que certos líderes têm, que faz com que, diante do remédio errado, eles dobrem a dose ao invés de retirar a medicação. Temer demonstrou muita coragem e espírito de liderança, o que é raro. É muito admirável.
Vinte e cinco unidades da Federação têm prédios do MinC ocupados por pessoas que se opõem ao governo. Afirmam que só sairão quando Temer deixar a presidência. Como pretende tratar disso? Cogita pedir reintegração de posse?
Não está no nosso cenário no momento. O que a sociedade brasileira quer é que as funções públicas dos edifícios sejam preservadas. Por meio da negociação com as ocupações vamos procurar garantir isso. Há ocupações extremamente exitosas, que deram nova função ao prédio, como a do Palácio Gustavo Capanema. Os pilotis sempre foram um lugar meio gélido. Agora têm ocupação artística de primeira linha e acho que temos a obrigação de manter essa diretriz no longo prazo.
O sr. falou em negociar com as ocupações, mas os participantes se recusam a dialogar, pois não o reconhecem como ministro da Cultura.
Os ânimos estão exacerbados nesse momento, as paixões estão acirradas. O que todos queremos é o bem do Brasil.
O sr. está dando a garantia de que não haverá retirada à força?
Nesse momento, não há o menor encaminhamento nesse sentido, na medida em que haja garantia do patrimônio. As situações das ocupações são muito diversas. Há relatos de consumo de drogas, de menores envolvidos, de depredação do patrimônio, inclusive (ele não quis revelar onde).
Os ocupantes o chamam de “ministro do golpe de Estado na Cultura”. É difícil enfrentar essa rejeição?
Não tenho problemas em ser rejeitado. O apelo que faço sempre é que a gente, a despeito de paixões políticas e do momento delicado, possa trabalhar pelo bem do Brasil. Sou funcionário de carreira, do Itamaraty, fui colocado nessa posição pelo presidente para fazer a conciliação da cultura, preservar as conquistas, aprofundar políticas exitosas e criar novos programas. É nosso mantra aqui, maior do que qualquer circunstância de natureza política.
Nas redes sociais, grassam comentários pejorativos sobre artistas que criticaram o rebaixamento do MinC, chamados de “vagabundos”, “sanguessugas da Lei Rouanet”. É um sinal de desprestígio da cultura? Como convencer a sociedade de sua relevância?
A cultura é base da identidade nacional. Como as paixões estão muito exacerbadas de todos os lados, a Lei Rouanet virou a Geni. Quem é a favor do impeachment diz que ela serve para patrocinar artistas que são contra o impeachment. A Lei Rouanet é responsável pela manutenção de instituições importantíssimas da cultura nacional. Há distorções, aperfeiçoamentos a serem feitos? Sim. Vamos dar transparência máxima.
O sr. já se reuniu com representantes da música, ouviu o pessoal do teatro, foi prestigiado por parte do mundo do cinema na posse. Quem pretende procurar em busca de consenso?
Consenso é impossível, eu falaria em conciliação. Nessas duas primeiras semanas, a gente terá conversas com nossos gestores, corpo técnico, definindo nomes e caminhos. Depois, vamos conversar com atores importantes das mais diversas linguagens. Ouvir muito, mas o diálogo não pode ser um fim de si mesmo, tem que ser produtivo, a partir do qual surjam medidas e políticas.
O sr. já declarou que a Rouanet carece de ampla revisão. O que pretende fazer quanto à decisão do TCU, que proibiu o Minc de autorizar a captação de recursos através da Lei para projetos de “forte potencial lucrativo”?
O ex-ministro Juca Ferreira já havia dito que não recorreria, por considerar ser o Prócultura o meio mais eficaz para a alocação mais democrática dos recursos. O projeto segue parado no Senado. O Prócultura e a revisão da Rouanet seriam dois debates centrais do setor em 2016, mas chegamos ao fim do primeiro semestre em meio a essa turbulência… a gente precisa se concentrar nesse debate, ver o que o Prócultura traz. Mas, antes, o grande debate é o que pode ser aprimorado na Legislação, o mecanismo de financiamento que temos em vigor. Houve um substitutivo que está sendo alinhavado em relação ao Prócultura e, provavelmente, haverá necessidade de outros debates. O projeto é muito polêmico. A Rouanet é instrumento importantíssimo para o financiamento da cultura brasileira.
Temos que cuidar dele para que seja mais transparente e abrangente. Não diria que necessita de ampla reforma, mas de ajuste. A grande questão da Rouanet é que você tem três níveis de ação e só um deles foi desenvolvido, o mecenato. Por que não houve desenvolvimento do Fundo Nacional de Cultura?
O sonho de a Cultura ter 2% do orçamento da União parece distante…
O governo Dilma jamais priorizou a cultura. Temos uma situação financeira muito complexa. O atual governo fez um compromisso de aporte emergencial. Faremos análise dos pagamentos pendentes, que são muitos. Em breve, pretendo apresentar um projeto de cronograma ao presidente Temer.
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