Inspeção encontra violações em unidades que acolhem dependentes químicos
Trinta comunidades terapêuticas de dez estados e do Distrito Federal passaram por uma inspeção nacional realizada pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministé…
Trinta comunidades terapêuticas de dez estados e do Distrito Federal passaram por uma inspeção nacional realizada pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal, e pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos da Presidência da República.
Violações de direitos humanos foram encontradas em todas elas, segundo o presidente do CFP, Rogério Giannini. “Diferentes problemas ou diferentes intensidades de problemas”, disse. Segundo ele, os locais inspecionados são, basicamente, unidades para tratamento da dependência do uso abusivo de drogas e unidades de internação de adolescentes em conflito com a lei.
Entre as situações encontradas nas inspeções que ocorreram ao longo da semana passada estão casos de pessoas com internação voluntária transformada em compulsória, privação de liberdade, condições degradantes de moradia, jovens sem escola, unidades que recebem recursos públicos mas não têm registros de funcionamento e falta de laudos técnicos que justifiquem a internação.
Segundo Giannini, em muitos casos, o único tratamento oferecido é a laborterapia, que se resume ao trabalho de manutenção do local onde vivem. “Mas precisamos conversar com a sociedade que limpar as dependências não é laborterapia”, disse. A laborterapia consiste em um trabalho com função terapêutica que auxilia na desintoxicação física, como trabalhos manuais ou em contato com a terra.
O presidente do CFP conta ainda que não existe um acompanhamento psicológico adequado e sim o uso de medicação de contenção química. Ele cita o uso indiscriminado de antipsicóticos e ansiolíticos. “Mas ali não tem ninguém em delírio psicótico. Eles devem ser usados para situações específicas, não como remédio para dormir”, explicou. “É classicamente um controle clínico do comportamento”.
Para Giannini, esse modelo de atenção, com ênfase na internação, é um modelo que cumpre muito mais o papel do isolamento social do que de cuidado com a pessoa. Além disso, é um alto custo para as famílias e para o Estado. Ele conta que já encontrou casos de crianças internadas por determinação judicial sem nenhuma avaliação sobre qual seria o atendimento correto. “Uma criança de 13 anos, internada há dois anos, com indicação de alta, mas o juíz não autorizava a alta. Que tipo de tratamento é esse?”, contou. “O nível de descuido está neste nível, são situações que fogem a qualquer análise e aos princípios da racionalidade”.
Inspeção conjunta
A ação conjunta dos órgãos federais é inédita e mobilizou cerca de 100 profissionais, nos dias 16 e 17, em vistorias que aconteceram simultaneamente em mais de 30 comunidades terapêuticas nos estados do Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rondônia, Santa Catarina e São Paulo, além do Distrito Federal.
Giannini, a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, e o perito do Mecanismo Nacional Prevenção e Combate à Tortura, Lucio Costa, vistoriaram pessoalmente comunidades terapêuticas no Mato Grosso. O estado foi alvo de um relatório recente do MNPCT que também apontou casos graves de violações de direitos humanos, como privação de liberdade em desconformidade com a lei, indícios de trabalho análogo à escravidão e também de crime de sequestro e cárcere privado.
As informações e dados coletados nesta vistoria em todo o país serão sistematizados em um relatório que será divulgado nos próximos meses. O documento será encaminhado aos órgãos competentes no sistema de Justiça e nas três esferas administrativas. As situações mais graves receberão os imediatos encaminhamentos por parte do Ministério Público. já existe, no âmbito do Ministério Público Federal, mais de 50 procedimentos extrajudiciais para apuração de violações de direitos em comunidades terapêuticas.
“São questões de saúde pública que precisam ser enfrentadas de uma maneira consistente, tecnicamente capacitada e socialmente digna. Uma das causas da existência de serviços precários é a falta de políticas consistentes e que têm abrangência para evitar que esse tipo de situação aconteça”, disse o presidente do CFP, Rogério Giannini.
Para o CFP, as comunidades terapêuticas têm atuado como ambientes de reprodução de práticas manicomiais e violação de direitos, na contramão dos princípios da reforma psiquiátrica estabelecida pela Lei nº 10.216/2001, que estabelece um modelo de atenção que garanta a convivência social e protege dos maus tratos. Em 2011, o órgão também lançou um documento sobre locais para internação de usuários de drogas, que identificava práticas como castigos físicos e psicológicos, desrespeito à liberdade religiosa, à diversidade na orientação sexual e identidade de gênero, além do confinamento compulsório como regra.
Até o final dos anos 1980, segundo o CFP, o manicômio era o ápice de uma concepção que excluía, segregava e negava a cidadania a homens e mulheres condenados em decorrência de maus tratos e da violência dos eletrochoques e solitárias. O movimento de luta antimanicomial no Brasil completa 30 anos em dezembro. Em 1987, a chamada Carta de Bauru, foi o primeiro manifesto público no Brasil pela extinção dos manicômios e contrário a exclusão de pessoas em sofrimento psíquico.
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